Para Barbra Streisand, um dueto não é apenas uma canção. De acordo com a artista, é um “processo dramático”.

— Eu estou me perguntando, quem é esse cara na música? Quem é essa garota? O que está acontecendo com eles? — explica.

Descobrir isso faz parte da identidade de Streisand como artista.

— Eu sou uma atriz primeiro — afirma, alegando gostar de “drama”.

Não surpreende que ela tenha realizado duetos de personagens com tanta frequência, com tanta criatividade e tanto sucesso comercial. Em outubro de 1963, após o lançamento do álbum de estreia de Streisand, Judy Garland a convidou para aparecer em um episódio de seu programa de TV; sua performance conjunta quase a consagrou como a “herdeira vocal” de Garland.

Nas décadas seguintes, muitas de suas melhores músicas foram duetos, começando em 1978 com Neil Diamond, na balada romântica “You don’t bring me flowers”, seguido no ano seguinte pela “No more tears (Enough is enough)”, com Donna Summer. Ambas dispararam direto para o topo. No início da década de 1980, ela ainda marcou dois Top 10 Billboard sucessos com Barry Gibb.

Em 2014, Streisand lançou um álbum completo de duetos chamados “Partners”, que a associou com estrelas desde o rápido (John Mayer em “Come rain or come shine”) até o morto (Elvis Presley através de uma amostra vocal da gravação de 1956 de “Love me tender”). Esse álbum e seu posterior, “Encore: movie partners sing Broadway”, alcançou o pico da Billboard.

Nesta sexta-feira (27), Streisand, de 83 anos, lançará uma sequência, “The secret of life: partners, volume two”, com contemporâneos de diferentes gêneros musicais, como Paul McCartney e Bob Dylan, bem como vozes mais jovens, incluindo Hozier e Sam Smith.

Barbra Streisand e Paul McCartney nos bastidores do álbum ‘The Secret of Life: Partners, Volume Two’ — Foto: Reprodução / Instagram

Falando por telefone do quarto de sua casa em Malibu, no início deste mês, Streisand contou amigavelmente sobre alguns de seus últimos duetos, seus favoritos do passado e outros históricos.

A paixão de Streisand por duetos começou, em parte, depois de ver a versão cinematográfica, de 1955, do musical “Eles e elas”.

— Foi quando me apaixonei por Marlon Brando! — revelou ela. — Eu queria ser Jean Simmons —, acrescenta ao citar o par romântico do ator.

Marlon Brando e Jean Simmons em 'Eles e elas' (1955), de Joseph L. Mankiewicz — Foto: Divulgação
Marlon Brando e Jean Simmons em ‘Eles e elas’ (1955), de Joseph L. Mankiewicz — Foto: Divulgação

Streisand disse que seu dueto com Diamond prenunciou seu papel como diretora de cinema. Quando os dois cantaram sua música nos Grammys de 1980, os produtores queriam que eles cantassem um para o outro em bancos fixos.

— Eu disse: ‘Não, não, não!’. Pensei que deveríamos começar em lados opostos do palco e nos reunir durante a música. Era como dirigir atores — relembra.

Em 1973, quando a cantora estava criando seu inovador especial de TV “Barbra Streisand… and other musical instruments”, que combinou sua voz para um sitar — instrumento musical indiano — , bem como uma cacofonia de eletrodomésticos. No espetáculo, ela executou um dueto memorável com Ray Charles, com a música “Crying Time”.

— Você podia sentir todos os sentimentos de Ray em sua voz. Sua capacidade de amar, sua raiva, seu calor… Era como imortalizar sua alma — reflete Streisand.

Barbra Streisand e Ray Charles durante o programa 'Barbra Streisand... and Other Musical Instruments', em 1973 — Foto: Reprodução / YouTube
Barbra Streisand e Ray Charles durante o programa ‘Barbra Streisand… and Other Musical Instruments’, em 1973 — Foto: Reprodução / YouTube

Durante o show, ela cantou separadamente com suas famosas cantoras de apoio, The Raelettes, em “Sweet inspiration”, o que a permitiu fazer uma releitura da Broadway, com direito a um fervor gospel. Ainda mais inesperada foi sua performance com Summer.

— Era o mais longe possível do meu estilo de balada. Mas eu gosto de desafios, e meu filho era um grande fã de Donna Summer. Para o meu filho, eu faria qualquer coisa — declara.

A química que ela tinha com outro ícone da era disco, Barry Gibb dos Bee-Gees, veio mais facilmente do que qualquer esforço de sua carreira.

