Numa edição de Bola de Ouro que marca o quarto do século, um dos principais postulantes ao prêmio individual de melhor jogador do mundo é um símbolo da transformação do consumo e da idolatria no futebol. Para além da temporada de incríveis 44 participações em gols (21 tentos e 22 assistências) em 62 jogos por Barcelona e seleção da Espanha, o atacante Lamine Yamal carrega para a disputa o “hype” (interesse público) de um fenômeno jovem e digital.
Nascido em julho de 2007, poucos meses depois de Steve Jobs apresentar o primeiro modelo de celular da Apple que chamaria de iPhone, Yamal é o principal nome de uma geração de jogadores que cresceu e engrenou carreiras documentadas pela explosão dos smartphones, das redes sociais, do conteúdo multimídia e da globalização digital. Nesta segunda-feira, chega ao Théâtre du Châtelet, em Paris, como um dos jogadores de maior mobilização na internet no mundo.
Um levantamento da consultoria Bites, a pedido do GLOBO, mostra um pouco do impacto do atacante do campo às redes, principalmente quando comparado a seus dois principais concorrentes, Ousmane Dembelé (PSG) e Raphinha (Barcelona). Lamine lidera em menções, pesquisas e citações.
Na primeira métrica, de menções no Google (documentos, imagens, áudios e vídeos), Yamal está mais perto dos impactos de Lionel Messi (que chega a superar) e Cristiano Ronaldo, maiores vencedores da Bola de Ouro, que de seus rivais pelo prêmio, quando pesquisados os nomes completos.
Menções no Google
Documentos, imagens, áudios e vídeos
Fonte: Consultoria Bites
— Ele tem uma dimensão digital que só podemos comparar a Cristiano Ronaldo e Messi, mas com a vantagem de ter apenas 18 anos e ser um nativo digital — analisa Manoel Fernandes, diretor da Bites.
O atacante também aparece à frente em pesquisas no Google e citações em redes sociais e sites de notícias.
Consultas mensais no Google
Média dos últimos 12 meses
Fonte: Consultoria Bites
Citações em redes sociais e sites de notícias
Em 2025
Fonte: Consultoria Bites
Além das buscas, o jogador também é um fenômeno das redes sociais. Ainda em levantamento da Bites, Yamal é o 229º perfil mais seguido do mundo no Instagram (38,6 milhões), à frente, por exemplo, do ex-presidente americano Barack Obama. Na mesma rede, tem o dobro de visualizações médias em seus conteúdos que um de seus ídolos: Neymar (22,3 milhões contra 11 milhões).
A força digital do agora camisa 10 do Barcelona é pujante no Tiktok. Na rede de vídeos curtos, cuja base de usuários abaixo de 24 anos é dominante, ele é o jogador de futebol mais seguido do mundo. Com conteúdo que mistura dancinhas, bastidores, dia a dia e parcerias com rappers e influenciadores, o jogador soma 37 milhões de seguidores, o 77º maior perfil do mundo, com média de 53,6 milhões de visualizações por vídeo. No universo do futebol, está atrás apenas de clubes, como o Real Madrid, seu Barcelona e o PSG.
A potência não vem só dos conteúdos do próprio jogador. O estilo de jogo de dribles, passes e finalizações precisos faz com que Yamal seja um dos principais jogadores retratados em “edits”, cultura das redes de montagens em vídeo que misturam lances de jogo, música e efeitos em profusão. Além disso, uma rara e inusitada foto em que Messi aparece com Yamal ainda bebê, numa das histórias e coincidências mágicas do futebol, é outro produto das redes que adiciona ao sucesso do atacante.
No Brasil, a conexão também é intensa. Yamal veio ao país nas férias, quando se encontrou com Neymar. Antes, já tinha aparecido usando a camisa do Santos no Tiktok.
Para Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, agência que gere as carreiras de centenas de atletas, Yamal é um símbolo de uma transformação em andamento.
— A massificação do uso das redes sociais e a evolução da forma como interagimos nelas, hoje, principalmente através de videos curtos, fez com que atletas deixassem de ser consumidos apenas nos locais em que competem. Despertam interesse de bilhões pelos seus interesses pessoais, pelos que estão a sua volta, pelo que gostam de ouvir, ver e fazer. Pelas pessoas que são. A construção do ídolo, mas principalmente do ícone, já não se restringe aos resultados esportivos, mas ao que os atletas podem ser a qualquer hora do dia, em qualquer lugar do mundo, nas telas de bilhões de pessoas.
Freitas aposta que os clubes que obtiverem sucesso no futuro serão aqueles que reunirem personagens que atraiam a atenção contínua. E que os resultados seguem importantes, “mas não mais do que a forma como se chega a eles”.
— Yamal pode vencer no campo o que os maiores nomes da história venceram, mas sendo e se mostrando fora de campo como só aqueles que nasceram neste século são. Para muitos, é inconsequente, demasiado informal, debochado, mas por sua vez, e justamente por isso, ele é disruptivo.
A audiência e interesse pelo jogador não ficam restritos aos conteúdos. Em dados do aplicativo Flashscore, de acompanhamento de resultados e estatísticas, o camisa 10 do Barcelona é o terceiro mais seguido do mundo na ferramenta “Follow the player”, que permite que o torcedor acompanhe partidas e desempenho dos seus atletas favoritos. O espanhol só não é mais seguido que Cristiano Ronaldo e Messi, hoje em campeonatos menos midiáticos.
— Yamal é o melhor encaixe entre talento, personalidade e compreensão do seu tempo desde Neymar. Jovem, leve, bom produtor de conteúdo, talento geracional e uma imagem que equilibra saber viver com compromisso profissional. Caminha para ser um dos grandes em tudo, no campo e fora dele, se mantiver o foco, a consistência e, sobretudo, a leveza — analisa Alexandre Vasconcellos, gerente regional da Flashscore no Brasil.
Com apenas 18 anos, o jogador já viveu o que muitos de seus colegas levam a carreira para conseguir: além de herdar a camisa 10 de Messi, foi campeão da Eurocopa no ano passado, sendo o mais novo a disputar uma final da competição e eleito o melhor jovem jogador da edição. Já venceu, também, os prestigiados prêmios Kopa e Golden Boy, de melhor jovem do mundo. Agora, é postulante a melhor do mundo e tem sua primeira Copa do Mundo, no ano que vem, pela frente.
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Com tudo isso, surgem também os efeitos colaterais: a alta exposição de seu estilo de vida e da vida pessoal em geral. Os relacionamentos do jogador costumam ser tema dos noticiários e das redes. No seu aniversário de 18 anos, se envolveu em episódio polêmico após a contratação de pessoas com nanismo para fins de entretenimento, algo proibido na Espanha. Técnico do Barcelona, Hansi Flick deu um recado a seu jovem jogador assim que ele assinou a renovação até 2031 com o Barça, em maio.
— Ele é um gênio. Tem apenas 17 anos (agora, 18) e temos que ajudá-lo. Espero que ele também queira, que possamos cuidar dele porque ele é muito novo e agora parece que tudo é fácil, mas não é. Se você quer jogar no mais alto nível pelos próximos 15 anos, você tem que treinar muito bem e também estar no auge da sua capacidade mental. Isto é o mais importante. Ele é esperto, inteligente. Mas não se trata apenas de aproveitar, é preciso trabalhar e trabalhar. E jogadores com esse talento também precisam fazer isso.