Além dos compromissos de governos e empresas com os esforços para deter as mudanças climáticas, a COP30 precisa dar protagonismo a quem vive em biomas críticos como a Floresta Amazônica, afirmaram os governadores do Pará, Helder Barbalho, e do Acre, Gladson Cameli, no seminário “Preservação de florestas e bioeconomia: os caminhos para mitigar a crise climática”, promovido por O GLOBO, Valor e CBN na semana passada.
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No terceiro painel do evento do projeto COP30 Amazônia, intitulado “A vez dos estados: as soluções para proteger a natureza e promover o desenvolvimento sustentável”, Helder Barbalho e Gladson Cameli defenderam a necessidade de alinhar soluções ambientais e políticas de desenvolvimento econômico, considerando a realidade da população amazônica. E concordaram que comunidades tradicionais e povos indígenas têm papel decisivo contra o desmatamento, principal fonte de emissões de carbono do Brasil.
Anfitrião da COP30, Helder afirmou que a conservação da Amazônia passa por uma economia de baixo carbono e alto impacto social, com melhoria da qualidade de vida das populações da floresta. Ele vê na COP30 uma oportunidade de cobrar de países ricos o financiamento de iniciativas para essa transformação, que, na sua visão, não deve abrir mão de atividades tradicionais como pecuária e mineração.
— Nosso desafio é transformar a base produtiva do Pará, antes atrelada a commodities, em uma economia de baixas emissões. Não se trata de excluir a mineração ou a pecuária, mas de garantir rastreabilidade, fiscalização e boas práticas — afirmou Helder, no painel mediado pelo diretor da sucursal do GLOBO em Brasília, Thiago Bronzatto.
No primeiro painel, Tasso Azevedo, do MapBiomas, havia observado que mais de 90% das áreas desmatadas na Amazônia são convertidas em pastos, já que a pecuária demanda baixo investimento e reduz o risco de perda para os infratores em caso de fiscalização. Helder afirmou que é possível criar mecanismos de fiscalização para manter a pecuária fora da floresta. E citou um programa de rastreabilidade individual do rebanho bovino do Pará que prevê cobrir todas as cabeças de gado do estado até 2026, com subsídios para pequenos produtores.
— Estamos dando um passo adiante, para que, desde o nascimento até o abate, possamos ter informação da vida do animal, saber se percorreu sua trajetória em propriedades regulares ambientalmente. Isso valoriza as boas práticas, gera integridade produtiva — disse Helder, acrescentando que o rastreio permite ao pequeno produtor vender para grandes processadoras de carne.
O líder paraense afirmou que os incentivos a negócios da bioeconomia devem ser direcionados a soluções que cuidem do meio ambiente, mas também dos “milhões de brasileiros que vivem na Amazônia”. Cameli fez coro repetindo sua defesa de que o “homem amazônico” seja a prioridade das políticas públicas. Concordou com Helder que é preciso maior rigor na fiscalização do cumprimento da legislação ambiental e aperfeiçoar a regularização fundiária para identificar e punir infratores.
— Dá para preservar e fortalecer o agronegócio sustentável. Não é preciso tirar uma árvore — disse Cameli. — É preciso criar condições para que o homem da floresta seja o guardião da floresta.
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O governador do Acre mencionou programas nesse sentido em seu estado, como o que dá ajuda de custo mensal de R$ 1.476 a brigadistas comunitários treinados por bombeiros para defender a floresta de grandes incêndios e o que compra alimentos de pequenos produtores para servir refeições em escolas estaduais.
Marcelo Behar, enviado de bioeconomia à COP30, ressaltou no segundo painel a ideia de fazer repasses financeiros diretamente a povos indígenas e comunidades tradicionais, como os 20% do total de pagamentos pela preservação de florestas previstos no Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), eliminando intermediários:
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— Isso é fundamental para garantir que os recursos cheguem na ponta. Hoje, boa parte se perde nos mecanismos burocráticos. Além disso, precisamos fortalecer as comunidades com instrumentos financeiros próprios, capazes de multiplicar por 100 o volume de recursos que têm hoje.
Helder também defendeu que parte significativa das receitas do mercado de carbono seja direcionada às comunidades indígenas, quilombolas e de pequenos produtores:
— Temos projeção de R$ 40 bilhões de receita potencial até 2028. A maior parte será para quem mantém o território em conformidade ambiental. É uma forma concreta de remunerar a floresta em pé.
A regulação do mercado de carbono foi aprovada no Brasil em 2024, mas ainda levará alguns anos até que esteja plenamente operacional. A lei prevê, por exemplo, a criação de uma agência reguladora para auxiliar na fiscalização das emissões das empresas.
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O economista Rafael Feltran-Barbieri, do WRI Brasil, defendeu o reconhecimento do valor econômico dos serviços ecossistêmicos. Lembrou que a Amazônia é responsável pela umidade que provoca chuvas no Centro-Sul do país:
— Esses serviços, como as chuvas trazidas pelos “rios voadores”, não são contabilizados, mas sustentam a nossa agricultura. Quando desaparecem, percebemos o quanto eram essenciais. A economia florestal é produtiva e estratégica, mas precisa de políticas de crédito e de impacto que reconheçam isso.
A preservação da Amazônia também passa pela valorização da cultura local, observou o professor Francisco de Assis Costa, da UFPA. Ele afirmou que a economia florestal amazônica é baseada em saberes tradicionais, que antecedem o próprio Estado brasileiro, e devem ser vistos como uma forma de conhecimento estratégico para a bioeconomia.
— A ancestralidade indígena habilita essas populações a lidar bem com a natureza — declarou o professor.