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Livro póstumo de Joan Didion traz reflexões sobre questões íntimas da filha adotiva

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outubro 4, 2025
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Capa do livro 'Para John' — Foto: Divulgação

O dilema divide opiniões como um Fla-Flu: após a morte de um escritor, é justo publicar manuscritos inéditos guardados em uma gaveta? Apoiadores se valem do exemplo do editor Max Brod, que ignorou o pedido do amigo Franz Kafka para queimar seus originais e publicou-os após sua morte, permitindo que a Humanidade descobrisse, a partir de 1925, “O castelo” e “O processo”. Já os detratores são unânimes em apontar “Em agosto nos vemos”, obra de Gabriel García Márquez que, mesmo renegada pelo próprio (“Este livro não presta. Tem de ser destruído”), foi lançada em 2024, dez anos após sua morte, e traz uma abundância de construções e adjetivos que soam como se o autor estivesse parafraseando a si mesmo.

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Pelo mesmo crivo passa agora “Para John”, título inédito da americana Joan Didion, que morreu em 2021 e cujos originais estavam tentadoramente escondidos em um pequeno arquivo de documentos próximo à sua escrivaninha. Eram 152 páginas não numeradas que compõem uma espécie de diário. A publicação no início deste ano reacendeu a discussão nos EUA, mas a sensação íntima e urgente da narrativa, construída com o habitual talento daquela que é considerada uma das precursoras do chamado jornalismo literário, fez com que a maioria aplaudisse a chegada do livro.

Ali estão as descrições que Didion fez das suas sessões iniciadas em 1999 com o psiquiatra Roger MacKinnon, um freudiano à moda antiga, ferrenho defensor da terapia pela fala. O destino das anotações era seu marido, o também jornalista e escritor John Gregory Dunne, que não podia estar presente nas consultas. Didion gravou cada detalhe das conversas porque estava preocupada com a filha adotiva do casal, Quintana, e suas lutas contra a depressão e o alcoolismo. É importante frisar a data, 1999, portanto antes das mortes de Dunne (em 2003) e de Quintana (2005).

As duras perdas inspiraram relatos honestos e até brutais de Didion nos livros “Noite azuis” (2011), tocante depoimento sobre a maternidade, e principalmente “O ano do pensamento mágico” (2005), reflexão a respeito da súbita morte do marido e cujo tom confessional não vem carregado de religiosidade ou mesmo desesperança diante da perda — sem autopiedade, ela revela como enfrentar as adversidades sob um aparente controle.

Capa do livro ‘Para John’ — Foto: Divulgação

O leitor que agora desfruta de “Para John” logo reconhece, no registro das sessões, a clareza fria e meticulosa pela qual Didion se tornou conhecida. A narrativa pode ser observada como uma longa conversa com o marido, interlocutor tratado diretamente por “você”.

O livro começa em dezembro de 1999 e termina em janeiro de 2002, com um pequeno e triste posfácio retirado do computador de Didion, relatando uma sessão que ela e Quintana tiveram com o psiquiatra desta última, Dr. Kass. Foi ele quem mencionou para Didion a utilidade da psicanálise para Quintana, adotada ainda bebê e que parecia ter uma predisposição genética ao alcoolismo.

A precisão de cada relato, marcada por uma profusão de detalhes, reafirma a decisão deliberada de Didion de gravar as conversas, que giravam em torno de temas como alcoolismo, adoção, depressão, ansiedade, culpa, além da complexidade do relacionamento com Quintana, cujas falhas no amadurecimento não pareciam assombrar a própria mãe.

“Contei a ele (o psiquiatra) que meus pais, cada um à sua maneira, haviam deixado claro que não me consideravam uma mãe presente o bastante, que era ausente, dependia demais da ajuda dos outros, não dava atenção suficiente etc. Eu disse, no entanto, que nunca achei que isso me afetasse, porque já fazia tempo que meus pais tinham perdido a capacidade de fazer eu me sentir culpada”, escreve ela com indisfarçável frieza.

Didion revela uma relação ambígua com a filha. Além de monitorar seu peso e sua alimentação, a escritora (e também o marido) desconfiava da eficiência do tratamento a que a menina se submetia nos Alcoólicos Anônimos — Quintana morreu aos 39 anos de complicações de pancreatite. A escritora até desafia os princípios morais do leitor ao lembrar com indiferença o fato de ter permitido que a garota assistisse ao longa de terror “A noite dos mortos-vivos” à meia-noite. Detalhe: Quintana tinha apenas 7 anos. A história deixou atordoado o psiquiatra Roger MacKinnon, que a considerava uma paciente com alto risco de suicídio.

O grande mérito de Didion está em iluminar uma situação que normalmente as pessoas querem deixar na sombra. Ao mesmo tempo em que procura salvar uma vida, tenta compreender a sua própria. Com uma escrita notavelmente fria, resvalando por vezes na sordidez, o livro encanta pela honestidade com que Didion não disfarça que, aparentemente prioritária, a preocupação com a filha não escondia sua inquietação em relação ao próprio trabalho, especialmente a construção de seu testamento artístico. A prosa cotidiana e desajeitada pode abalar a veneração de algum fã, assim como a indisfarçável invasão de privacidade, mas “Para John” mostra como ele enfrentou as adversidades com um aparente controle, atravessando meses sob uma suposta e racional normalidade.

* Ubiratan Brasil é jornalista

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