A imagem singular de Frida Kahlo ainda circula em notas de 500 pesos no México. Viajantes no aeroporto da Cidade do México podem comprar uma fragrância que leva seu nome. Em outros lugares, o rosto da pintora — suas sobrancelhas marcantes, seu olhar penetrante — adorna bolsas, meias cano alto, copos térmicos, tudo o que você imaginar.
Setenta e um anos após sua morte, Frida Kahlo continua sendo indiscutivelmente a mulher mais reconhecida do México, rivalizada talvez apenas pela Virgem de Guadalupe. E todos os anos, centenas de milhares de pessoas se aglomeram em dois bairros da Cidade do México para visitar a Casa Azul, onde ela nasceu e morreu, e o Museu Casa Estúdio Diego Rivera e Frida Kahlo, onde ela morou e trabalhou com o marido, o pintor Diego Rivera.
Agora, os devotos de Frida Kahlo têm um novo local de peregrinação para visitar na capital do país: o Museu Casa Kahlo, também conhecido como a casa vermelha, onde os pais da artista viveram a partir de 1930. A apenas três quarteirões da Casa Azul, o novo museu centra-se na família da artista e nas suas origens. Pretende ser uma espécie de prelúdio, acrescentando contexto e textura intimistas ao que, de outra forma, poderia parecer uma história bem conhecida.
“Sempre quisemos contar essas histórias do ponto de vista da família”, disse Frida Hentschel Romeo, 35 anos, bisneta de uma das irmãs da artista, “e mostrar como, no fim das contas, ter uma rede de apoio tão incondicional quanto a de Frida contribuiu para que ela se tornasse extraordinária”.
Durante anos, os descendentes de Kahlo oscilaram entre proteger e promover o legado desta pintora desafiadora, que morreu em 1954, aos 47 anos. Eles publicaram um livro de memórias de uma sobrinha e um livro de receitas com os pratos favoritos dela, impediram a venda de uma boneca Barbie inspirada em seu famoso visual e lutaram por seus direitos de marca registrada.
Também mantiveram a Casa Kahlo fechada e seu endereço em segredo — afinal, era a casa onde moravam, passada de Cristina Kahlo, a irmã mais nova (e bisavó de Hentschel Romeo), por três gerações. “Chamamos de casa vermelha porque é o coração da família Kahlo”, disse Mara de Anda, 46 anos, bisneta de Cristina Kahlo, ao El País em 2022. (É também, sem dúvida, uma casa vermelha.)
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A casa se tornou o refúgio da família depois que a Casa Azul, que o pai de Frida, Guillermo, construiu e posteriormente hipotecou, foi quitada por Rivera logo após seu casamento com Frida em 1929. “Talvez ele pensasse que, como o genro havia quitado a hipoteca, ela não lhe pertencia mais”, escreveu Isolda P. Kahlo, sobrinha de Frida, sobre Guillermo em seu livro de memórias de 2004, “Frida Íntima”.
Guillermo Kahlo era um imigrante alemão que se tornou fotógrafo de arquitetura para o governo mexicano. Isolda Kahlo o descreve como alguém que passou a se sentir um hóspede indesejado na casa onde duas de suas filhas nasceram.
Enquanto a casa azul se tornou um centro para ativistas políticos — Leon Trotsky e sua esposa viveram lá de 1937 a 1939 — a casa vermelha foi onde a mãe de Frida, Matilde Calderón, morreu em 1932 e onde gerações de Kahlo organizaram jantares em família e comemoraram aniversários até alguns anos atrás.
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A casa vermelha pertencia oficialmente a Cristina Kahlo, que se mudou para lá algum tempo depois de ter um caso com Rivera. Depois que a irmã a perdoou, “tornou-se mais uma vez sua principal companheira, sua aliada na aventura e consolo na dor”, como Hayden Herrera descreveu em sua biografia de Frida Kahlo. Lá, Frida almoçava com as irmãs e tinha encontros com Trotsky e o escultor Isamu Noguchi. (Noguchi certa vez fugiu do ciúme de Rivera subindo em uma árvore.)
“O apoio emocional não veio de Diego ou da Casa Azul”, disse Hentschel Romeo, ressaltando que foi Cristina quem esteve ao lado de Frida durante inúmeras e dolorosas cirurgias, segurando sua mão até que os anestésicos a deixavam inconsciente.
Ninguém deve se preocupar que o novo museu seja redundante em relação à Casa Azul, disse Rick Miramontez, presidente da recém-criada Fundación Kahlo, uma organização sem fins lucrativos com sede em Nova York que apoiará a Casa Kahlo. O museu, disse Miramontez, “conta a história da origem e da família de maneiras realmente intrincadas, começando com seu pai, que foi fundamental para lhe dar inspiração”.
Catalogar o conteúdo da casa provou ser “uma loucura”, disse Hentschel Romeo. “Você abria uma gaveta e encontrava folhetos da pizzaria da esquina e a conta de gás. Havia um pequeno bilhete de Frida ‘para minha doce Isoldita’.”
Esses artefatos pessoais estão expostos por todo o museu: fotos e cartas de família, vestidos e bonecas, e remédios que permeavam o mundo de Frida. A artista sobreviveu à poliomielite quando criança e sofreu um terrível acidente de ônibus em 1925.)
A Casa Kahlo também exibirá uma câmara escura em homenagem a Guillermo Kahlo. David Rockwell, cujo escritório de arquitetura ajudou a projetar o museu, descreveu a Casa Kahlo como “um convite muito analógico”.
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“Este é um museu onde você realmente vai se dedicar e se envolver em algo que não está disponível online ou em um livro”, disse ele, sugerindo que, em muitos aspectos, os custos do museu pareciam “mais emocionais do que financeiros”. “Foi um pequeno processo de desapego”, disse Rockwell. Mas esses esforços criaram um “lugar muito especial”.
Agora que o museu foi inaugurado, a Fundación Kahlo planeja estabelecer um prêmio de arte e um programa de bolsas, além de dedicar um espaço dentro da Casa Kahlo para expor outros artistas. Enquanto isso, disse Hentschel Romeo, a família espera promover uma imagem de Frida Kahlo que vá além de sua identidade como artista, “girando em torno de Diego Rivera”. Nesse mundo, Frida, Cristina e Isolda Kahlo forma modelos para os murais de Rivera. Mas, no universo da casa vermelha, Frida pintou um mural nas paredes da cozinha, possivelmente por volta de 1938.
“El mesón de los gorriones”, diz o mural, que se traduz como “A estalagem dos pardais”. Mas o verso também brinca com a palavra espanhola gorrones: aproveitadores.
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Em uma manhã ensolarada recente, os trabalhadores davam os retoques finais no museu, inaugurado no sábado. Dentro da casa vermelha, algumas das peças em exposição estavam prontas para os visitantes. As janelas haviam sido cobertas com tecidos bordados por um grupo de artesãs com citações de Frida. “Onde não se pode amar, não se demore”, dizia uma delas.
Do lado de fora, um jovem pé de toranja aguardava para ser plantado. Era a substituição de uma toranja que outrora dominava o pátio, perfumando toda a casa, embora seus frutos fossem excepcionalmente amargos.
Também prenunciava outra árvore cítrica que aguardava os convidados na cozinha. Essa faz parte do mural de Frida. É provável que seja, segundo a família, o único mural que ela já criou.