O que alguns analistas chamam de metralhadora tarifária do presidente dos EUA, Donald Trump, está levando outros países e blocos a repensarem suas estratégias de comércio exterior.
Além de uma ameaça à ordem global construída após a Segunda Guerra Mundial, a caótica ofensiva comercial do segundo mandato do republicano está redesenhando as rotas do comércio internacional, obrigando tradicionais parceiros dos EUA, como Japão e Canadá, a buscarem novos mercados.
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Blocos comerciais do Ocidente como a União Europeia (UE) começam a buscar alternativas em outras regiões do mundo, como a Ásia. O México planeja ampliar sua presença em outros mercados, entre eles o Canadá e o Brasil. Países asiáticos como China, Japão e Coreia do Sul deixam para trás desconfianças do passado e se unem diante de um cenário desafiador para todos.
E o Mercosul, mergulhado em profundas disputas políticas internas, também se vê levado a aproveitar talvez o único consenso que tenha hoje para acelerar negociações com países como Emirados Árabes, e redobrar esforços para assinar, até o fim deste ano, os entendimentos com UE e a Associação de Livre Comércio Europeia (Efta), de Islândia, Suíça, Noruega e Liechtenstein.
— Vivemos tempos turbulentos e, quando a incerteza econômica encontra a volatilidade geopolítica, parceiros como nós precisam se aproximar — disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, após recente encontro com o presidente da Indonésia, Prabowo Subianto.
O mandatário idonésio retribuiu:
— No Sudeste Asiático, especialmente na Indonésia, realmente consideramos a Europa muito importante para proporcionar estabilidade global.
Enquanto negociava com os americanos para tentar reduzir os 32% sobre suas exportações para os EUA anunciados por Trump, a Indonésia, como muitos de seus vizinhos, tenta ampliar horizontes. O comércio bilateral com os EUA chegou a US$ 40 bilhões em 2024.
Na terça, Subianto acertou com Trump um acordo que baixou a tarifa para 19%, mas após “uma luta extraordinária”, classificou o governo da Indonésia. Agora o desafio é fazer parcerias que garantam previsibilidade.
Com o Brasil na presidência do Mercosul até dezembro, confirmaram fontes oficiais, a orientação do presidente Lula é “olhar para os países asiáticos”. Na mira estão Vietnã, Japão e Indonésia, depois de o bloco sul-americano ter selado, em 2023, um acordo de livre comércio com Cingapura.
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— As negociações com os Emirados Árabes estão em fase final. Queremos encerrar o ano com a assinatura dos acordos com UE e Efta — disse uma fonte, enfatizando que o desejo do presidente é privilegiar acordos com os asiáticos.
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Para o embaixador Marcos Caramuru, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o momento pode ser favorável para o avanço de acordos em curso:
— O acordo entre Mercosul e UE deveria ganhar nova tração, porque os europeus deveriam abrir novos mercados. Estamos vivendo um período de acomodação muito grande.
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Na visão de Caramuru, que foi embaixador do Brasil na China entre 2016 e 2018, diante do terremoto prometido por Trump, a grande pergunta hoje é sobre o que vai acontecer com o resto do mundo:
— Vão seguir as políticas de Trump ou as regras do comércio internacional? — indaga. — Na minha avaliação, o resto do mundo não tem muita alternativa senão seguir as regras. Um comércio desorganizado prejudica todo mundo.
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A China, opina o embaixador e concorda Evandro Menezes de Carvalho, professor de Direito Internacional da UFF e da FGV do Rio, é um dos países mais bem preparados para enfrentar a ofensiva comercial de Trump — e foi, além do Canadá, o único que retaliou os EUA com tarifas.
Com o crescimento expressivo de seu mercado interno e a meta de dobrar a classe média, atualmente estimada em 400 milhões de pessoas, até 2035, a China, afirma o professor, “já vinha se preparado para um cenário no qual se tornaria mais difícil a relação com os EUA, pela própria ascensão econômica chinesa”.
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— A pandemia também acelerou o processo de diversificação de mercados para produtos chineses, naquele momento acendeu um sinal amarelo. Agora, a China, que é o maior parceiro comercial de 140 países no mundo, buscará ampliar esse comércio. A tendência natural é fortalecer as parcerias na Ásia, mas não apenas — explica Menezes de Carvalho.
Um dos movimentos neste sentido foi a aproximação entre China, Japão e Coreia do Sul. Em março passado, com Trump já de volta ao poder, os três países realizaram seu primeiro diálogo econômico em cinco anos. Os três ministros do comércio concordaram em “cooperar estreitamente para negociações abrangentes e de alto nível” sobre um acordo de livre comércio.
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— Há uma preocupação da China com seu entorno. Estão em jogo questões econômicas, comerciais e de segurança, pelo conflito com Taiwan. A China tem feito um esforço diplomático para que desentendimentos com países como Japão e Índia não escalem, e, paralelamente, seja fortalecida sua diplomacia comercial, conhecida pela previsibilidade — diz o professor, lembrando que a potência asiática também tem interesse em “aprofundar relações e parcerias na África e América Latina”.
A China e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), composta por países como Indonésia, Malásia e Vietnã, concluíram recentemente negociações para aprofundar sua área de livre comércio, incluindo temas como economia digital e verde. A Asean é o maior parceiro comercial da China, com um fluxo de US$ 234 bilhões no primeiro trimestre, segundo dados da alfândega chinesa.
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Na opinião de Lia Valls, pesquisadora associada do FGV Ibre e professora da Uerj, uma das perguntas que devem ser feitas é se um mundo multipolar será mais ou menos desequilibrado. Esse novo mundo terá regras mínimas?
— Ainda é cedo para saber se novos acordos serão acelerados. A Europa, por exemplo, está numa situação mais complexa, porque tem um comércio muito forte entre os membros da UE, diferentemente do Mercosul, que precisa olhar pra fora — analisa Valls.
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A UE também tem buscado se aproximar do Canadá e do Reino Unido, além de Índia, África do Sul, Mercosul e até mesmo América Central. Apesar dos obstáculos apontados pela economista, o momento é crítico e pelo menos a intenção de buscar acordos fora do bloco está sendo expressada.
O tempo dirá se essa intenção se materializa em acordos de livre comércio. O Mercosul está esperando há mais de 20 anos que o acordo entre os dois blocos entre em vigor.
No México, onde a taxa de 17% imposta por Trump ao tomate do país importado pelos americanos — sob forte pressão do lobby da Flórida — provocou uma crise nacional, também olha para a Ásia, além do Canadá, outro parceiro tradicional dos EUA atingido em cheio por Trump, e do mercado brasileiro.
— A Ásia pode ser uma boa oportunidade para nós. Japão e Coreia do Sul poderiam ser novos destinos (para produtos mexicanos) — afirma o diretor jurídico da Associação Mexicana de Horticultura Protegida, Gustavo Robles.
Na opinião do também mexicano Antonio Ortiz-Mena, professor adjunto da Universidade de Georgetown, nos EUA, e CEO da consultoria AOM Advisors, “a crise do tomate mexicano reflete o absurdo da política de Trump”.
— O principal estado produtor de tomates é Sinaloa. Trump, com sua medida, poderá deixar 500 mil trabalhadores sem emprego, que podem terminar se tornando imigrantes ilegais nos EUA ou atuando no crime organizado. A Flórida não tem como produzir a quantidade de tomate que exportamos para os EUA — frisa Ortiz-Mena. — Esta desordem internacional vai prevalecer por muito tempo.