Os bondinhos de Santa Teresa resistiram ao tempo e emprestam charme ao bairro desde 1896, quando começaram a circular. Em obras há 12 anos, o trecho entre as estações Dois Irmãos e Silvestre — que faltava para completar todo o circuito — está em contagem regressiva para voltar a operar. Ainda este mês devem começar os testes operacionais com viagens a partir do Largo da Carioca, algumas delas até com passageiros. Mas a abertura para valer só mesmo dois meses depois.
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O fim da obra está previsto para o próximo dia 27 e terá até um passeio inaugural para convidados. Desde 2008, o bondinho estava fora dos trilhos naquele trecho. Agora, a promessa é que retorne no início de 2026, e com uma novidade: quem desembarcar no Silvestre estará a poucos passos de uma estação do Trem do Corcovado — essa conexão com o Cristo Redentor estava indisponível há mais de 50 anos.
O GLOBO fez o trajeto de bondinho e de carro até o Silvestre, uma região bucólica em plena Floresta da Tijuca. Nessa área, fica uma estação intermediária da linha do trem que sai do Cosme Velho e vai até a base do monumento — e está sendo restaurada para receber os passageiros do bondinho. A parada faz parte do projeto original da linha do Trem do Corcovado, inaugurada por Dom Pedro II em 1884, muito antes do próprio Cristo Redentor ficar pronto (1931). Naquela época, a ligação foi criada para levar a população até o Mirante Chapéu do Sol, ponto de observação da cidade, no local onde seria erguida a estátua.
No caso da conexão com o Silvestre, ela foi fechada ao público e nunca mais reabriu depois de uma das piores enchentes registradas na cidade, em 1966.
— A gente quer usar o Silvestre como base para um serviço que não temos hoje: um passeio sunset (ao pôr do sol). As reformas estão começando agora, com a restauração do prédio da administração. Inicialmente, abriremos um bar nos próximos meses. Mas, até o fim de 2026, queremos inaugurar ali um hotel com apenas oito quartos e um restaurante — contou Sávio Neves, presidente do Trem do Corcovado.
Paulista, a gerente de projetos de TI Fernanda Pereira Costa, de 42 anos, que visita o Rio com frequência, gostou da novidade:
— Volto ao Rio no réveillon, e tomara que essa ligação já esteja ativa. É uma opção para circular entre dois pontos turísticos importantes da cidade sem perder tempo no trânsito.
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Mas, antes mesmo de fazer essa conexão, o passageiro poderá aproveitar o trajeto de cinco quilômetros (por sentido) entre o Dois Irmãos e o Silvestre. É possível conhecer um pouco mais de Santa Teresa, observar a imensidão verde da floresta e ver o próprio Cristo Redentor por outros ângulos. Todo o percurso teve a iluminação pública trocada para lâmpadas de LED. Os novos trilhos são semelhantes aos que são adotados no VLT Carioca, mas de outro fornecedor: emitem menos ruído que os anteriores. Para o bondinho fazer todo o percurso da Carioca até o Silvestre, falta instalar trilhos em um trecho de 300 metros. A rota está desativada desde 2008, quando cabos elétricos e peças metálicas da via foram furtados.
— A cada hora teremos uma viagem completa até o Silvestre, além de uma viagem para os demais serviços até os ramais Largo das Neves e Paula Mattos — explicou Ary Arruda Filho, diretor de Engenharia e Operação da Central, estatal do governo do estado responsável pela obra.
O ponto final do bonde no Silvestre, na Avenida Almirante Alexandrino, também encurta o trajeto para quem quer chegar a pé ao Cristo. A poucos metros da estação, começa uma trilha, que passa pela nascente do Rio Carioca, principal fonte de abastecimento da cidade nos séculos XVIII e XIX. O acesso à trilha fica ao lado de um reservatório desativado, a Caixa da Mãe D’Água.
— A expectativa é enorme. Seja qual for o trecho, é essencial que o traçado original esteja integralmente em operação — diz o diretor de teatro Amir Haddad, de 88 anos, que mora há cerca de 50 anos no bairro.
Haddad revela que muitas vezes foi um usuário indisciplinado dos bondinhos:
— Com a idade que tenho hoje, não consigo mais subir no bonde. Mais jovem, viajei muitas vezes sem pagar e de pé no estribo.
Os tempos mudaram e pelas regras atuais viajar de pé é proibido — no estribo, nem se fala. Em junho de 2011, na pior fase do bondinho, o turista francês Charles Damien Pierson, que viajava no estribo, morreu ao cair quando o bonde passava pelos Arcos da Lapa. Logo depois, em agosto, seis pessoas morreram e 57 ficaram feridas quando uma composição perdeu os freios e desceu em alta velocidade a Rua Joaquim Murtinho, tombando ao bater em um poste.
O acidente levou o governo do estado a dar início, em 2013, a uma reformulação do sistema. A circulação foi retomada em 2016, no trecho entre a Carioca e o Dois Irmãos. Mesmo com o retorno, o bairro continuou a ser atendido por ônibus. Isso porque o número de vagas nos bondes é limitado. Dos 14 carros previstos para a retomada do serviço, apenas oito foram entregues pelo fornecedor.
— A empresa faliu. O planejamento continua a prever o uso de 14 bondes. Uma nova licitação para completar a frota está prevista para o ano que vem — diz Ary Arruda.
Na etapa atual das obras, estão sendo gastos R$ 70 milhões. Nessa conta estão as obras para reabrir o trecho até o Silvestre e reativar o ramal Paula Mattos, que voltou a operar em janeiro.
Hoje, os bondes transportam 1,8 mil pessoas nos dias de semana (das 8h às 18h30) e 2,2 mil aos sábados e domingos (das 9h às 17h). A passagem custa R$ 20. Moradores de Santa Teresa cadastrados não pagam. Para manter essa gratuidade, a operação é deficitária: a manutenção custa R$ 1,5 milhão, enquanto a receita é de R$ 500 mil.
— A conclusão das obras é importante. No entanto, o bondinho não é só para o turismo. É importante ter vagas suficientes para atender os moradores. Vamos reivindicar isso — disse o presidente da Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast), Orlando Lemos.
Arte sobe as ladeiras neste fim de semana
Termina neste fim de semana a 33ª edição do Arte de Portas Abertas, em Santa Teresa, um dos maiores encontros de cultura a céu aberto do país. Sob o tema “Santa Teresa — um bairro sustentável”, o festival espalha obras de 180 artistas por ruas, praças, ateliês e galerias locais hoje e amanhã.
Inspirado em iniciativas internacionais como o Portes Ouvertes de Ateliers d’Artistes, de Paris, e a Setmana de l’Art, de Barcelona, o evento se consolidou como referência no calendário carioca.
—É mais do que uma mostra de ateliês: é um convite para vivenciar Santa Teresa em sua essência, unindo arte, história e a energia única do bairro — afirma Valter de Gaudio, diretor do Arte de Portas Abertas.
O público que decidir subir as ladeiras de Santa Teresa poderá visitar 32 ateliês, dez galerias e centros culturais, além de exposições no Museu Casa de Benjamin Constant e no Parque Glória Maria, o antigo Parque das Ruínas.