Na esperança de encerrar o conflito de seu país com os Estados Unidos, autoridades venezuelanas ofereceram ao governo Trump uma participação dominante no petróleo e outras riquezas minerais, em discussões que duraram meses, de acordo com várias pessoas próximas às negociações.
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A oferta de longo alcance permaneceu na mesa enquanto o governo Trump chamava o governo do presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, de “cartel narcoterrorista”, reunia navios de guerra no Caribe e começava a explodir barcos que, segundo autoridades americanas, transportavam drogas da Venezuela.
Em um acordo discutido entre um alto funcionário dos EUA e os principais assessores de Maduro, o ditador venezuelano ofereceu abrir todos os projetos de petróleo e ouro existentes e futuros para empresas americanas, dar contratos preferenciais a empresas americanas, reverter o fluxo de exportações de petróleo venezuelano da China para os Estados Unidos e cortar os contratos de energia e mineração de seu país com empresas chinesas, iranianas e russas.
O governo Trump rejeitou as concessões de Maduro e cortou a diplomacia com a Venezuela, efetivamente acabando com o acordo, pelo menos por enquanto, disseram pessoas próximas à discussão.
Embora os Estados Unidos tenham como alvo o que chamam de barcos de drogas, o corte da diplomacia, o acúmulo militar perto da Venezuela e as ameaças cada vez mais estridentes contra Maduro por parte de autoridades do governo Trump levaram muitos em ambos os países a pensar que o verdadeiro objetivo do governo Trump é a remoção de Maduro.
Marco Rubio, secretário de Estado e conselheiro de segurança nacional dos EUA, tem sido a voz principal na iniciativa do governo para depor Maduro. Ele o chamou de líder ilegítimo, um “fugitivo da Justiça americana”, e se mostrou cético em relação à abordagem diplomática conduzida por um enviado especial dos EUA, Richard Grenell.
Os defensores da diplomacia reconhecem que a abordagem linha-dura de Rubio prevaleceu por enquanto. Mas acreditam que seus esforços podem eventualmente dar frutos, apontando para as mudanças repentinas do presidente Donald Trump em outras questões importantes de política externa, como a guerra na Ucrânia, o comércio com a China ou o programa nuclear do Irã.
Para esta reportagem, foram feitas entrevistas com mais de uma dúzia de representantes americanos e venezuelanos de diferentes lados que clamam por diplomacia com Maduro. Eles o fizeram sob condição de anonimato, pois não estavam autorizados a falar publicamente.
Publicamente, o governo venezuelano respondeu à escalada militar de Trump com desafio e promete defender o que chama de revolução socialista iniciada na década de 1990 pelo falecido antecessor e mentor de Maduro, Hugo Chávez. Ao mesmo tempo, Maduro afirmou que permanece aberto a negociações e que seu governo continua aceitando voos de deportação dos Estados Unidos.
Nos bastidores, no entanto, altos funcionários da Venezuela, com a bênção de Maduro, ofereceram a Washington concessões de longo alcance que essencialmente eliminariam os vestígios de nacionalismo de recursos no cerne do movimento de Chávez.
Embora Grenell e as autoridades venezuelanas tenham progredido em questões econômicas, não chegaram a um acordo sobre o futuro político de Maduro, segundo pessoas próximas às negociações. O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, disse em uma entrevista no mês passado que Maduro não negociaria sua saída.
Maduro reprimiu repetidamente os desafios democráticos ao seu governo depois de assumir a presidência em 2013. Ele se manteve no poder no ano passado depois de perder uma eleição presidencial, fraudando os resultados e reprimindo brutalmente os protestos.
Grenell não quis comentar para esta matéria. O Departamento de Estado, a Casa Branca e o governo da Venezuela não responderam aos pedidos de comentário.
Em Washington, autoridades americanas apresentam avaliações divergentes das negociações. Uma autoridade americana afirmou que os relatos sobre as negociações para o levantamento das sanções e o acesso ao mercado venezuelano “não eram uma avaliação precisa do que ocorreu”.
Mas outras autoridades americanas disseram que representates do país e da Venezuela mantiveram repetidas conversas sobre como seria a normalização econômica, incluindo o acesso aos mercados de energia venezuelanos por empresas americanas e o levantamento das sanções de Trump.
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Enquanto os enviados de Grenell e Maduro negociavam um acordo, a líder do principal movimento de oposição da Venezuela, María Corina Machado, apresentou sua própria proposta econômica na cidade de Nova York. Ela argumentou que uma riqueza econômica ainda maior — US$ 1,7 trilhão em 15 anos — aguardava empresas americanas na Venezuela se seu movimento iniciasse uma transição política. María Corina recebeu o Prêmio Nobel da Paz na sexta-feira passada (10), pelo que o Comitê Norueguês do Nobel descreveu como “seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos para o povo da Venezuela”.
Assessor econômico de María Corina, Sary Levy disse que os acordos de investimento oferecidos por Maduro nunca se materializariam sem democracia, estado de direito e liberdades individuais.
— O que Maduro oferece aos investidores não é estabilidade, é controle, mantido por meio do terror — disse Levy. — O governo Trump demonstrou uma clara intenção de não cair nessas ofertas de soluções fáceis.
