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A conclusão fazia sentido para quem já havia assistido aos trabalhos anteriores de Dunham, que muitas vezes se inclinam para o antirromântico. Na série de seis temporadas da HBO, “Girls”, um drama que marcou uma geração, a escritora, diretora e atriz ocasional via o amor com um olhar conjuntival — inquieto, áspero, irritado.
Mas o amor não havia desistido de Dunham. Logo após sua mudança, ela conheceu o músico Luis Felber. Ela não esperava nada sério. “Eu estava vendo isso como algo passageiro. É divertido sair com um garoto durante a pandemia”, disse Dunham em uma manhã estupidamente linda de junho, em Nova York. Ela estava errada. No outono daquele ano, eles se casaram.
Logo surgiram notícias de que Dunham e Felber estavam desenvolvendo uma série baseada em seu relacionamento. A série de 10 episódios, “Too much”, estreou na quinta-feira (10) na Netflix.
“Too much” é uma comédia romântica? Sim. É inspirada na própria história de Dunham? Claro. Mas “Too much” busca mais — inclusão, amplitude, uma revisão das histórias de amor que contamos e sobre quem contamos.
— Quero todas as pessoas em comédias românticas, porque essa é a vida real —disse Megan Stalter, a estrela de “Too much”, que se reuniu com Dunham e suas colegas de elenco Janicza Bravo e Emily Ratajkowski para falar sobre a série.
“Too much” se junta a comédias recentes como “Fleabag”, “Catastrophe”, “Insecure”, “Jane the virgin” e “Crazy ex-girlfriend” na ampliação do escopo da comédia romântica. Para as garotas que cresceram assistindo a “Girls” — incluindo Dunham, que tinha apenas 23 anos quando vendeu a série — a nova obra é uma oportunidade de reestruturar o gênero, que, apesar dos esforços recentes, continua estranhamente retrógrado.
O casamento heterossexual ainda é o objetivo? E as personagens, principalmente as mulheres, precisam se tornar as melhores versões de si mesmas para merecer amor? As garotas que não têm o emprego dos sonhos, que são ávidas, atrevidas e, ocasionalmente, autoras de escolhas terríveis, talvez também devessem ter um final feliz. Um em que até mesmo um quarteto de millennials cínicos possa acreditar.
Em uma sala de conferências iluminada e repleta de petiscos nos escritórios da Netflix em Manhattan, Dunham, Bravo, Ratajkowski e Stalter conversavam animadamente enquanto pegavam garrafas de água e se acomodavam em sofás e cadeiras. Bravo sugeriu novos arranjos de assentos. Ratajkowski discutiu astrologia. Stalter brincou sobre os recepcionistas paqueradores do hotel.
— Os caras do hotel estão todos tentando dormir com a gente — ela insistiu.
Os relacionamentos entre as personagens femininas não são tão casuais ou aconchegantes, pelo menos no início. Stalter, atriz e comediante mais conhecida por “Hacks”, estrela como Jessica, uma produtora audiovisual que se muda de Nova York para Londres após um desastre romântico. Dunham interpreta Nora, irmã de Jessica, que se separou do marido poliamoroso (Andrew Rannells). Bravo interpreta Kim, uma colega rude de Jessica que se apaixona por outra colega de trabalho. E Ratajkowski interpreta Wendy, uma influenciadora digital de tricô e namorada do ex de Jessica.
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Stalter e Ratajkowski estão na casa dos 30, Bravo na casa dos 40, Dunham no meio. Quando crianças, todos gostavam de comédias românticas — “Splash”, “Simplesmente amor”, “O diário de Bridget Jones”, o cânone de Nora Ephron. Elas assistiam com entusiasmo, sem hesitar. Mas, quando adultas, começaram a ter dúvidas.
Tipo, o vilão de “O casamento do meu melhor amigo” é mesmo o noivo? Bridget Jones era realmente considerada gorda? Uma “comédia de coma” como “Enquanto você dormia” é mesmo ética? Hugh Grant, em “Um lugar chamado Notting Hill”, era um tipo de stalker? Por que as mulheres eram constantemente obrigadas a competir? Homens héteros são aceitáveis?
Mesmo que o espectador deixasse essas preocupações de lado, essas comédias eram frequentemente limitadas e limitantes. Com poucas exceções, as heroínas desses filmes eram brancas, héteros e de corpo esbelto. E se elas frequentemente tinham cabelos crespos nas pontas (neuróticas, inseguras), esse cabelo crespo era alisado com secador antes dos créditos finais.
Mas a vida nem sempre é assim. Ou não é só assim. O amor pode surgir quando você menos espera. Nem sempre precisa ser conquistado.
Essa foi a experiência de Dunham. Uma prodígio de Hollywood que fez seu primeiro filme, “Mobília mínima” (2010), logo após a faculdade e vendeu “Girls” logo depois, enfrentou problemas de saúde e um término doloroso antes de se mudar para Londres — ela se apaixonou pela Grã-Bretanha enquanto filmava sua comédia medieval de amadurecimento de 2022, “Catarina, a menina chamada passarinha. Ela não estava procurando por amor.
Ela o encontrou de qualquer maneira. E ela queria fazer uma comédia romântica que refletisse essa realidade — a história de uma mulher que, como disse Dunham, “vive naquela confusão de: eu sei quem eu sou e estou bem sozinha, mas também não seria bom ter alguém para tomar sopa à noite?”
Embora “Too much” dialoge com comédias românticas clássicas — os títulos dos episódios incluem “Pity Woman”, “To Doubt a Boy” e “Enough Actually” —, há diferenças maiores e menores. O elenco é um pouco mais diverso, os tipos físicos mais variados. Embora Jessica inicialmente se sinta competitiva com Wendy, as mulheres acabam encontrando uma causa comum.
