O Brasil soma mais de 500 aeroportos públicos, mas só 137 registraram voos comerciais em julho, o que significa queda em relação aos 155 de igual mês de 2024 e aos 162 do mesmo período de 2023. Em um par de anos, o recuo supera 15%. Assim, apesar da expansão no volume de passageiros — com recorde histórico de 11,6 milhões em julho —, as dificuldades enfrentadas pela aviação civil estão restringindo a cobertura da malha de voos.
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A oferta de voos pelas companhias aéreas é permanentemente ajustada conforme demanda, sazonalidade e outros fatores. A retração de destinos, porém, ocorreu também em março, quando 154 aeroportos registraram pousos e decolagens de linhas comerciais, segundo o Relatório de Oferta e Demanda da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em março de 2023 eram 163.
Desde a pandemia, as três grandes empresas aéreas do país recorreram ao Chapter 11, o equivalente nos EUA à recuperação judicial no Brasil. A Latam ingressou em 2020, concluindo a reestruturação em dois anos. A Gol percorreu o trâmite entre maio de 2024 e junho passado. Já a Azul iniciou o processo no fim de maio.
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Todas chegaram ao Chapter 11 com alto endividamento e necessidade de capital para manter as operações e fazer frente a obrigações, impactadas por prejuízos na pandemia. Para obter recursos e cortar débitos é preciso reduzir custos e reajustar a frota. Isso bate na oferta de voos e destinos. Latam e Gol passaram por isso. Depois, voltaram a crescer. Agora, é a vez da Azul.
Pelo plano de recuperação, a Azul busca US$ 1,6 bilhão em financiamento e até US$ 950 milhões em aportes, com foco em cortar mais de US$ 2 bilhões em dívidas. Entre as medidas para isso está a redução em 35% da frota futura.
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Em fevereiro e março, a empresa suspendeu operações em 14 aeroportos. Em 13 deles, era a única empresa voando. Explicou que havia desequilíbrio entre receita e custos nesses mercados. E, em paralelo,ampliou frequências em outros que permitem uso mais eficiente da frota.
‘Interior é vulnerável’
Na apresentação de resultados do segundo trimestre, a companhia destacou que a revisão da malha é feita para “maximizar a rentabilidade e a geração de caixa”. O foco está em ter malha única, “sem concorrência direta em 83% das rotas, o que representa mais de 70% da receita”, constituindo vantagem competitiva. Dos 137 aeródromos com voos em julho, a Azul atuava sozinha em mais de 47% deles.
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— A Azul, por ser monopolista em diversas rotas, causa dependência das localidades a sua malha aérea. Ajustes afetam a forma como o interior do Brasil é servido, o que mostra uma sensibilidade maior na recuperação judicial da companhia — diz Alessandro Oliveira, especialista do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). — O interior é muito vulnerável a esse tipo de choque, e aí não é só a recuperação judicial, mas quando o dólar e o preço do petróleo sobem, quando a empresa tem de trocar a aeronave da rota.
A Azul explicou que toda adequação é avaliada para “garantir a sustentabilidade de suas rotas, mantendo o equilíbrio entre oferta e demanda”, considerando fatores como aumento de custos operacionais e o processo de reestruturação”. E que o ajuste de malha permite chegar a novos destinos. Na próxima alta temporada, ela terá 3,6 mil voos adicionais. Do início do ano para cá, porém, a malha encolheu de mais de 160 para 137 destinos.
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Há limitações comuns a todas as empresas, como o alto custo de operação no país e a escassez de aeronaves e peças de reposição no mercado global, sob efeito do período da Covid-19. Com a demanda aquecida, aviões estão lotados, com ocupação média perto de 86%, o que pressiona tarifas.
Termômetro para o mercado
Em julho, a inflação subiu 0,26%, puxada pela alta na energia elétrica. Mas o grupo de Transportes acelerou (0,35%), com o aumento das passagens aéreas, de 19,92%, em período de férias. Na prévia de agosto, apresenta recuo.
