Inspirado na publicação “História do Brasil em 100 fotografias”, na qual contribuiu com um dos 100 textos da obra, o jornalista e historiador brasileiro Paulo Antonio Paranaguá decidiu adaptar a proposta para uma escala maior. Lançado ontem, em São Paulo, o livro “História da América Latina em 100 fotos” (Bazar do Tempo) se propõe a contar a História da região geográfica por meio de imagens que retratam as transversalidades e semelhanças históricas, políticas, sociais e culturais entre seus 33 países.
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Paranaguá, que é crítico de cinema e autor de vários livros sobre o assunto, tem uma relação profunda com a imagem. Ele avalia que a fotografia — nascida no século XIX — apesar de estar ligada ao poder e ter sido usada como item de propaganda em guerras, foi um elemento importante para a construção da identidade nacional dos países latino-americanos.
— Na Revolução Mexicana, houve inúmeros fotógrafos mexicanos e estrangeiros que foram captar aspectos dos acontecimentos, que duraram praticamente dez anos. E transformaram o movimento num fenômeno imagético internacional — conta o autor em entrevista ao GLOBO.
Morando na França desde a década de 1970, o historiador já foi curador de fotografia do Centro Georges Pompidou, em Paris, e correspondente do jornal Le Monde. Muito além dos traços irrevogáveis de naturalidade e familiaridade, ao longo de quatro décadas de carreira e experiência viajando pela região, Paranaguá fincou na sua própria história uma relação profunda com a América Latina.
— Muitas das coisas que eu descrevo, eu presenciei, pude medir pessoalmente no terreno a importância que elas têm — destaca.
Em 1987, durante a ditadura militar na Argentina, foi preso por cerca de dois anos por sua militância de esquerda. O autor se considera “um sobrevivente” e acredita que sua decisão de continuar trabalhando com foco na América Latina mesmo depois dessa experiência “dramática” é fruto de um engajamento pessoal com a preservação da memória dos tempos autoritários.
— Manter esse interesse e esforço sobre a América Latina era produto da minha história. Naquela época, muitas pessoas morreram ou desapareceram. Essa escolha implica algo em termos de personalidade: manter-se fiel à memória, no sentido de entender a nossa realidade, não de idealizar aquele passado.
A escolha das 100 fotografias que compõem o livro foi baseada em alguns critérios fundamentais para o autor, entre eles, a aplicação da história comparada para contar capítulos importantes e apresentar personagens de destaque. Os textos que acompanham as imagens, segundo ele, falam não apenas do assunto representado, mas procuram mostrar o que ele tem em comum com o que se desenvolveu antes, ou depois, ou em outros países.
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Durante seu trabalho de pesquisa e curadoria, Paranaguá selecionou imagens de fotógrafos consagrados, como Evandro Teixeira, Pierre Verger e Marlene Bergamo, mas também incluiu fotografias de autores anônimos e outros não tão populares, com o objetivo de manter como prioridade a representação de pontos que considera essenciais para a linearidade narrativa da área geográfica.
Num mercado de cartões-postais antigos em Paris, o jornalista encontrou vários desses itens editados por padres salesianos em Lyon, na França, em 1937. No meio de uma série sobre o Equador, entre algumas imagens convencionais, observou fotos de cabeças reduzidas (Tzantzas) produzidas pelos indígenas conhecidos como jívaros, ou shuar.
A decisão de incorporar uma delas no livro partiu do desejo de expor como na colonização houve também uma guerra cultural para tentar provar a superioridade do modelo cultural e religioso dos colonizadores em relação aos costumes que eles consideravam “bárbaros” dos povos colonizados.
— Foi uma imagem que achei por acaso, mas incluí porque me permitia mostrar esse aspecto ambivalente da catequese, que ao mesmo tempo procurava salvar a vida dos indígenas, mas não respeitava as crenças e a cosmogonia deles. Ao contrário, desprezava, procurava minimizar, destruir aquilo — comenta.
Nesse tema e em alguns outros, como o da intolerância a religiões de matriz africana, o autor ressalta a presença perene de problemas sociais que atravessam toda a região.
— Acho impressionante que, tratando questões do passado, você percebe como elas são atuais e ajudam a entender o presente. Não é uma problemática que acabou em 1937, ela continua rolando.
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O objetivo do livro, segundo o autor, é estabelecer um “movimento da História” — construir um mosaico com as imagens e os textos para “tentar encaixar as diversas peças” e dar uma “visão global” da América Latina. Paranaguá comenta, ainda, que tem planos de publicar a obra em outros idiomas, como espanhol, francês e inglês.
Com textos curtos, leves e ricos em material histórico, o jornalista aborda temas centrais da História regional, como a escravidão, os golpes de Estado, regimes ditatoriais, revoluções e as diversas manifestações culturais que cumpriram — e ainda cumprem — papel de vitrine da região para o resto do mundo.
— Eu pensei esse livro, inclusive, como um instrumento. Não é só um livro para ler e aprender algumas coisas, mas também um instrumento para pesquisadores, estudantes e professores. Ele tem uma introdução longa sobre as relações entre fotografia e História e etnografia, além de uma bibliografia imensa que mostra o quanto o campo da fotografia é rico.