Quando o assunto é a dublagem brasileira, há vozes que atravessam gerações. A de Guilherme Briggs é uma delas. Com personagens icônicos na bagagem criada em três décadas de carreira, ele não poderia ser mais versátil: é o Mickey Mouse, o Buzz Lightyear em “Toy story”, o Ele em “As meninas superpoderosas”, o Cosmo em “Padrinhos mágicos” e o Brook em “One piece” (isso só para começar). Desde os anos 1990, Briggs é responsável também por dar voz ao Superman, das animações e jogos às séries com Dean Cain e aos filmes com Henry Cavill. Antes de participar neste domingo (6) de um painel especial no Anime Friends — maior festival de cultura pop asiática da América Latina, que acontece no Distrito Anhembi, na Zona Norte de São Paulo —, ele conversou com exclusividade com o GLOBO sobre seu trabalho, cujo início tem relação com o jornal.
Apaixonado por cultura pop, são vários os bonecos (ou melhor, as action figures) que Guilherme Briggs mostra pela videochamada durante a conversa. Todos de personagens que ele dublou, por sinal. Dentre todas as paixões que viraram trabalhos, talvez as mais marcantes sejam com a saga “Star wars” e com o anime “Cowboy bebop”, do diretor Shinichiro Watanabe — que também participa do Anime Friends até domingo.
— Assisti ‘Star wars’ pela primeira vez com sete anos e virei fã. Tempos depois, pude dublar tanto o Han Solo, de Harrison Ford, quanto o Yoda. Para um fã da saga, foi um sonho poder fazer parte dela — conta.
A relação com o anime veio um pouco depois, mas na mesma ideia. Fã do trabalho de Shinichiro Watanabe, famoso diretor e roteirista japonês, Briggs já tinha assistido o filme e a série de “Cowboy bebop”, ambos de 1998, quando foi convidado para dublar o protagonista, Spike, nas duas produções.
— O Watanabe é um gênio. Ele vive no ano 3000, está muito avançado em relação a tudo. Quando soube que estaria na dublagem do anime, fui para o céu e voltei, fiquei muito feliz — divide.
Mesmo com 30 anos de carreira e dezenas de personagens feitos, Guilherme Briggs diz que a entrega emocional continua intensa (talvez até mais). Ele conta que, apesar do pouco tempo que tem para trabalhar com cada dublagem, muitas vezes se vê imerso em fortes emoções.
Para ele, com o passar dos anos se tornou mais fácil acessar emoções que antigamente ficavam mais distantes durante os trabalhos. É o caso do filme “A baleia”, de 2022, onde dubla o protagonista Charlie, interpretado por Brendan Fraser.
— Sofri, chorei e suei enquanto dublava (o personagem). Cheguei ao ponto de pedir à diretora para fazermos algumas pausas, porque eu chorava muito e saía arrasado. Depois, com o resultado, era perceptível que não era só um trabalho técnico — diz o dublador.
Guilherme Briggs cresceu apaixonado por arte. Ainda criança, gravava histórias caseiras em fita cassete com o pai, nas quais criavam personagens, efeitos e trilhas sonoras improvisadas.
— Era uma espécie de rádio-teatro feito em casa. Ele tocava violão e criava músicas, pegava alguns discos e inventava narrações. Meu pai foi a pessoa mais criativa que conheci. A arte me abraçou quando eu precisei e eu a abracei de volta — conta Briggs.
Foi das brincadeiras com o pai que surgiu o gosto pelo trabalho com a voz e pela criatividade. Guilherme atuou em pequenas peças de teatro (algo amador, segundo ele) e foi em 1991 que conseguiu o seu primeiro estágio como dublador, no estúdio VTI, fundado por Victor Berbara.
Curiosamente, a trajetória de Briggs como dublador começou com a carta de uma colega jornalista, publicada no GLOBO, que criticava a dublagem de um dos filmes de ‘Star trek’. O texto chegou a Berbara, responsável pelo trabalho, que a convidou para traduzir um novo projeto da saga — e levou Briggs junto. A carta, infelizmente, não foi encontrada até o fechamento desta matéria.
— Comecei a estagiar no estúdio e depois de um tempo consegui as licenças corretas com o sindicato. Deu tudo certo — diz.
Como dublador, Briggs acredita que o sucesso da dublagem nacional venha justamente do humor afiado do brasileiro e de sua grande adaptabilidade a diferentes cenários — o que reflete em seus trabalhos.
— O brasileiro é muito criativo e inteligente, nosso humor é muito nosso, os americanos ficam impressionados. Na animação ‘Tá dando onda’ (2007), eu dirigi e ajudei o Manolo Rey (outro nome conhecido da dublagem) na tradução da dublagem. Estávamos na Inglaterra, com os produtores do filme, quando sugeri que o nome do lugar em que os pinguins moravam fosse traduzido para Frio de Janeiro. Todos adoraram e vários países também adotaram — conta Guilherme Briggs.
Depois de tantos anos e de marcar gerações com seus trabalhos, Guilherme migrou para as redes sociais, onde acredita ter criado um ambiente acolhedor para seus fãs. O carinho, porém, não fica só no virtual. Em encontros, principalmente em eventos como o Anime Friends, Briggs conta que conversa com o público, distribuí abraços e até autógrafos.
— Gosto de receber todos sempre que possível. Da mesma forma que eu me apoiei na arte e que ela me salvou nos mais diversos momentos, eu tento cuidar dos meus fãs — diz.