Uma vinícola pequena e jovem, criada por três amigos há 15 anos, arrebatou críticos e tem obtido pontuações elevadas com vinhos feitos com uvas incomuns na Argentina. A Ver Sacrum fica na região de Los Chacayes, no Vale de Uco, em Mendoza, e usa tecnologias de ponta. Ao mesmo tempo, possui uma sede que foi construída no século XIX. A inspiração foi a vinícola espanhola Comando G, que inovou com vinhos biodinâmicos:
— Estávamos muito cansados dos vinhos fotocopiados que a Argentina produzia há 15 anos. Éramos esquisitos ou os cachorrinhos verdes, como nos chamavam. Cachorros verdes são estranhos. A Comando G faz um trabalho espetacular e nos perguntamos por que não temos isso aqui? Sim, essa foi a inspiração. O desafio era tentar fazer vinhos etéreos ou aéreos numa região muito quente e com uma cultura muito marcada de sobreextração e sobrematuração. Não vendemos uma única garrafa na Argentina nos primeiros anos, ninguém entendia o que estávamos fazendo. Nós bebemos todas — contou o produtor Eduardo Soler, em visita ao Rio para apresentar os vinhos.
Soler afirma que a Argentina historicamente sempre teve um mercado interno muito grande para o vinho.
— Na década de 1960, vendia 96 litros por pessoa por ano. Foi um recorde mundial. Nem Portugal, que é o primeiro do mundo hoje chega a e esse valor. E Portugal é o maior (em 2023, consumiu 60,5 litros por pessoa, segundo a Organização Internacional da Vinha e do Vinho). Consequentemente, a Argentina nunca teve uma história como país exportador de vinho, como o Chile. Mas depois de crises econômicas e da evolução da indústria, o país mudou também. A indústria converteu-se nas décadas de 80 e 90 e passou a produzir menos quantidade, com mais qualidade, e passou a exportar.
Eduardo Soler analisa, no entanto, que seu país não sabia o mundo estava bebendo.
— Os principais grupos vitivinícolas começaram a contratar consultores que vinham de fora para nos ensinar que tipo de vinho tínhamos que fazer para vender no estrangeiro. Principalmente nos Estados Unidos, que sempre foram um mercado muito grande para todos os produtores do mundo. Esses consultores aparecem na Argentina num momento em que Bordeaux passava por um fenômeno chamado Parkerização dos vinhos. Robert Park era um ex-advogado que se tornou crítico de vinhos, começou a criticar, a dar pontos aos vinhos da Califórnia e de Bordeaux. Se você tinha pontuações altas, vendia muito mais.

Pequena vinícola conquista pontuações com uvas incomuns na Argentina
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Soler conta que, em função das avaliações de Parker, Bordeaux começou a mudar seu estilo tradicional.
— Bordeaux sempre foi mais leve, mas passou a produzir vinhos mais encorpados e mais alcoólicos. Precisava de muito mais carvalho. E os vinhos argentinos sempre tiveram a França como referência. Isso passou a orientar a indústria, principalmente o vinho que se dizia premium. Muitas décadas desse estilo se passaram ali. Infelizmente, foi um estilo mal interpretado. Especialmente porque Mendoza é uma região solar, com mais de 300 dias de sol por ano. Todas aquelas técnicas extrativas, remontagem, maceração longa, foram inventadas para climas mais frios, onde as uvas têm que ser ajudadas com esse tipo de técnicas para tornar os vinhos mais expressivos.
Soler explica que, neste contexto, a Argentina saiu para exportar e escolheu o Malbec como bandeira e saiu para o mundo com isso.
— Depois de muitas décadas, infelizmente, ainda temos esse tipo de estilo. Está mudando, mas ainda existe. As pessoas já estão cansadas de beber vinhos com 15 graus, 15,5 graus de álcool. Você toma uma taça e depois não termina a garrafa. Nosso projeto nasceu naquela altura, em que as pessoas já estavam saturadas desse tipo de vinho.
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Soler conta que, no início do projeto, os três sócios tinhas outros empregos. Hoje, ele está 100% dedicado à Ver Sacrum.
— Também era esquiador profissional e alpinista. Eu tinha uma grande empresa de serviços de montanha para expedições, principalmente no Parque Aconcágua, que é a montanha mais alta da América do Sul. Vendi o negócio para uma empresa americana. Nos vimos com um período sabático e uma quantia em dinheiro para recomeçar — revela.
O produtor afirma que é autodidata, sem formação acadêmica em enologia. Seus sócios são agrônomos.
