A reluzente sala de jantar preta e dourada do Coqodac está barulhenta, e o badalado restaurante de alto padrão no coração de Nova York nem sequer abriu para o jantar. Uma mesa de “rappers e apresentadores de podcast” ainda saboreia um almoço tardio de caviar e champanhe de 4 mil dólares, conta o chef executivo Seung Kyu Kim.
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Ele não se importa. Quer que seu restaurante em Manhattan conhecido por seus nuggets de frango com caviar por cima (US$ 28 dólares ou R$ 165 cada), seja um lugar onde as pessoas venham celebrar.
Enquanto a gripe aviária força os mercados dos EUA a racionar ovos de galinha vendidos a US$ 10 a dúzia, os ovos de peixe curados com sal tornaram-se onipresentes em restaurantes de alto padrão. As esferas viscosas e salgadas agora podem ser encontradas sobre molhos de creme azedo e cebola por US$ 68 em Nashville e saladas de ovo a US$ 73 em São Francisco.
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Mas, embora a percepção do público sobre o caviar como um produto de luxo pelo qual vale a pena pagar mais tenha permanecido surpreendentemente resiliente por mais de um século, o custo do caviar no atacado — especificamente, as ovas de esturjão — caiu consideravelmente nos últimos anos.
— Há uma febre do caviar e, cada vez que alguém me pergunta por quê, eu respondo a mesma coisa: uma enxurrada de caviar chinês produzido em massa a preços super baixos”, disse Edward Panchernikov, diretor de Operações do restaurante Caviar Russe, em Nova York.
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O caviar pescado na natureza é ilegal segundo a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção. O que é vendido deve ser cultivado. O caviar russo, que representa uma pequena porcentagem da oferta global, está sob sanções dos EUA.
Hoje, a maior parte do caviar importado pelos EUA é cultivado na China, onde os baixos custos de mão de obra, a abundância de cursos d’água e o apoio governamental ajudaram a reduzir os preços. As tarifas de Trump devem mudar isso.
Dados sobre o consumo americano de caviar são escassos, já que a iguaria representa uma fração minúscula das importações de commodities dos EUA, mas o preço médio de um quilo importado nos EUA era de cerca de US$ 240 (R$1.408) em 2020, ante aproximadamente US$ 440 em 2014, segundo o Observatório Europeu do Mercado de Produtos da Pesca e da Aquicultura.
A China enfrentou diversos escândalos alimentares nos últimos anos, além de acusações de concorrência desleal. Importadores dizem que isso manchou a imagem de sua indústria de caviar. Mas a escala da aquicultura chinesa significa que há uma enorme variação na qualidade do caviar produzido ali, mesmo dentro da mesma fazenda de esturjões. o que colabora para a queda de preços.
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O preço do caviar chinês pode variar bastante. Chefs citam preços de atacado (com margens de importadores) entre US$ 500 e US$ 1.500, e varejistas dizem que pode chegar a até US$ 400. A pressão de preços em todo o mercado torna muito difícil para pequenas fazendas de caviar dos EUA competirem. A Marshallberg Farm, produtora americana que fornece caviar ao Plaza Hotel, de Nova York, por exemplo, diz que seu custo de produção por quilo varia entre US$ 1.000 e US$ 1.200.
Algumas das ovas de esturjão mais caras e desejadas do mundo estão vindo da China.
— A consistência, o sabor e o teor de sal estão muito, muito no ponto — diz Kim, do Coqodac.
Caviar no cachorro-quente
O restaurante The Modern, com duas estrelas Michelin e localizado em Midtown Manhattan, serve um cachorro-quente com caviar no cardápio do bar: dois mini salsichões, cada um coberto com cerca de quatro gramas de caviar dourado de origem chinesa, servidos em pães brioche pequenos, por US$ 39.
Thomas Allan, chef do The Modern, diz que o papel do cachorro-quente com caviar é aproveitar a capacidade do ingrediente de gerar empolgação nos clientes, e não gerar lucro. Eles compensam os custos em outras áreas, como bebidas e sobremesas.
— O cachorro-quente é um momento de alegria, que faz sorrir — diz. — É bem provável que você não vá pedir só isso, vai pedir outras coisas. Vai pedir um vinho.
Allan diz que, em vez de ser uma fonte de lucro direto, o caviar “é mais como o frango assado do Costco”. Ele se referiu à rede de atacado que é conhecida nos EUA por manter o preço em 4,99 dólares para o frango assado, apesar da inflação. É um chamariz para as lojas.
Em outro exemplo do gênero, o Bangkok Supper Club, no West Village, finaliza sua tortinha de uni e caranguejo com a mesma variedade — uma mordida só, por US$ 22.
Preço caiu, mas consumidor ainda paga muito
Se o caviar está mais barato hoje, por que os clientes ainda pagam caro? Parte da resposta está no fato de que os consumidores ainda o veem como um luxo, e a educação sobre a variação de qualidade ficou atrás das mudanças de mercado.
— Os consumidores não estão pensando muito nisso — diz Lianne Won, coproprietária da Marshallberg Farm. — Eles pensam: OK, é caviar. Claro que é caro. Não estão pensando de onde vem.
E apesar da ascensão do caviar chinês, ao vender diretamente ao consumidor, muitos importadores ainda preferem não especificar o país de origem. Sites de varejistas alegam que o caviar foi colhido nas águas imaculadamente limpas do Lago das Mil Ilhas, mas nunca mencionam a China.
O Lago Qiandao, que significa “mil ilhas” em chinês, é onde está localizada a Kaluga Queen, maior fornecedora de caviar do mundo.
— Ainda há certo preconceito — disse Hossein Aimani, chefe da Paramount Caviar, que fornece caviar chinês para restaurantes como o Le Bernardin, em Nova York.
O esnobismo quanto à procedência como forma de impulsionar a demanda — e os preços — também é uma tradição sagrada, tão antiga quanto o próprio comércio de caviar. No século XIX, quando a oferta americana de esturjões era abundante, dizia-se que o único caviar pelo qual valia pagar caro era o do Mar Cáspio.
Bares nos EUA ofereciam caviar local de graça, como se fossem amendoins, enquanto exportadores astutos para a Europa fingiam que seu produto era do Cáspio, escreveu Richard Carey em seu livro de 2005 sobre o tema, “The Philosopher Fish: Sturgeon, Caviar, and the Geography of Desire”.
Mas, enquanto o caviar vive um momento de popularidade, sua crescente abundância e popularização podem ameaçar a própria indústria. A história luxuosa e rara das ovas de esturjão está “um pouco sob ataque”, diz Panchernikov, do Caviar Russe. — As pessoas estão tentando banalizar o caviar, tirar dele essa aura de exclusividade.
Os preços nos cardápios continuam altos não apenas porque os revendedores ainda lucram bem, mas porque — como em todo artigo de luxo — o preço é parte da experiência, diz David Stephen, cientista de aquicultura e consultor da indústria de caviar.
O apelo do caviar sempre foi ser um pouco extravagante. Como o bom champanhe, o custo, a história e a pura irresponsabilidade financeira sempre foram um subtexto sexy por trás de seu apelo culinário
É o motivo pelo qual o escolhemos quando a ocasião parece especial. Mas agora que o caviar deixou de ser tão raro, os chefs estão brincando com ele, tratando-o como apenas mais um ingrediente, embora com baixo custo de preparo (basta abrir a lata).
E, em caso de desaceleração econômica, eles precisam de pratos que atraiam clientes e estimulem o consumo com preços que não sejam totalmente inacessíveis.