Em meio à vitória do partido governista da Geórgia nas eleições locais, neste sábado, a polícia disparou gás lacrimogêneo e canhões de água contra manifestantes antigovernistas que tentavam entrar no palácio presidencial. Dezenas de milhares de pessoas se reuniam em resposta ao apelo da oposição para salvar a democracia.
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O partido populista Sonho Georgiano, no poder, enfrentou neste sábado seu primeiro teste eleitoral desde que uma disputada votação parlamentar há um ano mergulhou a nação do Mar Negro em turbulência e levou Bruxelas a congelar efetivamente o processo de adesão do país candidato à União Europeia (UE).
Com quase 75% dos distritos eleitorais apurados, a comissão eleitoral central disse que o Sonho Georgiano garantiu a maioria no conselho municipal em todos os municípios, com mais de 80% dos votos. Os candidatos do partido no poder obtiveram vitórias esmagadoras nas eleições para prefeito em todas as cidades, disse a comissão.
Antes da manifestação, as autoridades prometeram uma resposta dura àqueles que consideravam estar buscando uma “revolução”.
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Agitando bandeiras da Geórgia e da UE, dezenas de milhares de pessoas lotaram a Praça da Liberdade de Tbilisi para o que os organizadores chamaram de “assembleia nacional”, segundo um repórter da AFP.
As eleições locais, normalmente discretas, ganharam grande importância após meses de batidas policiais contra a mídia independente, restrições à sociedade civil e a prisão de dezenas de opositores e ativistas.
O astro da ópera que se tornou ativista Paata Burchuladze participou da manifestação na Praça da Liberdade para ler — sob aplausos estrondosos — uma declaração reivindicando que “o poder retorne ao povo”, rotulando o governo de “ilegítimo” e anunciando uma transição.
Os manifestantes então marcharam em direção ao palácio presidencial e tentaram entrar no complexo, levando as forças da lei a disparar gás lacrimogêneo e canhões de água. Os manifestantes ergueram barricadas e atearam fogo nelas. A multidão se dispersou pouco depois da meia-noite.
— Todas as pessoas envolvidas neste ato violento serão processadas — disse o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze aos repórteres.
O governo frustrou uma “tentativa de golpe planejada por serviços de inteligência estrangeiros”, disse ele, sem dar detalhes sobre sua afirmação.
Ele acusou autoridades da UE de apoiar uma “tentativa de derrubar a ordem constitucional” e instou o embaixador do bloco a condenar os distúrbios, dizendo que o enviado compartilha da responsabilidade.
Tarde da noite, a polícia prendeu vários líderes dos protestos, incluindo o ex-procurador-geral Murtaz Zodelava, informou a emissora de TV pró-oposição Pirveli. O Ministério do Interior disse que iniciou uma investigação sobre “apelos para alterar violentamente a ordem constitucional da Geórgia ou derrubar a autoridade do Estado”.
O ex-presidente reformista Mikheil Saakashvili, que está preso, exortou seus apoiadores a protestarem no dia das eleições pelo que chamou de “última chance” de salvar a democracia georgiana. Sem ação, “muito mais pessoas serão presas e o resto será expulso”, alertou, acrescentando que “o desespero total tomará conta e o Ocidente finalmente desistirá de nós”.
— Qualquer pessoa que se preocupe com o destino da Geórgia deveria estar aqui hoje — disse a manifestante Natela Gvakharia, de 77 anos, à AFP. — Estamos aqui para proteger nossa democracia, que o Sonho Georgiano está destruindo.
Grupos de direitos humanos afirmam que cerca de 60 pessoas — entre elas figuras importantes da oposição, jornalistas e ativistas — foram presas no último ano.
A Anistia Internacional disse que as eleições estão “ocorrendo em meio a severas represálias políticas contra figuras da oposição e da sociedade civil”.
O Sonho Georgiano está no poder desde 2012. É controlado pelo bilionário ex-primeiro-ministro Bidzina Ivanishvili, que votou em Tbilisi na manhã de sábado, cercado por câmeras.
O Georgian Dream inicialmente se apresentou como uma alternativa liberal ao campo reformista de Saakashvili. Mas, desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, críticos afirmam que o partido se inclinou para Moscou, adotando políticas de extrema direita e medidas ao estilo do Kremlin contra a mídia independente e ONGs.
O Sonho Georgiano afirma que está salvaguardando a “estabilidade” no país de quatro milhões de habitantes, enquanto um “estado profundo” ocidental busca arrastar a Geórgia para a guerra na Ucrânia com a ajuda dos partidos da oposição.
Analistas dizem que seu discurso direto — alegando que a oposição quer a guerra, mas ele quer a paz — ressoa nas áreas rurais e é amplificado pela desinformação.
Uma pesquisa recente do Instituto de Estudos e Análises Sociais colocou a taxa de aprovação do partido em cerca de 36%, contra 54% dos grupos da oposição.
A União Europeia sancionou vários funcionários do partido Sonho Georgiano por repressões anteriores a manifestantes. Ela alertou que poderia suspender o direito dos georgianos de viajar sem visto para a UE, a menos que o governo melhore o Estado de Direito e proteja os direitos fundamentais.