— Eu não tinha tempo para fazer esse álbum porque eu estava escrevendo ‘Yentl’ — recordou Barbra ao explicar que Gibb a auxiliou, produzindo todos os sons do álbum, exceto seus vocais. —Tudo o que eu tinha que fazer era cantar cada música dez vezes.

Sua maior contribuição foi dizer-lhe que o álbum precisava de uma música ainda mais animada. Essa acabou sendo “Guilty”, que permitiu que as vozes dos dois pulassem ao longo da melodia como pedras através de um lago reluzente.

— Era exatamente o que eu queria — afirma a artista.

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Nem todo dueto que a Streisand fez lhe agradou. Em 1984, Kim Carnes e ela gravaram “Make no mistake, he’s mine”, cantada a partir da perspectiva de duas mulheres que afirmam que o homem que têm em comum só as ama.

— Eu gostei da voz dela rouca, como um contraste para a minha — escreveu Streisand sobre Carnes em seguida à nossa entrevista. — Mas eu nunca me identifiquei de verdade com a letra. A ideia de duas mulheres ciumentas brigando por um cara era algo com o qual eu não me sentia muito à vontade.

Por outro lado, um dueto póstumo com Anthony Newley em sua música “Who can I turn to?” permitiu que ela fechasse uma velha ferida. Os dois namoraram brevemente em meados dos anos 1960, mas o relacionamento terminou mal.

— Eu estava com raiva dele — disse Streisand, que admitiu ter ignorado “Too much woman,” música que ele escreveu para ela. Quinze anos após sua morte, no entanto, ela aproveitou a chance de cantar com uma antiga fita dele. — Eu sempre amei o jeito que ele cantava — conta.

Barbra Streisand em sua casa em Malibu, na Califórnia, EUA — Foto: Ryan Pfluger/The New York Times
Barbra Streisand em sua casa em Malibu, na Califórnia, EUA — Foto: Ryan Pfluger/The New York Times

Dos seus novos duetos, o mais inesperado é com Dylan. Embora ambos tenham começado a se apresentar em clubes no Greenwich Village, no início dos anos 60, eles pertenciam a mundos completamente diferentes. Em 1970, no entanto, Dylan lhe enviou flores com um cartão — que de acordo com ela foi preenchido com uma “caligrafia infantil”, usando giz de cera de cores diferentes — ele escreveu: “Você cantaria comigo?”‘.

— Na época, eu pensei: “O que diabos eu vou cantar com o Bob Dylan? — relembra a artista.

Embora não tenha respondido na hora, quando descobriu que ele havia escrito “Lay Lady Lay” para ela, mudou de ideia. Pode ter ajudado o fato de Dylan ter lançado uma trilogia de álbuns com canções tradicionais, começando com “Shadows in the Night”, em 2015. Dylan escolheu a música que eles cantaram, “The Very Thought of You”, mas seguiu totalmente a direção de Streisand durante a gravação. “Ele foi várias vezes. Foi incrivelmente receptivo e presente comigo naquele momento”, conta.

Seu dueto mais inovador está no álbum “Hozier”, na música “The First Time Ever I Saw Your Face”. Raramente, ou talvez nunca, esse clássico lento foi interpretado como dueto, transformando-o de um monólogo em uma conversa. Streisand disse que não teria gravado a música de outra forma, porque, de acordo com ela, a canção estava “muito ligada à garota que a tornou famosa” — Roberta Flack, que a levou ao topo das paradas em 1972.

Talvez a nova canção mais próxima do coração de Streisand seja com Laufey, uma musicista islandesa de 26 anos. A letra de “Letter to My 13 Year Old Self” permite que cada artista olhe para o passado e acolha sua versão adolescente interior. Quando tinha 13 anos, Streisand contou que sua professora pediu que ela escrevesse sua autobiografia, um tesouro que ela ainda guarda.

— Vai para a Biblioteca do Congresso. Se ainda existir uma Biblioteca do Congresso —, disse, sarcástica. A cantora também tinha 13 anos quando gravou seu primeiro disco amador, momento em que descobriu que podia brincar com a melodia. — Essa foi minha primeira improvisação! — disse.

Quando perguntada sobre seus próprios duetos favoritos, ela destacou “I Have a Love” e “One Hand, One Heart”, de “West Side Story”, com Johnny Mathis. — Lembro da primeira vez que o vi na TV quando era criança… Aqueles olhos, aquela voz! Meu Deus, eu me apaixonei por ele — admite ela.

Barbra Streisand lança álbum de duetos, com participações de Paul McCartney, Bob Dylan e Sam Smith: ‘É um processo dramático’