Só no ano passado, foram comercializados 134 bilhões de litros de combustíveis no Brasil, incluindo gasolina, etanol e diesel, que injetaram pouco mais de R$ 205 bilhões em impostos nos cofres públicos.
Mas o mercado informal, em que não se paga tributo e a adulteração dos combustíveis é uma prática recorrente, tira mais de R$ 30 bilhões da economia, diz estudo do do Instituto Combustível Legal (ICL) com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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O universo dos combustíveis ilegais tem características que atraem grupos criminosos como o Primeiro Comando da Capital (PCC), mostram investigações recentes. Uma das práticas para aumentar a lucratividade e lavar dinheiro é a adulteração de combustíveis.
As “operações piratas”, como contrabando de combustível, adulteração de quantidade e qualidade, furto e roubo de cargas e dutos, movimentam cerca de R$ 17 bilhões no país.
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A recente Operação Carbono Oculto, realizada em agosto por Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público, fez uma radiografia de como esse uso se sofisticou nas mãos das quadrilhas, chegando à produção e distribuição de etanol numa ponta e a meios de pagamentos na outra.
A operação identificou a importação em grande quantidade de metanol pelo porto de Paranaguá, no Paraná, para adulterar gasolina. O esquema criminoso movimentou mais de 10 milhões de litros do solvente, comprados no exterior de forma regular, mas desviados antes de chegarem ao destino.
Professor do curso de Engenharia Química da Universidade Mackenzie, Rogério Machado explica que a gasolina é adulterada com adição de etanol ou solventes, entre eles o metanol. Essa mistura modifica completamente o funcionamento de um motor flex, desenvolvido para receber uma mistura de gasolina e etanol (num percentual de até 30%), influenciando diretamente no consumo e corrosão interna das peças de um carro, como o motor, diz o especialista.
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As investigações da Carbono Oculto detectaram que o metanol chegava a compor até 50% da gasolina vendida nos postos que estavam no esquema, superando em muito o limite de 0,5% permitido pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e alcançando patamares inéditos de adulteração.
No caso do etanol, também tem sido adicionado metanol, que queima mais rápido, gerando consumo maior, além de provocar poluição, explica Machado. No do diesel, o produto comercializado no país deve conter 14% de biodiesel, menos poluente. No entanto, no diesel adulterado há a diminuição dessa proporção, já que o biocombustível é mais caro, aumentando o ganho financeiro dos fraudadores.
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Somente em 2023, foram encontrados cerca de 170 milhões de litros de diesel com biodiesel fora do padrão, gerando impacto negativo para cerca de 850 mil veículos leves e pesados no país, segundo o ICL.
Até mesmo lubrificantes vendidos no Brasil estão sendo adulterados com adição de componentes proibidos, que podem causar sérios danos ao motor dos carros. Sem falar de outros tipos de fraude, como bombas de gasolina alteradas com chips, que geram uma medição irreal e lesam o consumidor.
O ICL tem iniciativas de combate à adulteração como o programa “Cliente Misterioso”, em que carros do instituto, não identificados, coletam amostras de combustível em postos para análise.
Só neste ano, foram 2,2 mil amostras testadas em dez estados, incluindo Rio e São Paulo, e em 549 havia inconformidades, o que equivale a 25% do total. Bombas de combustível antifraude (que não funcionam se violadas) também têm sido instaladas nas principais capitais do país.
O consumidor também pode ajudar no combate às fraudes redobrando os cuidados na hora de abastecer o automóvel, segundo o Procon/SP.
O órgão de defesa do consumidor também realiza fiscalizações em postos de São Paulo e tem poder para interditar estabelecimentos que pratiquem fraudes. Os agentes contabilizam, neste ano, uma alta de 30% nas constatações de combustível adulterado em São Paulo.
O Procon/SP recomenda ao consumidor:
- Desconfiar se o preço do combustível está muito abaixo da média, já que os postos não trabalham com margem alta de lucro. Preços muito baixos podem indicar alguma irregularidade.
- Sempre pedir nota fiscal.
- Se possível, o motorista não deve variar os postos em que abastece, assim fica mais fácil identificar o estabelecimento caso haja problemas.
- Caso veja sinal de irregularidade em um posto, o consumidor deve denunciar ao Procon, à ANP ou à polícia.
ANP: não há aumento de adulteração
A ANP informa que os dados colhidos pela agência não demonstram aumento de combustíveis adulterados. O Programa de Monitoramento do Mercado de Combustíveis (PMQC) da agência estima que a média de conformidade dos combustíveis no país, em 2025, até agosto, foi de 96,8%. As ações de fiscalização são focadas nas regiões e postos onde estão os pouco mais de 3% de irregularidades.
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Em 2025, até agosto, foram realizadas cerca de 6.300 ações de fiscalização da ANP. Foram aplicados cerca de 2.400 autos de infração no mesmo período, sendo 654 por problemas na qualidade dos combustíveis. Também está na mira da agência o comércio irregular de lubrificantes, tanto em instalações de produção como nos pontos de venda do produto.
A ANP quer busca uma recomposição orçamentária para ampliar sua atuação em 2026. Foi pedida uma dotação de R$ 240,6 milhões, mas o Projeto de Lei Orçamentária Anual prevê R$ 132,6 milhões, 45% menos. Trata-se do menor orçamento da história da ANP, feita a correção pela inflação de dotações anteriores. A recomposição do orçamento é essencial para a continuidade das ações de fiscalização, diz a ANP.