No dia 4 de abril de 2021, um domingo de Páscoa, o balconista Christian Davidson, então com 24 anos, recebeu a notícia de que a esposa Jéssica dos Santos Souza, de 21, morrera após ser atingida por uma bala perdida no trem, quando um policial e bandidos trocaram tiros na composição.
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“Ainda lembro como foram os últimos momentos que passamos juntos. Eu trabalhava à noite, e a Jéssica saía para trabalhar muito cedo, às 5h30. Eu só conseguia chegar em casa por volta das 7h30. No dia anterior, era um sábado e eu estava em casa durante o dia. Passamos a parte da tarde toda juntos vendo filmes, e, quando deu a hora, saí para trabalhar.
Já na manhã de domingo, ela me ligou avisando que estava pegando o ônibus para o Centro de Nova Iguaçu. Depois, ligou avisando que estava entrando no trem para o centro do Rio. De lá, iria para a Tijuca trabalhar como cuidadora. Quando cheguei em casa, fui dormir. Assim que ela chegava no trabalho, sempre mandava uma mensagem. Eu estranhei, porque não tinha a mensagem dela, mas achei que poderia estar ocupada ou muito atarefada e, por isso, não havia dado tempo.
Uma amiga em comum viu a reportagem do que aconteceu no trem, de um tiroteio, e aí ficou me ligando, me ligando. Acordei, atendi. Ela pediu para eu entrar em contato com a Jéssica, porque viu uma reportagem de algo que havia acontecido, e estava com medo de ser com minha esposa. Mandei mensagem para ela.
A mensagem só chegou. Ponto. Eu liguei para o telefone da Jéssica e quem atendeu foi um policial. Ele pediu que eu levasse os documentos dela com urgência lá no hospital, pois tinha acontecido acidente com ela. Mas não informou o que tinha realmente acontecido. Quando eu cheguei, vi meus pais lá também. No hospital, me avisaram que havia acontecido um tiroteio no trem e que ela fora atingida.
A Jéssica era uma pessoa bem informada e sempre preferia ir de trem para o trabalho. Estávamos casados há quatro anos. A gente queria comprar nossa casa própria, estava juntando um dinheirinho. Até hoje é difícil imaginar e lembrar de tudo o que aconteceu. Não tem um dia sequer que eu não pense nela. Ou que isso venha em mente. Como assim? Do nada, a pessoa que estava aqui já não está mais. Saiu para trabalhar e aconteceu isso. Se tivesse fazendo alguma coisa errada na vida, eu até entenderia, mas não, ela foi trabalhar normalmente e aconteceu uma coisa dessa.
Desde que tudo ocorreu, eu nunca mais quis andar de trem. Eu mudei da casa onde a gente morava. Era muita lembrança. Entramos com um pedido de indenização, mas até agora a Justiça ainda não resolveu isso.”