“Vamos cumprir a nossa promessa de que não haverá um Estado palestino”, disse o premier israelense, Benjamin Netanyahu, no início do mês, quando assinou o plano de expansão de assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada. A declaração evidenciou um claro contraste com o anúncio de países como França, Reino Unido e Canadá, que planejam reconhecer a Palestina na Assembleia Geral da ONU na próxima semana. Mas se mostrou coerente com a estratégia que Israel tem assumido na região, marcada pela destruição e avanço sobre Gaza, a ocupação crescente de áreas da Cisjordânia por colonos e a relutância em negociar o fim do conflito no enclave, prestes a entrar no seu terceiro ano.
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Enquanto os mais otimistas veem o recente movimento de países ocidentais como uma tentativa de pressionar Netanyahu a retomar um processo de paz paralisado há mais de uma década, outros sustentam que o gesto será apenas simbólico — e potencialmente prejudicial. Diante da atual situação, muitos se perguntam se ainda faz sentido falar na possibilidade de um Estado palestino.
O advogado americano Robert Malley, que trabalhou com a política do Oriente Médio em todos os governos democratas desde Bill Clinton (1993-2001), acredita que a busca pela solução de dois Estados está fadada ao fracasso. Ele sustenta que, ao agir como se um Estado palestino estivesse no horizonte, líderes mundiais ajudam a manter a ilusão de que a ocupação israelense é apenas temporária.
“Falar em dois Estados ajuda países europeus — e o Partido Democrata — a justificarem o apoio a Israel, mesmo enquanto condenam a fome em Gaza”, resumiu a jornalista Michelle Goldberg em recente coluna no New York Times, acrescentando: “Se esse futuro nunca chegar, então falar em dois Estados é um álibi, não uma aspiração.”
À exceção do governo Trump e de alguns outros aliados de Netanyahu, porém, a comunidade internacional tem declarado que a criação de um Estado palestino é a única forma de garantir segurança e paz duradouras para israelenses e palestinos. Ao mesmo tempo, muitos em Israel — e seus apoiadores ao redor do mundo — agora se opõem firmemente à ideia, alegando temer que a região se torne uma base para ações de facções armadas.
Outros vão além e se opõem ao Estado palestino por enxergarem a Faixa de Gaza e Cisjordânia como partes integrantes do Israel bíblico. Do outro lado, a solução também se mostra complexa: segundo levantamento feito em maio pelo Centro Palestino de Pesquisa de Políticas e Opinião Pública, 47% dos palestinos entrevistados disseram desejar um Estado da Palestina nas fronteiras existentes antes de 1967, quando Israel conquistou os territórios palestinos na Guerra dos Seis Dias.
— O fato de países ocidentais proeminentes estarem prestes a reconhecer o Estado da Palestina demonstra que Israel e os EUA estão mais isolados nessa questão — disse ao GLOBO Daniel Forti, analista de defesa de causas e pesquisa na ONU do International Crisis Group. — No entanto, o reconhecimento diplomático [da Palestina] terá pouco efeito para impedir Israel de alterar a trajetória de seus esforços de guerra, que agora parecem destinados a apagar a vida palestina em Gaza e, talvez, até na Cisjordânia. Apenas mudanças materiais nas políticas das grandes potências em relação a Israel têm chance de trazer o país de volta à mesa de negociações.
Segundo Forti, não faltam alternativas econômicas, jurídicas ou políticas que os países poderiam adotar contra Israel caso desejem respaldar suas palavras com ações. Ele cita o parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça (CIJ) de julho de 2024, que descreve uma série de medidas que não exigem ação vinculante do Conselho de Segurança — onde Israel ainda conta com o poder de veto dos EUA — desde a suspensão de tratados ou acordos comerciais até a retenção de assistência militar ou a imposição de sanções a líderes israelenses.
Até agora, no entanto, a tentativa mais visível de trazer o futuro da Palestina de volta à imaginação política dos líderes mundiais, disse, será a próxima conferência sobre a solução de dois Estados, marcada para amanhã em Nova York.
— Mas mesmo que a conferência ganhe destaque nos noticiários globais, discussões sérias de paz entre israelenses e palestinos parecem ser uma perspectiva distante.
A visão é compartilhada pela especialista em direito internacional Priscila Caneparo. Ao GLOBO, ela afirmou que o reconhecimento do Estado palestino é hoje um gesto simbólico importante, mas reforçou que ele precisa vir acompanhado de incentivos reais para avanços concretos nesse caminho. Segundo ela, reconhecer a Palestina no atual contexto também pode ajudar a isolar políticas de anexação defendidas por Israel — o que abriria espaço, inclusive, para a aplicação de sanções. Outra possível consequência é a padronização da linguagem adotada nos foros multilaterais. Ao calibrar esses mecanismos, disse, é possível impor custos reais a quem ameaça a viabilidade de um Estado palestino.
— Para viabilizar o Estado da Palestina, seria preciso reverter os assentamentos israelenses com a expansão independente da ajuda humanitária, além de reformar e unificar a governança palestina, sem deixar a cargo do Hamas ou da Autoridade Nacional Palestina, que também já tem problemas endêmicos de corrupção. Talvez [seja preciso] fazer um governo interino com o apoio de países árabes. É necessário também garantir a segurança das fronteiras, o que não deveria ser feito pela própria Palestina, mas por atores externos, seja pela ONU ou por uma coalizão de Estados árabes.
Desde a independência de Israel, em 1948, a história da região tem sido um sem cessar de guerras entre o recém-criado Estado judeu e seus vizinhos árabes, que rejeitaram a partição proposta pela ONU. Nas décadas subsequentes, Israel conquistou os territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia, além de Jerusalém Oriental e das Colinas do Golã, na Guerra dos Seis dias, em 1967. Com isso, milhões de palestinos ficaram sob seu controle — os que permaneceram dentro das fronteiras de Israel receberam cidadania israelense, mas os dos territórios, a maioria, vivem sob ocupação.
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Tentativas de chegar a um acordo de paz final foram feitas, todas fracassadas, e o processo foi enterrado de vez com a chegada de Netanyahu ao poder. Premier pela terceira vez agora, ele tem governado Israel em 18 dos últimos 29 anos — desde 2022 com apoio de uma extrema direita que não esconde seus objetivos expansionistas.
É por isso que hoje, enquanto potências mundiais falam em reconhecer o Estado palestino, críticos afirmam que o gesto não deverá ir além do simbolismo: esforços para alcançar esta solução falharam sob circunstâncias muito mais promissoras no passado.
“É muito mais fácil defender a solução de dois Estados do que enfrentar a realidade da dominação israelense de um Estado de fato único”, escreveram os estudiosos do Oriente Médio Marc Lynch e Shibley Telhami na revista Foreign Affairs. “É mais fácil afirmar a existência de um Estado palestino do que fazer as coisas extraordinariamente difíceis que seriam necessárias para realmente criar um.”
*Reportagem realizada durante a Dag Hammarskjöld Fellowship