A pouco mais de um ano das eleições gerais, temas que polarizam o Congresso entram no cálculo de eleitores que ainda não decidiram em quem votar para presidente. Aprovada na Câmara na semana passada, a chamada PEC da Blindagem virou alvo de críticas desse grupo, que enxerga na proposta um mecanismo para ampliar privilégios da classe política. Já o projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro, em discussão na Casa, divide opiniões: há quem veja mérito em pontos como a revisão de penas impostas aos condenados, mas também quem rejeite o endosso que pré-candidatos ao Planalto vêm dando à ideia de perdão.
- PEC da Blindagem: 83% das publicações são críticas a aprovação na Câmara, aponta levantamento
- Da anistia à dosimetria: Congresso busca aval do STF para votar na quarta projeto que reduz penas por golpismo
Esses indecisos, fundamentais para a vitória de Lula em 2022 e que serão novamente decisivos no próximo pleito, são o foco de uma série de reportagens do GLOBO. Até outubro do ano que vem, o jornal acompanhará as percepções de oito moradores de colégios eleitorais estratégicos. Na primeira rodada, eles falaram sobre os efeitos do tarifaço anunciado pelo presidente americano Donald Trump e a resposta do governo brasileiro à crise. Agora, opinam sobre a PEC da Blindagem e o plano de anistia. Apesar das divergências, o grupo converge num ponto: a prioridade é escapar da polarização entre esquerda e direita.
Em São Paulo, o atendente da Shopee Vinícius Ribeiro, de 31 anos, relata ter acompanhado de perto a votação do texto que estabeleceu a necessidade de aval do Congresso para a abertura de processos criminais contra parlamentares. Para ele, a PEC é “revoltante” e os que a defendem “são corruptos e não merecem o cargo que exercem”. A estudante de Psicologia Lorena Mendes, de 20 anos, moradora de Manhuaçu, em Minas, compartilha a visão:
— Com certeza, essa PEC vai proporcionar mais espaço para a impunidade. Modificam as leis para benefício próprio.
O mesmo tom é adotado por Lucas Santana, de 25 anos, dono de uma loja em Salvador. Ele classifica a medida como um “tiro no pé da direita”, que ajudou a articular o texto com o Centrão, e também como “munição” para a esquerda. Sobre a anistia, porém, o empresário tem posição diferente. A urgência da proposta foi aprovada na última quarta-feira e, por decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a relatoria ficou com Paulinho da Força (Solidariedade-SP). O deputado anunciou que deve transformar o texto em revisão das penas aplicadas a envolvidos no 8 de Janeiro, frustrando aliados de Jair Bolsonaro que defendem perdão “amplo, geral e irrestrito”. Essa mudança, no entanto, agrada eleitores como Lucas:
— Quem estava lá para destruir um patrimônio do nosso Brasil tem que pagar, mas não com a mesma pena que a de um bandido que rouba ou mata alguém.
Ele diz que nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem ajudado a articular uma anistia a Bolsonaro, entraram no seu radar. Tarcísio também é considerado por Walter Dias, de 69 anos, taxista na capital paulista. Ex-eleitor de Bolsonaro, ele defende que a escolha de um sucessor deveria ser “de alguém de fora da família dele”, rejeitando nomes como o de Michelle, Eduardo e Flávio Bolsonaro.
Já a advogada Luana Santos, de 34 anos, de Salvador, busca uma “terceira via”, depois de ter votado no PT contra Bolsonaro. Embora critique a PEC da Blindagem, ela avalia que a medida pode servir como freio a eventuais excessos do Judiciário.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/q/e/u8eNpbSbKQLhm6QH9tpg/luana-santos.jpg)
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/d/I/Mv5dxiRGCxnipCFNq4xw/celio-gomes.jpg)
No Rio, Célio Gomes, de 46 anos, é contrário à anistia, mas considera a pena aplicada a Bolsonaro no julgamento no STF — 27 anos e três meses — “muito pesada”. Quase metade dos brasileiros (49%), segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada na semana passada, compartilha dessa visão. O levantamento mostrou crescimento na percepção de que houve trama golpista (de 50% em agosto para 55% agora) e na crença de que Bolsonaro participou do plano (54% hoje, ante 52% no mês anterior).
O advogado Benedicto Patrão, de 46 anos, de Niterói (RJ), avalia que a análise judicial deixou “muito claro” que realmente houve “uma organização criminosa e uma tentativa efetiva de conquistar o poder”. Por isso, ele diz ser “radicalmente contra” qualquer proposta de anistia. A administradora Fabiana Gomes, de 48 anos, de Belo Horizonte, também rejeita a ideia. Para ela, a discussão é “completamente descabido”:
— Todos os candidatos que estão apoiando anistia demonstram falta de compromisso com o Estado Democrático de Direito.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/1/r/bbwJ5lQ7ajfEJrdU8h1w/fabiana-gomes.jpg)
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/p/o/YwiWR9QjOMT4krkgrwKg/benedicto-patrao.jpg)
A percepção divergente sobre as movimentações em Brasília é compatível com resultados de uma análise qualitativa feita pelo projeto Plaza Publica, dirigido pelo pesquisador Eduardo Sincofsky. Segundo ele, quando perguntados sobre o que esperam do país, os eleitores trocam expectativa por insegurança:
— O Brasil é visto como uma bomba prestes a estourar ou um grande ponto de interrogação, marcado por tensão e incertezas sobre o futuro. Se o país oferece instabilidade e turbulências diárias, as pessoas buscam formas e caminhos de superar isso.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/s/L/xaOAZZSiGkFkGKcQUasA/walter-dias.jpg)
“Entre (os pré-candidatos à Presidência) que estão aparecendo, o Tarcísio é o mais forte, mas acho que deve ir para a reeleição (em SP)”
Benedicto Patrão, advogado
“Sou contra a anistia porque repetiria os vícios da nossa história, de sempre anistiar situações de instabilidade política”.
Lucas Santana, dono de loja
“É válido livrar quem não fez vandalismo. Os que foram extremistas e vandalizaram devem pagar, mas com penas mínimas”
Fabiana Gomes, administradora
“Um presidente eleito de forma democrática tem que defender a democracia, não ser conivente com a rejeição ao resultado das eleições”.
“Uma vez que conseguiram comprovar (a culpa), não tem jeito, Bolsonaro tem que responder pelo que fez, mas a pena foi pesada”.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/B/r/L2x99OTBu66S4nlKuruQ/lorena-mendes.jpg)
“(A PEC) É uma nítida expressão de que o único objetivo dos políticos é beneficiar a si mesmos em vez de representar a população”.
“Acho uma pena a PEC estar sendo discutida agora, mas entendo que pode ser necessário por conta de possíveis excessos do Judiciário”.
Vinícius Ribeiro, atendente
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/U/9/rueylATfCckt2uri2Bdg/vinicius-ribeiro.jpg)
“A PEC é um escárnio. Onde já se viu um país em que os deputados e senadores podem votar para decidir se eles mesmos serão processados?