A Venezuela produz cerca de 1 milhão de barris de petróleo por dia, abaixo dos cerca de 3 milhões produzidos quando Chávez assumiu o poder. A maior parte das exportações de petróleo da Venezuela vai para a China, com exceção dos cerca de 100 mil barris por dia que a gigante energética americana Chevron vende para os Estados Unidos. A maioria dos especialistas concorda que a Venezuela poderia aumentar rapidamente a produção de petróleo com uma grande injeção de capital estrangeiro, embora discordem sobre se isso é viável sob o governo atual.
“Nossa mensagem para as petrolíferas é: queremos vocês aqui, com certeza”, disse María Corina a representantes corporativos americanos em junho. “Queremos vocês aqui, não produzindo migalhas de algumas centenas de milhares de barris por dia. Queremos vocês aqui produzindo milhões de barris por dia.” A nova Nobel da Paz se recusou a comentar este artigo.
No passado, os Estados Unidos enquadraram seu apoio a um novo governo na Venezuela como um imperativo de direitos humanos. Em contraste, os pontos econômicos discutidos pelos enviados de Maduro com Grenell ecoaram uma visão mercantilista que Trump promoveu em outros lugares.
Trump exigiu acesso a minerais ucranianos como pagamento pelo apoio americano ao esforço de guerra da Ucrânia. Ele lamentou frequentemente que os Estados Unidos não tenham obtido petróleo iraquiano após a invasão de 2003. E concordou em manter tropas americanas na Síria em 2019, com a condição de que os EUA “mantivessem o petróleo”.
O acordo discutido entre Grenell e autoridades venezuelanas foi especialmente abrangente, representando a tentativa mais ambiciosa de diplomacia de recursos durante o segundo mandato do presidente.
Normalizar o comércio e permitir que empresas americanas retornem à Venezuela pode ser tentador para algumas autoridades americanas devido às reservas de petróleo do país, as maiores do mundo, bem como aos depósitos significativos de gás natural, ouro, ferro, bauxita e coltan, uma mistura de minerais usada em baterias elétricas.
Oposição de Marco Rubio
O alcance econômico de Maduro nos Estados Unidos também se estendeu ao setor privado, numa tentativa de fortalecer sua influência em Washington. A empresa estatal de petróleo da Venezuela deu à Chevron, a maior empresa americana a operar no país, o controle total de seus projetos conjuntos de petróleo e as duas entidades discutiram dar à Chevron uma participação em outro grande campo do combustível.
Autoridades venezuelanas têm trabalhado para restaurar as relações com outra gigante petrolífera americana, a ConocoPhillips, que deixou a Venezuela em 2007 após o governo tomar suas operações. O governo de Maduro e a Conoco vêm negociando um acordo comercial de petróleo ainda este ano, de acordo com duas pessoas familiarizadas com as negociações.
A Chevron afirmou que suas transações comerciais na Venezuela estão em conformidade com todas as leis locais e americanas aplicáveis. A Conoco não respondeu a um pedido de comentário.
A iniciativa de autoridades e líderes empresariais venezuelanos foi a que mais se aproximou de um avanço diplomático em maio, de acordo com pessoas informadas sobre as negociações. Como sinal de boa vontade, Grenell orquestrou naquele mês o retorno de uma criança venezuelana abandonada nos Estados Unidos após a deportação dos pais, dando a Maduro uma vitória política interna. O governo venezuelano retribuiu logo depois, libertando um veterano da Força Aérea dos EUA preso no país e entregando-o a Grenell.
Maduro passou a apoiar a maioria dos termos econômicos da proposta discutida com Grenell. Uma pessoa familiarizada com as negociações disse que Maduro inicialmente hesitou em relação à exigência dos EUA de limitar os laços econômicos da Venezuela com a China, a Rússia e o Irã.
Mas ele acabou percebendo que afrouxar essas alianças era um preço inevitável para evitar a intervenção militar dos EUA, disse a fonte. Para maximizar a renda diante da pressão americana, a Venezuela também interrompeu o envio de petróleo para Cuba, agravando a grave escassez de energia elétrica no país aliado.
As conversas de Grenell com os enviados de Maduro enfrentaram forte oposição de Rubio, um cubano-americano e ex-senador que há muito tempo considera a queda de Maduro crucial para acabar com a ditadura comunista na ilha.
Os proponentes do engajamento econômico com Maduro conseguiram pequenas vitórias. A Chevron conseguiu que sua licença do Tesouro dos EUA para operar na Venezuela fosse restabelecida em julho, segundo o governo venezuelano. A empresa conseguiu reverter a proibição imposta por Trump meses antes, após uma campanha de lobby em Washington, segundo pessoas a par do acordo.
Na quarta-feira, o Departamento do Tesouro emitiu outra licença que, na prática, permite à Shell, maior empresa de energia da Europa, retomar suas atividades na Venezuela. Com a nova licença, a Shell poderá começar a produzir gás de um enorme campo offshore venezuelano já no ano que vem, de acordo com uma pessoa familiarizada com o acordo.
O gás do campo, conhecido como Dragon, será processado e vendido da vizinha Trinidad. Rubio disse no mês passado que os Estados Unidos garantiriam que o projeto Dragon “não proporcionaria benefícios significativos ao regime de Maduro”.
O presidente assinou uma cláusula que obriga a Shell a investir em projetos sociais na Venezuela em vez de pagar ao seu governo. Para o governo Maduro, o principal benefício é mostrar que a Venezuela continua aberta aos negócios.