Diante da quantidade numerosa de desastres ambientais e tragédias humanitárias das últimas décadas, qual a importância de sonhar coletivamente com o futuro da vida? Esse é um dos pontos que a peça “Sonho elétrico” convida o público a refletir a partir deste sábado (28), quando estreia no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. O espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro tem Marcio Abreu como responsável pela direção e pelo texto, inspirado por sua vez na obra “Sonho manifesto”, do neurocientista Sidarta Ribeiro. A peça ainda marca o contente retorno do ator Jesuíta Barbosa aos palcos, depois de seis anos longe.

— Tenho aprendido muito aqui. Sinto que voltei (ao teatro) no melhor lugar em que eu poderia estar. Todo dia celebro essa minha nova fase de vida, estar no teatro de novo e o trabalho consistente que estamos fazendo juntos — diz Jesuíta, que emenda sua primeira atuação com a companhia ao recente sucesso nos cinemas e na Netflix da cinebiografia de Ney Matogrosso, “Homem com H”.

Na peça, Jesuíta interpreta um artista, integrante de uma banda, que é atingido por um raio. Enquanto está em coma, sua consciência passeia entre memórias e sonhos, confrontando o limiar entre a vida e a morte. O protagonista, então, mergulha em sua história para vislumbrar a possibilidade de despertar novamente e construir um novo futuro.

De modo onírico, onde lembranças e sonhos se misturam, a narrativa de “Sonho elétrico” é construída em torno da mente do artista para metaforizar a iminência do fim e refletir sobre as oportunidades de transformação (individuais e coletivas).

— Talvez a gente tenha uma necessidade de construir um futuro em conjunto e vejo que um primeiro propósito da peça seja esse, de conseguirmos pensar juntos em alguma coisa. O futuro é constante, não acredito que seja um projeto. A gente precisa pensar lá na frente, mas o futuro também é o hoje, é o que acontece agora a partir dos nossos encontros e das nossas relações. O teatro proporciona esses encontros, essa relação pessoal viva de olho no olho, potência e latência do corpo. O futuro é o teatro — completou Jesuíta.

Para criar o enredo, Jesuíta divide o palco com os atores Jessyca Meyreles, Idylla Silmarovi e Cleomácio Inácio. Juntos, os quatro atores sonham durante a peça com uma maneira de resistir aos excessivos problemas contemporâneos. Afinal, não seria possível pensar na construção de um novo futuro sem que esse trabalho fosse feito em conjunto.

Elenco divide a dramaturgia de “Sonho elétrico” para refletir sobre os futuros possíveis diante de urgências atuais — Foto: Divulgação/Ethel Braga

— O sonho só existe a partir do momento em que ele é compartilhado. Isso é bem próximo à ideia de fazer teatro, que é chegar e compartilhar uma presença e um imaginário coletivos. Diante da morte, a gente quer compartilhar outra possibilidade e não o fim por si só — diz Idylla.

“Sonho elétrico” ainda aproveita outras linguagens além da interpretação dos quatro atores, como a música, a dança e recursos sonoros e visuais.

— A canção é urgente porque é uma espécie de proteção da sensibilidade e da memória. Eles (atores) cantam, dançam e fazem misérias — brinca Marcio Abreu, diretor e roteirista da trama.

O diretor explica que a dramaturgia de “Sonho elétrico” não é uma adaptação literal do livro de Sidarta Ribeiro para os palcos. Na prática, a dramaturgia interpreta e dialoga com o que é proposto em “Sonho manifesto: dez exercícios urgentes de otimismo apocalíptico”, onde o autor compartilha conhecimentos ancestrais, artísticos e científicos, e cria um alerta para os riscos do colapso ambiental e social caso a humanidade siga desconectada da natureza e de suas próprias raízes.

— Estava muito movido pelo que o Sidarta conseguiu elaborar e imaginava que a peça poderia dialogar com a estrutura do livro, mas os processos artísticos são sempre improváveis. Mais do que adaptar os conteúdos do livro para o teatro, o que me interessou foi o pensamento e a linguagem que usou. Era algo que me provocava — diz Marcio.

Deste modo, na dramaturgia, assim como no livro do neurocientista e capoeirista, a poética do sonho entra como contraponto a elementos urgentes atuais, como crises ambientais, sociais e políticas.

— É um enfrentamento para a pulsão de morte que está rolando no planeta. Então, (a peça) é uma pulsão de vida falando que a gente quer festejar, se encontrar e viver — complementa Sidarta.

“Sonho elétrico” também dá continuidade ao processo de pesquisa da Companhia Brasileira de Teatro — que neste ano completa 25 anos — sobre memória, sonho e histórias. A relação do tradicional grupo com Sidarta Ribeiro e com temas de suas obras também data de alguns anos atrás, quando o neurocientista trabalhou nas pesquisas para a criação da peça “Sem palavras” (2021) e quando participou, inclusive nos palcos, da plataforma “Voo livre” (2023).

Onde: Teatro Antunes Filho (Sesc Vila Mariana). Quando: quintas, sextas e sábados, às 20h; domingos, às 18h. Ingressos entre R$ 21 (credencial plena) e R$ 70 (inteira). Até 3 de agosto.

‘voltei no melhor lugar em que poderia estar’