Como pesquisador de pós-doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, em meados da década de 1980, Devoret ajudou a demonstrar que as propriedades estranhas e poderosas da mecânica quântica — a física do reino subatômico — também poderiam ser observadas em circuitos elétricos grandes o suficiente para serem vistos a olho nu.
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Essa descoberta, que abriu caminho para os telefones celulares e os cabos de fibra óptica, pode ter implicações ainda maiores nos próximos anos, à medida que pesquisadores constroem computadores quânticos potencialmente muito mais poderosos do que os sistemas de computação atuais. Isso poderia levar à descoberta de novos medicamentos e vacinas, além de possibilitar a quebra das técnicas de criptografia que protegem os segredos do mundo.
Na última quarta-feira, Devoret e seus colegas de um laboratório do Google perto de Santa Bárbara, na Califórnia, afirmaram que seu computador quântico executou com sucesso um novo algoritmo capaz de acelerar avanços na descoberta de medicamentos, no design de novos materiais de construção e em outras áreas.
Aproveitando os poderes contraintuitivos da mecânica quântica, a máquina do Google executou esse algoritmo 13 mil vezes mais rápido do que um supercomputador de ponta realizando um código semelhante no campo da física clássica, segundo um artigo escrito pelos pesquisadores do Google na revista científica Nature.
— No futuro, quando tivermos computadores quânticos maiores, seremos capazes de realizar cálculos que seriam impossíveis com algoritmos clássicos — disse Devoret, que se juntou ao Google em 2023.
A computação quântica ainda é uma tecnologia experimental. Mas o novo algoritmo do Google, chamado Quantum Echoes, mostra que os cientistas estão aprimorando rapidamente as técnicas que podem permitir que os computadores quânticos resolvam problemas científicos que nenhum dispositivo de computação tradicional jamais conseguiria.
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Dentro de um computador clássico, como um laptop ou um smartphone, os chips de silício armazenam números como “bits” de informação. Cada bit representa um 1 ou um 0. Os chips realizam cálculos manipulando esses bits — somando-os, multiplicando-os e assim por diante. Um computador quântico, por outro lado, realiza cálculos de maneiras que desafiam o senso comum.
De acordo com as leis da mecânica quântica — a física do mundo extremamente pequeno —, um único objeto pode se comportar como dois objetos separados ao mesmo tempo. Ao explorar esse fenômeno estranho, os cientistas podem construir bits quânticos, ou “qubits”, que mantêm uma combinação de 1 e 0 simultaneamente.
Isso significa que, à medida que o número de qubits aumenta, o poder de um computador quântico cresce de forma exponencial.
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Com dois outros pesquisadores em Berkeley em meados da década de 1980 — John M. Martinis e John Clarke —, Devoret demonstrou que as propriedades contraintuitivas da mecânica quântica não se limitavam às partículas subatômicas. Elas também apareciam em circuitos elétricos que podiam ser usados para construir chips de computador.
— Mostramos, pela primeira vez, que era possível construir átomos a partir de circuitos elétricos — disse Devoret.
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A descoberta lançou as bases para os “qubits supercondutores”, que o Google, a IBM e muitas outras empresas utilizam para alimentar seus computadores quânticos. Isso envolve resfriar certos metais a temperaturas extremamente baixas, de modo que exibam o mesmo comportamento estranho das partículas subatômicas.
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Os computadores quânticos atuais ainda cometem muitos erros. Mas, graças aos recentes avanços em correção de erros — uma forma de reduzir essas falhas —, muitos cientistas agora acreditam que a tecnologia poderá cumprir sua promessa até o final desta década.
O Google anunciou no ano passado que havia construído um computador quântico capaz de realizar, em menos de cinco minutos, um cálculo matemático particularmente complexo em um teste projetado para medir o avanço da tecnologia. Um dos supercomputadores não quânticos mais poderosos do mundo não conseguiria concluir essa tarefa nem em 10 septilhões de anos — um período que supera a idade do universo conhecido em bilhões de trilhões de anos.
Esse momento de “supremacia quântica” mostrou que a tecnologia estava começando a ultrapassar as capacidades dos computadores clássicos. Mas o cálculo realizado pela máquina do Google, baseada em um chip chamado Willow, não tinha utilidade prática.
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O Google e seus inúmeros concorrentes ainda trabalham para alcançar o momento em que um computador quântico possa superar o desempenho de um computador clássico em tarefas realmente importantes, em áreas como química e inteligência artificial.
— Para que a promessa dos computadores quânticos se concretize, precisamos produzir um novo medicamento que só conhecemos graças a eles — disse Prineha Narang. — Aí sim poderemos dizer que todo o investimento valeu a pena.
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O novo algoritmo do Google representa um passo nessa direção. Em outro artigo publicado na quarta-feira no site de pesquisas arXiv, a empresa mostrou que seu algoritmo pode ajudar a aprimorar o que é conhecido como ressonância magnética nuclear (NMR, na sigla em inglês) — uma técnica usada para compreender a estrutura de moléculas minúsculas e como elas interagem entre si.
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A NMR é uma parte essencial dos esforços para desenvolver novos medicamentos para combater doenças e novos materiais usados na construção de tudo, de carros a edifícios. Ela pode ajudar a compreender o mal de Alzheimer ou impulsionar a criação de novos metais, explicou Ashok Ajoy, professor assistente de química em Berkeley, especialista em NMR, que colaborou com os pesquisadores do Google no novo estudo.
— Isso ilustra o poder de um computador quântico. Ainda estamos nos estágios iniciais, mas as perspectivas são empolgantes — disse ele.

