É a última moda que chegou de Nova York. Os luminosos painéis de LED que tornam a Times Square um dos principais cartões-postais do mundo serviram de inspiração para gestores públicos e empresários que querem criar áreas semelhantes em cidades brasileiras. Nesta semana, foi anunciado em Balneário Camboriú (SC) um espaço gastronômico que copiará a rua nova-iorquina ainda este ano. Nos casos de Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo, a justificativa para as Times Square nacionais é revitalizar os centros urbanos e melhorar a segurança — mas urbanistas e arquitetos duvidam que o objetivo será alcançado.
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Na cidade do litoral catarinense até agora conhecida como “Dubai brasileira” pelos seus arranha-céus, os organizadores do New York Food Lounge defendem que o novo edifício envolto por um painel de LED, que será posicionado na esquina da Avenida Brasil com Alvin Bauer, coloca o município “no mapa das experiências imersivas”. Os visitantes ainda poderão “interagir em tempo real, criando um verdadeiro espetáculo de luzes, tecnologia e imersão” graças a um aplicativo, prometem. A prefeitura informou que o empreendimento já possui a licença de operação.
Em Belo Horizonte, o prefeito Álvaro Damião sancionou no início do mês uma lei que autoriza telões na Praça Sete, símbolo do Hipercentro da capital mineira. A lei flexibiliza regras para a instalação de publicidade e libera a instalação dos painéis de LED na fachada de prédios em todas as esquinas da praça. As instalações podem ter de 3 a 40 metros de altura, mas não podem ocupar mais de 30% da fachada do prédio. Imóveis tombados vão precisar de aprovação do Conselho Deliberativo de Patrimônio Cultural.
As regras também preveem que a administração municipal tenha seu espaço na Times Square da capital mineira: está prevista a veiculação gratuita de uma hora diária de conteúdo nos painéis luminosos, a serem definidos pela prefeitura, divididos em inserções de 30 segundos. Para o autor do projeto sancionado por Damião, o vereador Wanderley Porto (PRD), a nova lei vai incentivar o turismo com a maior utilização do espaço no período noturno e proporcionar mais segurança.
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— O Centro de Belo Horizonte, principalmente no entorno da Praça Sete, vem se deteriorando a cada dia e se tornando mais vazio. Esse projeto pode agregar um valor ao trazer novas tecnologias, que é uma tendência mundial, além de embelezar aquele Centro tão deteriorado — defende.
A posição também é apoiada pela Câmara de Dirigente de Lojistas, para quem a iniciativa vai regeneração a área comercial do Hipercentro atraindo novos empreendimentos, especialmente bares e restaurantes.
Em Curitiba, o então prefeito Rafael Greca (PSD) assinou em novembro um decreto que autoriza um corredor luminoso na Rua Marechal Deodoro. Com a medida, empresas podem instalar publicidade e anúncios nas fachadas de imóveis de um trecho de 592 metros de extensão.
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A prefeitura aponta que a área foi escolhida por ser predominantemente comercial e a luminosidade dos anúncios “não seria um incômodo noturno”. Mesmo assim, entre os limites impostos, estão o controle da intensidade da luz das propagandas, para não atrapalhar motoristas e pedestres.
— A área compreendida pelo Distrito de Mídia tem o potencial de até 20 mil m² em publicidade, atraindo pedestres ao comércio, turistas para prestigiar o conjunto de luminosos. Tanto durante o dia quanto à noite — afirma o atual prefeito de Curitiba, Eduardo Pimentel (PSD).
Em São Paulo, uma proposta de painéis de LED é estudada pela prefeitura para um cruzamento que a música de Caetano Veloso tornou tão famosa no Brasil quanto a Times Square é no planeta: o das avenidas Ipiranga e São João. A avaliação está em estágio avançado, mas a gestão de Ricardo Nunes (MDB) informou que não foi realizado nenhum tipo de projeto executivo ou orçamento até o momento.
A solução nova-iorquina ainda não está acesa, mas as críticas a esses projetos sim. O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em Minas Gerais, Silvio Motta, afirma que a nova lei de Belo Horizonte desrespeita o patrimônio histórico e deve ter impactos negativos.
— As experiências de outros locais mostraram que painéis de publicidade geram forte poluição visual com consequências de afastamento das pessoas do local e deterioração do espaço — critica Motta, usando a luz original para defender seu ponto de vista. — Os exemplos estão na própria Times Square, que sofreu uma degradação urbana devido aos excessos de publicidade e somente recentemente vem passando por processos de requalificação com a retirada de carros e priorização de pedestres e não de engenhos de publicidade.
Coordenador do curso de Arquitetura da Universidade Veiga de Almeida, o arquiteto e urbanista Carlos Murdoch considera a alegação de que os painéis luminosos beneficiem a segurança “pura balela”.
— Os letreiros não promoverão diretamente a economia local e não são iluminação pública. Para revitalizar uma região precisamos de um conjunto de ações em diversas etapas. Não resolvemos problemas complexos com base em uma ação ou modo compartimentado — reclama.
Para o arquiteto e urbanista Rafael Brener, professor da PUC do Rio Grande do Sul, os projetos são tentativas de “formar caricaturas” de uma paisagem urbana de uma cultura distinta.
— Há a possibilidade de violação do que realmente é importante em termos de percepção de paisagem. Gera uma competição com as edificações históricas. Ao colocar telões, o trabalho de artistas locais também perde espaço na cidade — avisa.
Pós-doutora em Planejamento Urbano e Regional, a arquiteta e urbanista Cibele Vieira é menos crítica. Ela reconhece que letreiros de LED são associados à ideia de modernização e podem ser “muito potentes como forma de qualificar um local”. Mas lembra que é preciso ficar atento a possíveis danos a paisagens históricas.
— A poluição visual é um tema que precisamos levar em conta. As partes históricas são ainda mais sensíveis. É importante ter regras para publicidade e dimensionamento dos letreiros para que se perceba as fachadas — recomenda.
