O Congresso argentino deu luz verde nessa quarta-feira (19) ao presidente Javier Milei para negociar um novo empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No mesmo dia, milhares de pessoas foram às ruas, em Buenos Aires, para apoiar os aposentados afetados pelo ajuste e repudiar um acordo com a organização internacional.
Convocados por sindicatos, organizações sociais e torcidas de futebol, os manifestantes se reuniram nos arredores do Congresso, que estava cercado por grades metálicas, dezenas de viaturas e caminhões ao longo dos quarteirões vizinhos. A operação policial mobilizou mais de dois mil agentes.
- Repressão a marcha de aposentados na Argentina: Entenda a origem do protesto que deixou 45 feridos e mais de 100 detidos
- Janaína Figueiredo: A crise entre Milei e os aposentados
Dentro do plenário, os deputados aprovaram, por 129 votos a favor, 108 contra e seis abstenções, um projeto que autoriza Milei a negociar um empréstimo com o FMI, sem valor definido, a ser quitado em dez anos. Viva a liberdade, porra!”, comemorou o presidente na rede social X.
Os recursos obtidos serão somados aos US$ 44 bilhões (R$ 249 bilhões, em valores atuais) que a Argentina já deve ao FMI desde 2018 e serão utilizados para quitar dívidas com o Banco Central (BCRA) e obrigações com o próprio Fundo.
O país precisa desse novo empréstimo para fortalecer suas reservas, em um cenário de nervosismo no mercado e crescente intervenção do Banco Central para sustentar a moeda local.
“Os argentinos fizeram um esforço enorme para alcançar a estabilidade monetária, financeira e macroeconômica, e o saneamento do Banco Central é mais um passo para consolidar esse processo”, afirmou a Presidência argentina, em comunicado.
Com o objetivo declarado de combater a inflação e equilibrar as contas públicas, Milei tem adotado um ajuste draconiano desde que assumiu o poder, em dezembro de 2023.
– Cada vez que aprovam algo com o FMI, as coisas pioram para nós – lamentou Rodolfo Celayeta, aposentado de 73 anos, na marcha que seguiu pacífica até o fim da tarde, quando a maioria dos manifestantes começou a se dispersar.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/4/X/0bMS4DSdSC3MnNDjVJPw/110411331-a-demonstrator-holds-a-sign-that-reads-trees-die-standing-upright-thats-how-we-pensioners.jpg)
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/r/M/6wmPMhRCiL8cShktp14g/110411305-demonstrators-try-to-tear-down-a-fence-during-a-protest-of-pensioners-against-the-governme.jpg)
Ao anoitecer, houve alguns incidentes isolados, quando um grupo de manifestantes derrubou grades e lançou pedras contra a polícia em frente ao Parlamento.
- Governo Milei ordena prisão de 29 membros de torcidas organizadas envolvidos em protestos na Argentina
A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, classificou a operação policial como “bem-sucedida”. Dois agentes precisaram ser socorridos por ambulâncias — um atingido por fogos de artifício e outro que desmaiou.
O protesto foi convocado em defesa dos aposentados, o grupo mais afetado pelos cortes de Milei, cujas manifestações semanais em frente ao Congresso costumam ser reprimidas com gás lacrimogêneo pela polícia.
Desta vez, os manifestantes entoavam: “Que feio deve ser bater em um aposentado para poder comer”, e alguns usavam camisetas com a imagem de Diego Maradona e sua famosa frase: “É preciso ser muito cagão para não defender os aposentados.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/W/e/5VU3ttRC63adfmZ6PyMg/110410801-buenos-aires-19-03-2025-protestos-torcidas-organizadas-material-vendido-nos-protesto.jpg)
Na semana passada, o protesto teve apoio inédito de torcidas de futebol e terminou em um dos episódios mais violentos desde a posse de Milei. Confrontos entre manifestantes e policiais deixaram 45 feridos, incluindo um fotojornalista em estado grave.
- Governo Milei envia ao Congresso projeto de lei que considera torcidas violentas como ‘organizações criminosas’
- Após protestos nas ruas, governo Milei abre nova frente de atrito com Judiciário e endurece discurso
Cerca de 114 manifestantes foram detidos nesse protesto e posteriormente liberados por falta de provas, segundo decisão judicial. A juíza responsável foi acusada pelo governo de “prevaricação” e “acobertamento”. Outros 26 manifestantes seguem presos.
“Vim para defender os aposentados”, disse Paola Pastorino, funcionária pública de 36 anos, à AFP. “[Na semana passada] eu estava lá, tudo saiu do controle e fui embora. É inevitável sentir medo, e dá raiva pensar: ‘caramba, eu não posso me manifestar’.”
Bullrich classificou o protesto da semana passada como uma tentativa de “desestabilização”. Nesta quarta-feira, telas nas estações de trem exibiam advertências das autoridades: “A polícia vai reprimir qualquer atentado contra a República.”
Muitos cartazes pediam justiça pelo fotógrafo ferido, Pablo Grillo, e a renúncia da ministra, que se recusou a abrir uma investigação sobre o ocorrido.
Quase 60% dos aposentados argentinos recebem o salário mínimo, equivalente a 265 dólares (R$ 1.500). No ano passado, o governo congelou um bônus de 70 dólares (R$ 400) a que eles tinham direito e reduziu a entrega gratuita de remédios, cujos preços dobraram em um ano.
- Economia argentina encolheu 1,7% em 2024, apesar de crescimento no fim do ano
- Em 2023, a previsão sobre a tesoura de Milei: cortes na Argentina atingirão de aposentados à classe média
Embora Milei tenha conseguido reduzir a inflação de 211% em 2023 para 118% em 2024 e equilibrar as contas públicas, a economia encolheu 1,8% este ano, e o consumo já acumula 14 meses de queda.
Guillermo Benítez, pintor aposentado de 75 anos, classificou o governo Milei como “uma máfia”. “Eles estão reduzindo nossos salários, tiraram nossos remédios, tiraram tudo”, disse à AFP.
O envolvimento das torcidas organizadas nos protestos começou há algumas semanas, depois que um aposentado vestindo a camisa do clube Chacarita foi atingido por gás lacrimogêneo em uma das manifestações em frente ao Congresso.