Um imóvel anunciado por R$ 1,2 milhão em Nilópolis (RJ), na Baixada Fluminense, foi alugado em agosto de 2024 por R$ 2 mil pela campanha do prefeito Abraãozinho (PL), antes de entrar na mira de uma investigação da Polícia Federal (PF) por compra de votos. No endereço em questão, a PF prendeu 24 pessoas em flagrante, na véspera da última eleição municipal, com R$ 63 mil em espécie, panfletos de Abraãozinho e listas com nomes e dados de eleitores. O responsável pelo imóvel é um advogado, ex-dirigente do Detran-RJ, que também se tornou alvo da investigação e teve um carro apreendido.

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A casa foi registrada pelo prefeito na Justiça Eleitoral como seu comitê de campanha, embora a equipe da PF tenha relatado, após o flagrante em outubro de 2024, que ela tinha “uma placa apontando que estava à venda” e não apresentava “nenhuma informação que pudesse indicar que naquele local seria um comitê político”.

O GLOBO localizou um anúncio do imóvel na internet, publicado em junho de 2023 — e que seguia no ar até esta segunda-feira (24) —, com o valor de R$ 1,25 milhão para venda e mais R$ 1,5 mil de IPTU.

Localizado na Rua Roldão Gonçalves, o terreno tem 625 metros quadrados de área total, com duas casas duplex que totalizam 238 metros quadrados de área construída. Ao todo, são cinco quartos, sendo três suítes com closet, além de piscina e “área gourmet com churrasqueira”, conforme o anúncio, que também menciona haver “cozinha com armários planejados” e sala com dois ambientes.

O imóvel foi alugado pela campanha de Abraãozinho por R$ 2 mil, único pagamento registrado por quase dois meses de campanha.

Colocado à venda por R$ 1,25 milhão, imóvel foi alugado pela campanha de Abraãozinho por R$ 2 mil: anúncio menciona ‘área gourmet com churrasqueira’, cozinha com armários planejados e sala com dois ambientes — Foto: Reprodução

Apesar de o uso da casa ter se iniciado em agosto, segundo a prestação de contas feita por Abraãozinho à Justiça Eleitoral, o recibo da locação foi datado em 4 de novembro, isto é, quase um mês depois da eleição. O documento é assinado pelo advogado Bruno Cabral Pereira, um dos alvos da Operação Astreia, deflagrada pela PF no início deste mês para apurar os indícios de corrupção eleitoral em Nilópolis.

O esquema envolveu, segundo a corporação, o “uso de candidaturas laranjas e uma rede de apoio que se estendia a servidores públicos e políticos locais”. Na operação, a PF apreendeu um carro conversível de Cabral e R$ 172 mil em espécie na casa de Abraãozinho.

Ao GLOBO, Cabral afirmou que o imóvel “atendia as necessidades da campanha, de seus trabalhadores e apoiadores” e que “foi alugado para servir de comitê, num valor compatível de locação para o imóvel na condição que se encontra na Baixada Fluminense, pelo período utilizado”.

Procurado pela reportagem, o diretório do PL em Nilópolis informou que Cabral “é conhecido do prefeito de longa data” e tinha “uma casa vazia disponível”. Além disso, registrou que, por ser o comitê de campanha, “era natural o trânsito de apoiadores, simpatizantes e diversos profissionais ligados ao trabalho da coligação” no local.

Bruno Cabral, ao centro, exibe homenagem da Câmara de Nilópolis ao lado do prefeito Abraãozinho (PL), à esquerda da foto, e ao deputado estadual Rafael Nobre (União), à direita — Foto: Reprodução/Redes sociais
Bruno Cabral, ao centro, exibe homenagem da Câmara de Nilópolis ao lado do prefeito Abraãozinho (PL), à esquerda da foto, e ao deputado estadual Rafael Nobre (União), à direita — Foto: Reprodução/Redes sociais

Cabral também atuou como advogado na campanha de Abraãozinho, da qual recebeu R$ 50 mil sob a rubrica de “serviços advocatícios para fins eleitorais”. No imóvel alugado como comitê, uma das faixas anunciando a venda, na fachada, traz o número de telefone e o email da advogada Lara Mendonça, cônjuge de Cabral.

Além da proximidade com Abraãozinho, que é sobrinho do bicheiro Anísio Abraão David, Cabral tem boa relação com o deputado estadual Rafael Nobre (União), que já foi presidente da Câmara dos Vereadores de Nilópolis. Por indicação de Nobre, o advogado chegou a ser vice-presidente do Detran-RJ em 2023, no governo Cláudio Castro (PL).

No dia do flagrante, nenhum dos advogados estava na residência, tampouco o prefeito. A PF localizou três policiais militares no local, sendo dois reformados e um da ativa, além de 11 pessoas que tiveram cargos de confiança na gestão de Abraãozinho — sete desses funcionários foram exonerados após o caso.

Com o ex-chefe de gabinete do prefeito, Rodrigo Dias Duarte, os investigadores encontraram R$ 25,3 mil em espécie, a maior parte dentro de sua mochila, além de uma “listagem nominal com indicação de valores e a totalização em cada página”.

Também foram presos em flagrante três candidatos a vereador da coligação de Abraãozinho: Helayne Silva e Alex WO, ambos do PL, e Professora Gilda (PP). Todos foram liberados posteriormente mediante medidas cautelares, que incluem a proibição de manter contato com outros investigados e a suspensão do exercício de funções públicas.

Casa de R$ 1,2 milhão na mira da PF por compra de votos foi alugada para campanha de prefeito de Nilópolis por R$ 2 mil