A Academia Brasileira de Cinema vai decidir hoje o filme que representará o Brasil na disputa do Oscar, na categoria de Melhor Filme Internacional, no ano que vem. Única produção do Rio entre os seis títulos pré-selecionados, “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal, se destaca por levar às telas um cenário pouco explorado nos trabalhos do gênero: a periferia. Também pode colocar, pela primeira vez, um diretor negro, cria da favela, na premiação que acontece em 15 de março, em Los Angeles, nos Estados Unidos.

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A trama se desenrola na Chatuba, uma comunidade de Mesquita, na Baixada Fluminense. Encabeça o elenco um quarteto protagonista formado por jovens negros selecionados em bairros periféricos e favelas do Rio. São eles: Big Jaum, nascido e criado em Guadalupe; Gi Fernandes, da Penha; Diego Francisco e Ramon Francisco, ambos crias do Vidigal, assim como o diretor do filme.

— É muito importante mostrar a favela por esse viés da juventude, porque eles pulsam talento, intelecto, beleza, diversidade e pluralidade. Isso precisa estar na tela brasileira — defende Luciano Vidigal, que optou pelas locações na Baixada Fluminense para dar relevância a uma região pouco mostrada no cinema.

O filme, inspirado em história real, busca capturar a essência da periferia tanto nas tomadas como na paleta de cores. Além de locações na Chatuba, tem ainda cenas filmadas no K11, em Nova Iguaçu, e no Vidigal.

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Cartaz do filme que disputa chance de representar Brasil no Oscar — Foto: Divulgação

A trama acompanha a trajetória de Dé (Big Jaum), jovem periférico que, após receber a notícia de que sua avó Almerinda (Teca Pereira) está em fase terminal do Alzheimer, decide aproveitar os últimos dias de vida com ela na companhia dos dois melhores amigos, Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco), além de Talita (Gi Fernandes), no papel de uma jovem mãe solo. É uma história de afeto, companheirismo e amizade.

“Kasa Branca” é a estreia de Big Jaum — que veio da comédia — no drama, além de ser seu primeiro papel como protagonista no cinema. O rapaz, que mora há três anos em Realengo e cujo nome de batismo é João Victor Baptista, se destacou primeiro na internet, onde tem 2 milhões de seguidores no TikTok e 219 mil no Instagram. Também é conhecido pelos trabalhos de stand-up. Aos 26 anos, viu um novo universo se descortinar com o filme, premiado em vários festivais.

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Big Jaum: filme abriu novo horizonte — Foto: Divulgação
Big Jaum: filme abriu novo horizonte — Foto: Divulgação

Ele conta que conheceu o diretor Luciano Vidigal, em 2022, ao participar de uma oficina de direção de audiovisual no Ponto Cine, em Guadalupe. Na época, já havia participado do filme “Barba, Cabelo e Bigode”, da Netflix. Logo em seguida veio o convite para o teste, no qual convenceu o diretor de que era o protagonista que precisava.

— Queria um menino preto e gordo e achava que seria difícil encontrar esse perfil, muito sensível para o personagem, porque o protagonista Dé tem esse drama com a avó, que a qualquer momento pode falecer. É a única pessoa da família biológica que cuidou dele. Todos falavam do Big Jaum e, quando fui dar a oficina no Ponto Cine, já estava de olho nele e o coloquei para fazer uma cena. Chamei para o teste e ele arrasou — conta o diretor Luciano Vidigal.

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Trio protagonista com a atriz Teca Pereira, que faz a Almerinda, a avó de Dé — Foto: Divulgação
Trio protagonista com a atriz Teca Pereira, que faz a Almerinda, a avó de Dé — Foto: Divulgação

Big Jaum disse que, inicialmente, tentou recusar o papel, mas hoje acha que fez a opção certa. Depois do filme surgiu um convite para trabalhar com o diretor Cacá Diegues — morto em fevereiro —, que não se concretizou. De lá para cá gravou participação na série “Volte Sempre”, do Multishow, e na novela “Dona de Mim”, da Globo.

— Estou feliz com tudo que a gente conquistou e com a mensagem que o filme passou. Fico grato de ter conquistado um espaço no mercado. Tem sido um momento especial, com uma série de projetos indo para a rua — comemora o rapaz.

Gi Fernandes, de 20 anos, a Talita do filme, é cria da Penha e começou a se interessar pela atuação aos 8 anos. Antes disso, por influência da família, fazia dança. Até começar a se destacar, fez muitos testes na televisão. A primeira oportunidade surgiu durante a pandemia, para participar de uma oficina na Globo, passaporte para entrar no elenco da série “Os Outros”, da Globoplay, onde vive a personagem Lorraine. Também se destacou como Evelyn em “Mania de Você”, da Globo. A atriz, que fez o teste para “Kasa Branca” aos 17, diz que se identifica com o que é mostrado na tela.

— Me vejo na história dessa garota e dessa família. São pessoas invisibilizadas que sobrevivem com o que têm e vão lidar com a vida, suas inseguranças e limitações. É um filme que dá voz a quem não tem — analisa.

Ramon e Diego são primos e crias do Vidigal, revelados pelo grupo “Nós do Morro”. O primeiro estreou na frente das câmeras aos quatro anos no clipe “Minha alma (a paz que eu não quero)”, do Rappa, dirigido por Katia Lund e Breno Silveira, tendo Luciano Vidigal como assistente de direção. O outro já tem no currículo o Troféu Redentor de Melhor Ator Coadjuvante pelo filme “Kasa Branca”, no Festival do Rio de 2024.

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— O corpo negro periférico favelado Brasil afora costuma ser colocado de forma pejorativa e muito estereotipado, apesar de sermos maioria no país. Então vejo como uma responsabilidade transmitir o olhar que a gente quer mostrar. O filme é um lugar de representatividade — aponta Ramon, que já atuou no filme “Vitória”, de Andrucha Waddington, baseado numa história real revelada pelo “Extra” em 2005.

Os outros filmes que estão na disputa para representar o Brasil na categoria de Melhor Filme Internacional são: “Baby”, de Marcelo Caetano; “Manas”, de Marianna Brennand; “O Agente Secreto”, de Kleber de Mendonça Filho; “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro; e “Oeste Outra Vez”, de Erico Rassi.

filme carioca disputa chance de representar o Brasil