O americano Jeff Mills, de 62 anos, jura que, apesar da expressão séria que sempre ostenta no palco, é quem mais se diverte nas próprias apresentações de música eletrônica (com pitadas de experimentação que vão do jazz à percussão indiana). Ele explica que, por meio dos fones de ouvido, antecipa a próxima explosão de sons que a plateia vai ouvir. E se entrega ao deleite, sem precisar mergulhar em bebidas e noitadas que cercam sua carreira há mais de 40 anos.
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Figura central na cena techno em Detroit nos anos 1980, o produtor musical que já foi chamado de “o mago” desembarca no Brasil para duas apresentações, terça e quarta (14 e 15 de outubro), na Casa Natura Musical, no bairro paulistano de Pinheiros. No show, realizado pelo Queremos!, estará acompanhado do percussionista indiano Prabhu Edouard e do tecladista francês Jean-Phi Dary. O trio improvisará todo o tempo, na apresentação do projeto “Tomorrow comes the harvest”. Ao GLOBO, Mills falou por videochamada sobre suas percepções da música e do público atual e do papel da tecnologia.
“É uma performance improvisada, e não há preparação. Apenas tocamos, materializamos composições, baseadas em como nos sentimos no momento. Não há repertório, uma estratégia, além do fato de que trabalharemos coletivamente para criar algo que possa levar as pessoas um pouco mais (além) do que já eram quando chegaram.”
Criação e colaboração
“No palco colaboro com dois outros músicos, não pode ser 100% do que gostaria de fazer. Há um grande compromisso. Acabamos criando algo diferente, novo. Não posso dizer que seja música eletrônica, que seja jazz, que seja tradicional, afro-indiano. São derivados desses estilos. Nunca sabemos o que a conversa musical será. Não tivemos muito contato desde a última apresentação, e provavelmente não falaremos muito até a próxima.”
Mudanças na forma de consumir música
“A música não é nada além de comunicação. Nos anos 1970 e 1980, suponho que foi um processo mais direto, mais íntimo, em que se você queria falar com alguém, tinha que sentar e escrever uma carta, colocar no correio, tinha um trajeto até essa mensagem chegar. A música refletiu isso. Nos anos 1970 e 1980, as pessoas prestavam mais atenção no que a música tinha a dizer. As letras eram muito mais importantes que agora. Os esforços dos músicos eram levados mais a sério. Por causa da forma como nos comunicamos hoje, recebemos tanta informação e há tantas coisas jogadas em nós… É como um garoto em uma sala com todos os brinquedos que sempre quis ter. Eventualmente, o garoto se cansa dos brinquedos. Ou queria algo diferente. Isso também se refletiu na música. Como muitas outras pessoas, tenho tanta música no meu computador que nem sei o que está lá. Depois de um tempo, não me importo. Quero saber da próxima coisa.”
“Há um certo ponto no passado em que a música não era o objetivo principal. Um DJ, nos anos 1970 e 1980, não estava no espaço mais proeminente da sala. As luzes não estavam nele. Voltamos um pouco nessa direção. Isso poderia explicar por que a cultura DJ, a música eletrônica, grita para ser notada. Os artistas estão desesperados para serem notados e fazendo coisas que tiram eles mesmos fora da arte, porque é uma resposta à ideia de que as pessoas estão pensando em música de forma um pouco diferente.”
“Acho que tem a ver com o jeito que fui ensinado a ser DJ. Fui muito informado que um DJ deve se manter composto, ser a pessoa mais calma no entorno inteiro. Se eu gostei ou não, isso não é a questão. É se estou focado o suficiente para fazer coisas para que o ouvinte goste. Recebo quase duas vezes mais excitação no palco do que a plateia, porque posso ouvir no meu fone o que está por vir. Eu ainda amo a música. Mas eu guardo uma distância do aspecto de festa. Estou na festa, mas eu sou o DJ, a pessoa contratada.”
“Não seremos apenas capazes de ouvir música, mas de viver o cenário (digitalmente), a simulação do cenário da pessoa que está ouvindo. Capazes de estar no estúdio enquanto está sendo gravado. Experimentar todas as coisas que antes só podíamos ouvir.”