— Eu gostava de vinho. Sempre quis ser agricultor. Foi ideal. Tinha todos os meus amigos no mundo do vinho. Foi uma transição natural. Comecei a estudar sozinho, a trabalhar em diversas vinícolas, limpando tanques, vendo o processo do zero. E trabalhando muito na área também. Aprendi muito com isso. Tive ótimos professores que me ensinaram muito também nas vinícolas. Não paro de estudar e aprender.
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A vinícola faz vinhos com uvas mediterrâneas, como Marsanne, Roussanne, Grenache, Mencía e Nebbiolo. Nenhuma delas é comumente usada na Argentina. Toda a produção sai de apenas 3,5 hectares. Soler conta que a vinícola é muito pequena.
— Somos microscópicos. Produzimos 90 mil garrafas de 11 rótulos diferentes. E temos uma linha chamada Irrepicable, que fazemos uma vez na vida e descontinuamos, vamos criando um vinho novo — revela.
Nos rótulos, a inspiração vem da art nouveau, que também foi um movimento inovador:
— Para os artistas, foi uma nova arte, para nós é o novo vinho. Por isso, nossos rótulos vão por aí também. E às vezes colocamos uma poesia no contrarrótulo.
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Entre os vinhos apresentados no Rio por Eduardo Soler, está o Ver Sacrum Geisha Dragón del Desierto (94 pontos Descorchados e 91 pontos Robert Parker), um blend de Viognier, Marsanne e Pedro Ximenez. Dez por cento do vinho é amadurecido em carvalho sob um véu de flor, semelhante ao usado na produção de jerez. Vai bem com carnes brancas, como aves e pescados, frutos do mar, carnes suínas, pratos da culinária asiática e queijos de massa mole como o de cabra.
— O véu de flor traz aromas e sabores de maçã: verde, vermelha, no forno, em doce. Também de frutos secos, como nozes, amêndoas, pistaches, castanha. Também faz com que o vinho tenha uma sensação um pouco salgado na ponta da língua. É um vinho muito complexo, tem uma espinha dorsal importante, uma acidez importante.
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O tinto Ver Sacrum Monastrell (92 pontos Adega) revela notas de frutas pretas maduras como cereja preta, além de cacau e tostado. Harmoniza com carnes vermelhas grelhadas e assadas, vegetais grelhados e assados, carnes suínas, cogumelos e queijos duros.
— Esse é um vinho hoje muito encontrado em Valência, na Espanha. Mas é um Monastrell muito escuro, concentrado, com 15, graus de álcool. Aqui quisemos fazer um Monastrell de altura, mais leve. Essa uva tem aromas de flores, frutas, especiarias, mas um lado herbáceo também. É o único vinho que fermentamos o cacho inteiro. Não passa por carvalho. É um vinho que adoro. É fantástico, mas difícil de fazer, é um desafio.
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O Ver Sacrum Gloria (92 pontos Adega) é elaborado com Garnacha e possui boa presença de frutas como framboesa e cranberry. Mescla passagem em ânfora e barricas de carvalho. Um vinho com muitas nuances e camadas, que combina com carnes vermelhas assadas, carnes de caça, massas com ragu de carne, queijos maduros e cordeiro:
— Se você me pede para eu dizer que vinho explica o que é a Ver Sacrum, provavelmente eu escolheria o Gloria. Ele sintetiza tudo, muito do que a gente quer comunicar. É um vinho muito preciso, profundo, técnico, e, ao mesmo tempo, tem muita alma. É um vinho que está vivo.
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Já o tinto Irrepicable “La Noche que se Hunde” é um blend secreto, que celebra a liberdade poética da equipe enológica da vinícola. Combina com carnes vermelhas assadas, carnes de caça, massas com ragu de carne, queijos maduros e cordeiro.
— Ele pertence a uma linha de vinhos que constituem uma espécie de edição especial. É um vinho que fazemos apenas uma vez e que não voltaremos a repetir. A cada dois anos mudamos o vinho, o rótulo ou o nome da linha. Alternamos entre um tinto e um branco. Fazemos cerca de 200 microfermentações para experimentar algumas coisas. A cada dois anos, escolhemos os melhores brancos e tintos e fazemos um vinho. Não comunicamos as uvas. Um pouco de mistério vem bem. Ironicamente, eles são muito bem avaliados, mas nunca mais o faremos. Capricho, né?
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Os preços são: Ver Sacrum Geisha Dragón del Desierto (R$ 276); Ver Sacrum Monastrell (R$ 219); o Ver Sacrum Gloria (R$ 409); e o Irrepicable “La Noche que se Hunde” (R$ 544).
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