E “Too much” permite que Jessica viva suas imperfeições, não necessariamente as corrija. Ela não precisa ser um anjo, uma garota dos sonhos ou uma santa para ser amada. Seu novo namorado, Felix, um músico interpretado pelo ator inglês Will Sharpe (da segunda temporada de “The White Lotus”), diz que ela é “demais” no bom sentido — “na medida certa e depois um pouquinho mais”.
— O que te excita é ser reconhecidamente complexo — disse Bravo, em tom de aprovação.
Dunham já foi chamada de “exagerada”. Esse “exagerado” nunca a incomodou, mas, como ela mesma observou, frequentemente incomodava outras pessoas. O que torna “Too much”, a série e o título, uma espécie de reivindicação.
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— Eu simplesmente tenho uma incapacidade de não continuar sendo eu mesma — disse ela. — E o denominador comum de todas as mulheres que amo é que elas são, à sua maneira, demais.
Bravo concordou. O que significa ser demais?
— É simplesmente acordar e se mover pelo mundo — disse ela. — Eu fiz isso esta manhã. Estou fazendo agora. Estamos todas nesta sala porque somos exatamente demais. Se não tivéssemos sido demais, não estaríamos aqui.
“Too much” é, reconhecidamente, demais. Por ser uma série e não um filme, Dunham conseguiu escrever arcos para a maioria dos personagens, mais velhos e mais novos, héteros e queer.
Rita Wilson, veterana de comédias românticas como “Sintonia de amor”, havia desistido de interpretar o que descreveu em um telefonema como “a mãe afetuosa, gentil e cuidadosa”. Mas, tendo trabalhado com Dunham em “Girls”, ela sabia que sua personagem, a mãe de Jessica e Nora, não seria uma mãe típica. Com certeza, Lois curte um romance próprio.
— Me sinto livre trabalhando com Lena — disse Wilson. —Me senti assim em ‘Girls’ e em ‘Too much’.
Rhea Perlman, fã de “Girls” (e lenda de “Cheers”) que interpreta a avó de Jessica e Nora, concordou. “Lena tem um jeito de criar e dirigir que faz as pessoas se sentirem livres”, disse ela.
— Talvez algumas pessoas se desinteressassem por tanto sexo e tanta conversa sobre sexo —continuou Perlman. — Mas ela tornou tudo tão engraçado e tão real.
De forma significativa, “Too much” não é “Girls”.
“Girls”, argumentou Dunham, era sobre sexo. “Too much” é sobre se apaixonar. E embora tenha sua cota de momentos desconfortáveis, esta nova série troca o hiper-realismo de “Girls” por um olhar mais indulgente.
— Há elementos do mundo da comédia romântica e dos sonhos — explicou Dunham.
Jessica não é apenas uma versão mais velha de Hannah Horvath, a personagem que Dunham interpretou em “Girls”. Dunham, fã do stand-up lindamente descontrolado de Stalter, disse que sempre a imaginou nesse papel. Ela reconhece suas limitações como atriz. “Eu amo atores; sou obcecada por eles”, disse ela. “E consigo perceber a diferença entre o que eu faço e o que eles são capazes de fazer.”
— Meg é tão doce, tão presente e tão carinhosa que, mesmo quando Jessica faz coisas atrevidas, é cativante — disse Dunham durante um almoço com batatas fritas e guacamole com Stalter mais tarde naquele dia de junho.
Stalter, que disse que “Girls” era seu “programa favorito de todos os tempos”, insistiu que Hannah também é cativante. “Sou uma defensora da Hannah”, disse ela.
Em “Girls”, Dunham deliberadamente mostrou a si mesma e aos colegas de elenco com uma aparência “desleixada, dura ou de ressaca”, muitas vezes em macacões questionáveis. “Agora estou na minha fase em que só quero pessoas interessantes, com aparências diferentes, para ficarem bonitas”, disse ela. Durante uma cena em que Jessica está no hospital, Dunham instruiu o cabeleireiro do set a soltar o cabelo de Stalter.
— Eu pensei: ‘Dê um pouco de volume a ela'” — lembrou Dunham. —Vamos nos divertir aqui. Isso não é “Réquiem para um sonho”.
Stalter está lindamente vestida e impecavelmente arrumada o tempo todo. Jessica é atraente e sabe disso. Como ela diz em um dos primeiros episódios: “Eu sou [palavrão] irresistível”.
A ênfase da série na beleza se estendeu às cenas de sexo, que Dunham queria que parecessem amorosas. “Foi algo novo para mim”, disse ela. Depois de filmar uma cena entre Kim, vivida por Bravo, e sua paixão do trabalho, interpretada por Daisy Bevan, ela achou a filmagem muito estranha e superficial.
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— Eu pensei: ‘Não, isso é lindo, delicado e novo — Dunham se lembra de ter pensado. —Então, vamos nos aproximar desses rostos e realmente nos aprofundar no que eles pretendem fazer. Ela refilmou.
Seria indecoroso dizer como “Too much” termina, embora qualquer pessoa que tenha assistido a algumas comédias românticas possa arriscar um palpite razoável. Esse final pode parecer convencional. Ou talvez seja simplesmente generoso, sugerindo que mulheres complicadas — como Jessica, como Dunham, como qualquer pessoa naquela sala de conferências — também merecem contos de fadas.
A série pode ter começado com a história de Dunham, mas ela tentou torná-la abrangente o suficiente para que quase qualquer pessoa pudesse se imaginar no final feliz de Jessica. Era isso que Stalter queria quando era menina e assistia a comédias românticas. É o que ela quer agora.
— Você quer viver a fantasia— disse ela. —Você quer se ver.