Dentro da maior floresta tropical úmida do mundo, cidades da Amazônia têm algumas das piores taxas de arborização do Brasil, segundo o Censo 2022 do IBGE. O paradoxo fica maior com a constatação de que regiões do agronegócio, como o interior de São Paulo e o Centro-Oeste, têm algumas das cidades com mais verde em suas ruas. Para especialistas, o planejamento, aspectos culturais e poder de investimento das prefeituras são mais relevantes que a localização geográfica na inclusão do verde na paisagem urbana brasileira.
A pesquisa “Características urbanísticas do entorno dos domicílios”, divulgada ontem, reuniu estatísticas sobre pavimentação de vias, iluminação pública, presença de rampas de cadeirantes, ciclovias e arborização urbana, entre outros dados. O levantamento considerou as residências de 174,1 milhões de brasileiros (85% da população total) nas áreas urbanas de 5.698 municípios.
Segundo o Censo, 114,9 milhões de brasileiros (66% da amostra) vivem em ruas arborizadas, se forem consideradas as que têm ao menos uma árvore de no mínimo 1,70m. Mas se forem levadas em conta as vias com ao menos cinco árvores, o resultado fica em apenas 32%. As piores taxas foram no Acre e Amazonas, onde 10,7% e 13,7% dos moradores das áreas urbanas estão em ruas com esse nível de arborização. Dos dez piores resultados nesse critério, cinco são estados da Amazônia Legal.
Na outra ponta do ranking, o Mato Grosso do Sul, cuja economia é liderada pelo agronegócio, tem o melhor resultado: 58,9% dos seus moradores de áreas urbanas residem em vias com mais de cinco árvores. Outros estados com boas taxas são Paraná (49%), Mato Grosso (40,3%) e Goiás (40,2%). Somente Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal (56,44%) superam os 50% nesse critério.
Na classificação pelos municípios, o que tem mais verde nas ruas é São Pedro das Missões (RS), com 99,64% de seus moradores residindo em vias com mais de cinco árvores. Nas cidades com pelo menos 100 mil habitantes, a que está em melhor situação é Maringá (PR), com 98,6%.
Municípios do Centro-Oeste, do interior de São Paulo e do Paraná e do Sul de Minas também mostraram altas taxas de arborização, especialmente em Campo Grande (91,4%), Goiânia (89,6%), Campinas (84,5%), Londrina (97,1%) e Uberlândia (91,6%), além do Distrito Federal (84,2%). Até cidades conhecidas como “capitais do agronegócio”, por sua produção de soja, milho e cana, têm ruas com muito verde, como Lucas do Rio Verde (94,48%), Sinop (94%) e Rondonópolis (93,8%), todas no Mato Grosso.
Em Belém, que sediará a COP30 em novembro, 59% da população mora em vias sem uma árvore. Estudante da Universidade Federal do Pará, João Pedro Galvão, de 29 anos, diz que essa carência afeta o conforto térmico, a mobilidade e contribui para os alagamentos.
— Belém é uma cidade relativamente pequena. Mas caminhar na rua é insalubre. É muito úmida, não tem cobertura vegetal, o sol te maltrata e você chega suado aos lugares — conta Galvão. — Além disso, chove muito mas o solo é impermeável. Alaga sempre, o que contribui para a proliferação de mais doenças.
Coordenadora da equipe Urbano do Mapbiomas, projeto que acompanha a ocupação do solo no Brasil, Mayumi Hirye considera que os problemas do modelo de ocupação urbana afetaram quase todo o Brasil
— Nosso modelo de ocupação das cidades é de terra arrasada, inclusive na Amazônia. Derrubam a floresta, abrem pasto e no entorno criam a cidade. Estar num ambiente florestal não quer dizer que as árvores vão se manter quando vem a urbanização — explica Hirye.
O poderio financeiro também explica as variações regionais, na opinião da especialista. A pesquisadora lembra que enquanto as ricas Sinop e Lucas do Rio Verde têm altas taxas de arborização urbana, Colniza, no mesmo Mato Grosso, possui menos cobertura vegetal: 59,35% dos seus moradores viviam em ruas arborizadas.
— Colniza é uma cidade que tem muito desmatamento, mas não é rica — diferencia Hirye.
Além do investimento público, Mayumi também cita outros fatores que explicam as diferenças apontadas pelo IBGE, como a idade da cidade (algumas mais antigas, como Londrina e Maringá têm arborização consolidada) e a quantidade de áreas sem regularização.
— Em cidades com muitas áreas informais, como Manaus e Belém, a arborização na rua é mais precária. Arborização viária tem muito a ver com se ter espaço na calçada para o plantio. Há uma relação entre formalidade, grau de planejamento e organização da cidade, e a arborização.
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O engenheiro florestal carioca Salvador Sá, no entanto, minimiza o peso dos recursos das prefeituras. Sá explica que projetos de arborização não são caros e mesmo as cidades mais ricas do país, Rio e São Paulo, não têm resultados satisfatórios. Especialista em recuperação ambiental e paisagismo ecológico, Sá ressalta a importância da vontade e do planejamento político e o papel das heranças heranças culturais na ocupação da Amazônia e do Centro-Oeste.
— As cidades da Amazônia foram povoadas, na década de 1970, por pessoas que vieram de regiões com menos arborização urbana, como no Nordeste. E para se firmarem dentro da floresta, abriram buracos no meio da Amazônia. Não é o caso do Cerrado, que tem vegetação diferente, e foi ocupado por pessoas mais do Sul, que viviam em um clima mais frio. Aí chegaram em um local mais quente, e isso pode ter motivado a investirem mais na arborização.