O engenheiro Ozires Silva nunca se esqueceu daquela mãozinha do destino. Em abril de 1969, o avião do então presidente general Artur da Costa e Silva, impedido de pousar em Guaratinguetá devido a um denso nevoeiro, mudou sua rota para São José dos Campos. O então major Ozires era a maior autoridade do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e, assim, caberia a ele receber a inesperada visita de Costa e Silva, o segundo presidente do período da ditadura militar.
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Sem gabinetes, protocolos ou intermediários, aquela seria uma oportunidade única para Ozires conversar com a maior autoridade do país sobre a criação de uma indústria brasileira de aviões. A ideia havia taxiado no CTA após o voo inaugural, em 1968, do protótipo do Bandeirante, que seria o primeiro avião comercial 100% brasileiro. Mas o sonho de todos os aeronautas do país não saía do chão por ceticismo tanto dos militares, quanto do governo federal da época.
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Durante a hora em que Costa e Silva esteve no CTA, Ozires percorreu os hangares e vendeu ao presidente a ideia de fabricação do Bandeirante para a Força Aérea Brasileira (FAB). Costa e Silva prometeu “examinar a ideia”. No dia 26 de junho daquele mesmo ano, Ozires foi a Brasília explicar para uma turma de ministros o projeto do avião brasileiro. O então titular da Fazenda, Delfim Netto, de início relutante por causa dos custos, acabou se animando.
“E qual seria o nome da nova empresa?”, perguntou Delfim. “Embraer: Empresa Brasileira de Aeronáutica” respondeu Ozires, hoje com 94 anos de idade.
Nascia ali, da obstinação de um grupo de militares do CTA e da quebra de hierarquia de um deles, aquela que se tornaria a terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo. Essas e outras histórias estão em “Ozires Silva: um líder da inovação”, biografia do criador da Embraer, escrita pelo engenheiro Decio Fischetti. “Ozires integra a Santíssima Trindade da Aeronáutica brasileira, junto com Santos Dumont e o brigadeiro Casemiro Montenegro Filho, criador do ITA”, disse Fischetti ao GLOBO na época do lançamento do livro, em 2012.
Além de criador da Embraer, Ozires foi o primeiro presidente da empresa, cargo que ocupou durante 17 anos. Ele também presidiu a Petrobras no governo José Sarney (1986 a 1988), virou o superministro da Infraestrutura no governo de Fernando Collor (1990 a 1991), tornou-se o articulador da privatização da Embraer, em 1994, e foi presidente da Varig (200-2002).
O livro tem episódios inusitados. Um deles ocorreu em 1986, quando então presidente Sarney o convocou a Brasília para pedir que assumisse a Petrobras no lugar de Helio Beltrão. Na volta para São José dos Campos, pilotando o próprio avião Xingu da Embraer, ele viveu um episódio conhecido como a “Noite dos Ovnis”. Naquele 19 de maio, uma segunda-feira, 21 objetos não identificados, alguns mais de cem metros diâmetro, foram avistados no país.
“Vi um corpo bastante alongado, talvez da cor de uma lâmpada fluorescente. Circulei várias vezes com o meu avião, olhando para baixo e, sinceramente, não sei dizer o que era”, conta o piloto no livro. Os OVNIs foram avistados em São Paulo, Rio, Minas e Goiás. No dia seguinte, na coletiva de imprensa sobre a nomeação de Ozires para a Petrobrás, nenhum jornalista queria saber de petróleo. Todas as perguntas se referiam a discos voadores.
“Foi curiosíssimo, pois, felizmente, embora meu conhecimento sobre petróleo fosse acadêmico e distante, as perguntas foram só sobre os UFOs”.

