Vinicios Santos do Carmo, de 26 anos, desembarcou na Ucrânia em novembro de 2022, quando as tropas do país começavam a retomar cidades na região de Kherson. Com experiência como militar no Brasil desde os 18 anos, o soldado comprou a passagem, avisou a família de última hora e viajou até o país, onde foi aceito e enviado para as trincheiras.

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— Logo que cheguei no front, em 2022, um tanque acertou a quina da minha trincheira, e ela começou a desabar. Tive tempo de me esconder, mas o segundo disparo acertou lá dentro. Não sei explicar o barulho, uma espécie de zumbido no ouvido, e na hora senti meu corpo inchar. Ali eu pensei que fôssemos morrer — lembra o soldado.

A uma distância de pouco mais de 600 quilômetros de Kherson, na floresta de Serebriansk, um soldado americano precisou ser escondido entre arbustos pela equipe de outro brasileiro, Rafael dos Santos Leite, de 28 anos. Ferido e sem conseguir caminhar, o combatente era carregado em cima de uma maca quando os russos encontraram o grupo.

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— Eram muitos disparos e explosões de todos os lados. Não podíamos continuar carregando ele, então o escondemos perto de uma árvore. Usamos uma rede de camuflagem, que também serve como proteção contra drones, mas foi nela que o drone lançou uma granada — contou ao GLOBO. — Pensamos que o pior tinha acontecido, mas ele estava bem e conseguimos tirá-lo do front.

Nordestino e ex-marceneiro, o agora soldado não tinha experiência militar quando decidiu se unir às tropas em 2023. Determinado a encontrar um propósito, viajou do Brasil de avião até a Polônia e de lá percorreu 800km de ônibus até Kiev. Mas, ao contrário de Carmo, precisou passar por campos de treinamento antes de ser enviado às trincheiras. Por dois meses, recebeu formação para manusear armas e drones, disparar granadas e fugir de ataques.

Mas, logo no início da jornada, Leite enfrentou um inimigo que desconhecia: o inverno rigoroso, com temperaturas que podem chegar a -20°C:

— Quando cheguei, era inverno e tive febre porque não estava acostumado com o frio. Uma senhora comprou medicamento para mim. Tentei pagar, mas ela não aceitou. Desde o início, fui tratado com gratidão e por isso continuo aqui.

Após serem recrutados, os soldados brasileiros assinam um contrato com o Ministério da Defesa e recebem um documento que lhes permite passar pela imigração nos aeroportos. O contrato tem duração de três anos, mas há a possibilidade de ser encerrado após seis meses. O salário pode variar entre US$ 3 mil e US$ 5 mil por mês (entre R$ 16.700 e R$ 27.800). Entretanto, para receber os valores divulgados, é preciso trabalhar pelo menos 30 dias no front. Soldados que iniciam a jornada pelo período do treinamento, por exemplo, recebem US$ 490 (R$ 2.730).

A participação de brasileiros que se inscrevem para integrarem tropas em guerra não tem respaldo do Itamaraty. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores, por meio da Embaixada do Brasil em Kiev, afirma que “permanece à disposição para prestar assistência consular à comunidade brasileira na Ucrânia”, mas “reitera sua recomendação de que sejam evitadas todas as viagens ao país, bem como a permanência”.

Mesmo sem a recomendação do Brasil na participação direta no confronto, Vinicios Santos do Carmo e Rafael dos Santos Leite desejam continuar na Ucrânia até o fim da guerra para “celebrar o dia em que artilharia, mísseis e drones parem de matar o povo”.

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