Não falar inglês quase custou caro a Marcos Rocha. Funcionário do quiosque Coisas de Bamba, em Copacabana, na Zona Sul do Rio, o rapaz tropeçou na língua ao atender um casal de ingleses, no mês de Abril. Os turistas pediram drinques e um prato. Sem entender exatamente o que diziam, Marcos pediu à cozinha o prato errado. Quando o pedido chegou à mesa, os gringos reclamaram; o rapaz, então, não entendeu a queixa. Com um pouco de boa-vontade e o tradutor do celular, Marcos explicou que, se o prato voltasse, ele teria de pagar a conta. Tudo acabou sendo resolvido, mas a experiência deixou no supervisor do quiosque a certeza de que precisava resolver a barreira linguística.
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O caso de Marcos não é único. Ele é um dos 157 funcionários de cinco quiosques de Copacabana que estão tendo aulas de inglês, espanhol e francês para melhor atender os clientes que vêm de fora. Uma situação cada vez mais comum: no primeiro semestre deste ano, o Rio recebeu 1,2 milhão de visitantes estrangeiros, número 52% maior que o do ano anterior, segundo dados da Secretaria Municipal de Turismo (SMTUR).
O aumento expressivo do número de turistas internacionais levou comerciantes a adotarem novas estratégias para melhorar a qualidade dos atendimentos. O empresário Bruno de Paula — sócio dos quiosques Samba Social Clube, Areia MPB, Nacho, Ginga e Coisas de Bamba — decidiu, por exemplo, ofertar aulas de inglês, espanhol e francês, para os funcionários que desejam aprender outra língua e aprimorar o próprio trabalho.
— Nós realmente vimos que havia muitos turistas estrangeiros. Parece que, até agora, todos os meses foram de alta temporada no Rio, tendo uma diminuição no fluxo de visitantes apenas em julho, por conta do frio — afirma.
As aulas de idioma, que começaram em maio, são ministradas toda terça e quarta-feira, na parte da tarde, no escritório da empresa — localizado em um edifício próximo aos estabelecimentos. Elas contam com a participação de cerca de 20% da equipe que atua nos cinco quiosques.
— As aulas ocorrem no horário de trabalho. Cada um tem o direito de sair para ir até o escritório em um desses dois dias da semana, entre 14h e 16h30 — explica Bruno, que contrata freelancers para trabalhar na ausência dos funcionários que optaram pelo curso.
Apesar da rotina parecer pesada, Marcos declara que tanto ele quanto outros alunos, sentem-se animados com a possibilidade de aprender um novo idioma. — Essa iniciativa veio para contemplar uma urgência nossa, porque não entender os clientes estava afetando o nosso desempenho no trabalho. Nós vamos para aula super empolgados, porque queremos conseguir conversar tranquilamente com as pessoas que atendemos — diz ele.
Inscrito nas aulas há quase dois meses, o supervisor conta que, embora ainda não consiga falar o idioma, pôde melhorar consideravelmente sua compreensão auditiva. — O cliente fala e eu consigo entender o que ele quer, posso atendê-lo bem — comemora ele, que está aprendendo uma nova língua pela primeira vez.
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Inicialmente, os alunos aprendem a escrever, compreender e falar, palavras relacionadas à esfera comercial, em especial ao comércio de bebidas. Depois de um período intensivo de aulas, caso a pessoa queira, poderá se aprofundar em outras temáticas.
A professora Geórgia Oliveira, responsável por ministrar as aulas de inglês para os funcionários dos quiosques, acredita que iniciativas como as de Bruno poderiam auxiliar no déficit do ensino do idioma no Brasil, como também na qualificação de profissionais de diversas áreas.
— Aprender um novo idioma pode mudar a nossa vida. Um funcionário que fala inglês pode ganhar muito mais, conseguir acessar novos espaços. O Rio de Janeiro tem condições de melhorar e deveria voltar seu olhar, principalmente, para as pessoas que trabalham no comércio — opina Geórgia.
Até mesmo na hotelaria, área que lida cotidianamente com pessoas estrangeiras, o percentual de funcionários que falam mais de um idioma ainda é baixo. Segundo dados do Sindicato de Hotéis e Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro, de somente 20% das pessoas que trabalham em hotéis são bilíngues.
Para a professora, a ação pode ser vista como uma forma de reconhecimento aos funcionários que estão no estabelecimento desde o princípio, e é capaz de garantir melhores desempenhos. — Nós sabemos que o mercado [de trabalho] é competitivo, que as empresas trocam de profissionais a todo momento. No entanto, fazer esse caminho inverso, de qualificar aqueles que estão contigo todos os dias, é demonstrar que pessoas não são descartáveis e que elas merecem a sua consideração.
Entre os meses de janeiro e agosto, o Brasil recebeu 6,52 milhões de turistas internacionais, um crescimento de 46,6% se comparado ao mesmo período do ano passado. De acordo com dados da ONU Turismo, o país superou o número de visitantes recebidos pelos vizinhos Chile — 5,2 milhões —, Uruguai e Peru — 3,3 milhões cada.
Grande parte dos estrangeiros que entraram no país escolheram o Rio como destino. De acordo com uma estimativa da Prefeitura do Rio, por meio da Riotur e das Secretarias Municipais de Desenvolvimento Econômico e de Turismo, apenas no mês de maio a cidade recebeu 130,6 mil turistas do exterior para o histórico show da cantora Lady Gaga na Praia de Copacabana. Quando comparado aos números de 2023, o crescimento de visitantes internacionais aumentou em quase 100% na capital fluminense, em 2025.
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— Nos últimos anos, o Rio vem se consolidando como uma cidade global, capital dos grandes eventos, da tecnologia, dos negócios, investimentos e do turismo de uma forma geral. O Rio de Janeiro tem investido em uma estratégia integrada que vai muito além das tradicionais ações de promoção turística — afirma o presidente da Riotur, Bernardo Fellows, sobre as estratégias pensadas para atrair visitantes.
Ciente das queixas a respeito da dificuldade que turistas estrangeiros enfrentam para se comunicar em algumas áreas da cidade, o presidente garante que a empresa tem trabalhado para fazer com que todos se sintam acolhidos e compreendidos durante sua estadia no Rio.
— A barreira linguística é um desafio que enfrentamos com muita atenção e inovação. Estamos investindo em tecnologia para oferecer informações multilíngues nos principais pontos turísticos e em nossos materiais de divulgação, garantindo acessibilidade e facilidade para turistas estrangeiros. Estabelecemos parcerias e temos feito um esforço contínuo para capacitar profissionais de atendimento ao público bilíngues e multilíngues.
*Estagiária sob a supervisão de Rafael Galdo