A pressão contra o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, se intensificou. Um dia depois de o presidente Donald Trump atacar Powell, ontem o diretor do Conselho Econômico Nacional, Kevin Hassett, afirmou que a Casa Branca estuda a possibilidade de demitir o presidente do Fed. Essa medida, porém, poderia acabar na Suprema Corte dos Estados Unidos. As críticas de Trump a Powell são mais uma faceta de sua cruzada contra a independência de órgãos federais, que inclui demissões e a submissão de novas regulamentações financeiras à Casa Branca.
— O presidente e sua equipe continuarão analisando o assunto — disse Hassett a repórteres, ao ser perguntado sobre a hipótese de demitir Powell.
Na quinta-feira, Trump fez duras críticas a Powell, afirmando que o presidente do Fed estava sempre “atrasado e errado”— e sugeriu ter poder para demiti-lo. Mas não respondeu diretamente se pretendia remover Powell antes do fim do mandato do presidente do Fed, em 2026.
Em dezembro, antes de assumir o cargo, Trump havia afirmado à NBC News que não pretendia destituir Powell antes do prazo previsto.
E, nos Estados Unidos, demitir o presidente do Fed não é uma tarefa fácil. A independência do BC americano é garantida por lei, e seus mandatos não coincidem com os dos presidentes — o que também foi instituído no Brasil, com a regra da autonomia do Banco Central, em 2021.
A principal queixa do presidente americano contra Powell diz respeito aos juros, desde dezembro no intervalo entre 4,25% e 4,5%, depois de três cortes no ano passado. Trump afirmou que o Fed deveria reduzir a taxa de juros porque os “EUA estão enriquecendo com as tarifas” impostas em seu governo.
— Não estou satisfeito com ele. Deixei isso claro. E, oh, se eu quiser tirá-lo, ele sai rapidinho, acredite — afirmou o presidente a jornalistas, quando recebeu a premier italiana, Giorgia Meloni, na quinta-feira.
O Fed tem mantido as taxas em um patamar considerado elevado para o país porque busca trazer a inflação de volta à meta, de 2% ao ano. Mas Powell reiterou, na quarta-feira, que as tarifas de Trump devem pressionar os preços para o consumidor americano, por isso será preciso aguardar para analisar seus efeitos na economia.
Na quarta-feira, Powell havia feito referência a um processo que corre na Suprema Corte sobre a demissão de dirigentes dos conselhos de Relações Trabalhistas e de Proteção ao Mérito no Serviço Público. A independência das agências federais foi garantida por uma decisão dessa Corte em 1935.
— Há um caso na Suprema Corte. As pessoas provavelmente leram sobre ele — afirmou. — É um caso sobre o qual muita gente tem falado. Não acho que essa decisão vá se aplicar ao Fed, mas não sei. É uma situação que estamos monitorando com atenção.
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Powell, que já disse que não sairá antes do fim de seu mandato, reiterou que a independência do Fed “é uma questão legal” e que o estatuto do BC estabelece que “não há demissão, exceto por justa causa.”
Em março, o governo Trump demitiu dois representantes do Partido Democrata, de oposição, na Comissão Federal de Comércio (FTC, pela sigla em inglês) — o que, em tese, não poderia ocorrer. Ambos, Rebecca Kelly Slaughter e Alvaro Bedoya, entraram com processo na Justiça para serem reconduzidos a seus cargos, citando a decisão da Suprema Corte de 1935. Na ação, eles afirmam que a medida de Trump é “indefensável” sob a lei.
Se a Suprema Corte voltar atrás no precedente de 1935, isso fará com que a nota do Fed em um índice da Bloomberg que mede a independência dos BCs caia, afirmou David Wilcox, diretor de pesquisa econômica dos EUA da Bloomberg Economics:
— Se isso acontecer, o Federal Reserve terá a duvidosa distinção de ser o único banco central do G7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo) a ter sua independência legal rebaixada por um motivo não relacionado à supervisão bancária.
Nathan Sheets, economista-chefe global do Citigroup, alertou em entrevista à TV Bloomberg sobre o que poderia acontecer “se cruzarmos o Rubicão em relação à independência do banco central.” Ele estima que haverá uma recessão mais longa, porque a demissão de Powell vai “minar de forma séria e permanente a confiança na economia e nos mercados.”
A senadora Elizabeth Warren, do Partido Democrata, afirmou que, se Trump demitir Powell, “vai provocar um colapso nos mercados”:
— Até países com ditadores tentam criar um banco central independente, para atrair capital.
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Além das ameaças a Powell e das demissões em agências regulatórias, a Casa Branca intensificou as medidas para colocar órgãos independentes — incluindo a Comissão de Valores Mobiliários, a xerife do mercado financeiro americano — sob seu controle. A partir de segunda-feira, todas as novas regulamentações terão de ser aprovadas por aliados de Trump.
A nova orientação do Escritório de Informações e Assuntos Regulatórios (Oira, na sigla em inglês), entregue às agências na quinta-feira, implementa um decreto de fevereiro que praticamente elimina a independência das entidades que regulam diversas atividades econômicas, incluindo energia, trabalho, mídia e produtos de consumo.
O decreto se aplica a pelo menos 20 conselhos, comissões e outras agências originalmente criadas pelo Congresso para serem independentes do controle presidencial direto. O decreto instrui essas agências a envolverem o gabinete de regulamentação da Casa Branca em todos os estágios da criação de normas. E elas terão de nomear um diretor de política regulatória — geralmente um indicado político — até segunda-feira.
Em entrevista à Bloomberg, Warren afirmou que o cerco de Trump aos órgãos reguladores financeiros representa o fim dos “policiais de Wall Street”.
