Odete Roitman (Débora Bloch) chegará a “Vale tudo” no próximo dia 28 e a expectativa já é enorme. A volta ao ar desse clássico da teledramaturgia brasileira não vem mexendo apenas com a memória afetiva do público e multiplicando as citações a Beatriz Segall, primeira intérprete da personagem. Ela também está promovendo novas maneiras de assistir a um conteúdo audiovisual.
É uma ironia: as novelas são a epítome da TV linear. Foi a fidelidade e a paixão dos noveleiros que determinaram a grade do horário nobre. Ninguém poderia imaginar, portanto, que a mais surpreendente das mudanças de comportamento viria logo de um produto tão tradicional.
Nos últimos anos, a vitalidade do gênero vem sendo questionada insistentemente. A morte do melodrama foi declarada mais de uma vez. Algumas tramas chegaram a emular as séries numa tentativa de agradar a um espectador que queria mais ação.
A telenovela pode não reinar absoluta na tela, como no passado. Mas continua sendo a maior força capaz de reunir as massas para debater um assunto. “Vale tudo” está demonstrando isso.
À primeira vista, ela está no ar em duas versões: há o remake de Manuela Dias, na Globo, e o original, de 1988, de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, no Globoplay. Mas nada é tão simples e binário quando se trata dessa história rica, adorada e muito lembrada.
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A produção está sendo acompanhada por muito mais meios que apenas dois. A internet oferece farto arquivo de vídeos curtos — os “cortes” — com cenas antigas. Eles se misturam a trechos recentes. Tem gente seguindo tudo pelas redes sociais, tem gente vendo na TV aberta e no Globoplay. Uma maioria esmagadora usa todas essas telas. Essa forma embaralhada de acompanhar o enredo tem um efeito inédito curioso. Ela produz uma novela paralela. É a novela que emerge da comparação.
A “Vale tudo” de 1988 foi uma produção irretocável — refiro-me ao texto, à direção e ao elenco. Por isso, ninguém pode imaginar que um remake estará livre das acareações. A Maria de Fátima de Gloria Pires pauta todas as Marias de Fátimas que possam surgir. O mesmo se aplica a Odete Roitman de Beatriz Segall, a Raquel de Regina Duarte, ao Ivan de Antônio Fagundes e por aí vai.
Quem se der ao trabalho de assistir à nova leitura na TV e depois procurar o mesmo capítulo no Globoplay vai se divertir com a confrontação. Certas interpretações são imbatíveis, mas existem casos em que duas atrizes conseguem imprimir sua marca à mesma figura com brilho. O bom exemplo é a Raquel de Regina Duarte e a de Taís Araújo, dois êxitos. A iluminação de 1988 perde para a atual: a primeira versão tinha sequências muito escuras. A câmera fazia trajetos estilosos, partindo, por exemplo, de um canto do quadro. Danton Mello, criança, vivia o filho de Ivan. O exercício é rico e instigante. “Vale tudo”, como as boas novelas, pelo visto tem muitas vidas.