— O país deveria ter mercado regional mais atrativo, pela dimensão, sobretudo no Norte. Por que não temos? A economia não vai bem para que as pessoas tenham dinheiro para comprar passagens. Elas são caras pela alta exposição das empresas ao dólar, à variação do preço do combustível, a carga tributária, com o agravante da judicialização — diz Fabio Falkenburger, sócio do Machado Meyer Advogados.
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Para incentivar a aviação regional, diz ele, seria preciso mexer no mercado como um todo, e Latam e Gol teriam de contar com aviões de menor porte. Na visão dele, o plano do governo de licitar 19 pequenos aeródromos será “um termômetro” para medir as perspectivas do segmento. E ressalta que pequenas empresas saem de cena porque o negócio tem margens “muito apertadas”.
Custos atrelados ao dólar
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) sublinha que as companhias brasileiras têm 60% de custos atrelados ao dólar. Há outros entraves como o preço do combustível (QAV) e o impacto da alta da alíquota do IOF, que incide sobre arrendamento e manutenção de aviões.
O crescimento da aviação “depende de políticas que viabilizem a inclusão da classe C no transporte aéreo e a implementação de medidas estruturantes que apontem para a redução dos custos”, diz a Abear.
Para as cidades que deixam de ser atendidas por voos comerciais, o cenário é “muito ruim”, avalia Jeanine Pires, ex-presidente da Embratur:
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— As pessoas que trabalham, moram e visitam, dependendo da cidade, criam o hábito de usar o avião. Quando a cidade deixa de ser atendida, é um retrocesso.
‘Região fica isolada’
Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, é uma das 13 cidades agora sem voos comerciais.
— Tínhamos voos diários para o Rio, depois ficamos com os diários para Campinas (da Azul). E hoje não temos mais nenhum voo e, sem perspectiva de retorno, posso afirmar que a região fica isolada. Eventos, convenções e seminários estão sendo cancelados, representando prejuízo — diz Edvar Júnior, subsecretário de turismo do município.
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Ele enviou ofícios à Azul solicitando a volta dos voos Campos-Rio, encerrados em 2023, além de um pleito ao ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Na semana passada, no primeiro festival internacional de cinema da cidade, conta que recebeu queixas dos patrocinadores sobre a dificuldade de chegar no local, a 280 quilômetros da capital.
— Não temos mais aeroporto no interior do Estado do Rio com voo para a capital ou outro lugar. Isso prejudica o desenvolvimento do estado. Em Campos, tem o crescimento com o Porto do Açu, e no momento que a Petrobras anuncia R$ 23 bilhões de investimento na Bacia de Campos.
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Fabio Paes, proprietário da Nutrimed, empresa de nutrição enteral e parenteral, usava os voos de Campos para Campinas semanalmente. Com o fim do serviço, o trajeto que fazia em uma hora agora leva cerca de seis, pois vai de carro até o Rio para depois pegar o avião para Campinas.
— Perdeu-se a agilidade em se fechar negócios — conta.
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Mônica Bivar também está entre os afetados pela paralisação dos voos. Com duplo domicílio, no Rio de Janeiro e em São João da Barra, onde é tabeliã de cartório, ela utilizava semanalmente os voos de Campos para a capital.
— Eu era usuária regular e agora preciso enfrentar 4 horas e meia de carro — disse ela — Eu peguei o ônibus uma vez e levou quase sete horas para chegar lá. Eu não sabia o que fazer, porque tinha marcado reunião com o presidente da OAB de Campos, tive que pedir, pelo amor de Deus, para eles esperarem.
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Alíquota diferente para aviação regional
O Ministério de Portos e Aeroportos afirma que “é necessário desenvolver o transporte aéreo, a infraestrutura aeroportuária e aeronáutica”. Entre as iniciativas nessa direção, aponta que haverá alíquota diferenciada para a aviação regional, prevista pela Reforma Tributária, além das linhas de crédito para as companhias do setor, que terão R$ 4 bilhões em recursos, perto de serem implementadas. Esses empréstimos pedem entre as contrapartidas aumento em rotas de e para a Amazônia Legal e o Nordeste.
O Ministério frisa haver discussões para reduzir o custo do QAV, o peso do IOF e do Imposto de Renda (IRRF) sobre o leasing de aeronaves. Estão sendo feitos aportes para modernização de aeroportos.