A pedagoga Silvia Guimarães, a Shubi, de 49 anos, é uma atleta multiesportiva, que se destacou em corridas de aventura e ultramaratonas, dona de um acampamento de aventura infantil em Juquitiba (SP), agente de viagens especialista em neve e natureza, e mãe do palmeirense Antônio, de 12 anos. Não à toa é a responsável pela escolha e montagem dos percursos de corrida de rua e trilha cobiçados no país.
Ao lado do irmão Peu Guimarães, dono da Icons Agency, é ela quem prepara o terreno para o Bota Pra Correr, evento a Olympikus que leva corredores amadores a lugares diferentes no Brasil, e da Knockout Run, da Under Armour, cuja proposta são corridas com fases eliminatórias e foco nos profissionais.
Ou seja, é ela quem escolhe se os corredores terão vida fácil ou não. Nesta sábado, entregou o Bota Pra Correr da Serra do Cipó, em Minas Gerais, embaixo de chuva. O evento marcou o início das comemorações dos 50 anos da Olympikus. Entre 2025 e 2026, a marca terá 50 corridas, incluindo parcerias.
E quem correu no asfalto (11k e 21k) contou nos dedos as porteiras das casas pelo caminho. Era só verde. Já na trilha (20k), os corredores passaram na frente de cachoeira, cruzaram rio, se equilibraram em barrancos e lutaram para não cair em descidas traiçoeiras cheia de pedras soltas.
— Quanto maior o desafio, maior é a conquista. Podem até me xingar (risos). Sei que o pessoal reclama que está difícil, mas quando voltam para casa, lembram com satisfação da prova — comenta Shubi, que ao escolher os locais de prova dá preferência para visual bonito, com pouca interferência urbana e presença notável da natureza. — Viajei muito quando atleta, corri em vários locais inóspitos, conheço lugares incríveis. Essa bagagem me trouxe até aqui.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/p/T/tL7jRoQrW2vGFs9SsXdQ/as4nasilhas.jpg)
O evento da Olympikus foi realizado no Parque Nacional da Serra do Cipó, uma área de proteção ambiental, com cânions, cavernas, cachoeiras, rios, matas, campos rupestres e cerrados. E Shubi já havia testado os locais das provas duas vezes. Como diretora técnica das corridas, refez o trajeto da trilha mais duas vezes entre sexta e sábado. Neste sábado, as últimas corredoras da trilha tiveram tempo superior a 5 horas.
Ela e sua equipe, com cerca de dez pessoas, repetem o trajeto, marcando a trilha com fitinhas. Levam uns três dias para a montagem final, incluindo a tarefa de levar galões de água no lombo quando preciso. Poucas horas antes do evento, dedicam-se às provas do asfalto. Quando é possível isolar a área.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/B/R/Xy5uKgQbKRXcmm3xj18g/equipe-ema-brasil-na-etapa-de-bambu-rafting..jpg)
— Vou mapeando onde tem verde, casando com pesquisa de novos asfaltos. Cerra do Cipó foi assim. Não é um lugar batido para corrida, é mais forte para escalada em rocha e provas de bike, e eu sabia que estava com asfalto novo na região. É um lugar que está ficando pop e é perto de Belo Horizonte (aeroporto) — comenta Shubi, que no início do processo recebeu da Olympikus indicações de regiões de interesse.
Shubi está com a Olympikus desde o início do Bota Pra Correr, em 2019. O evento, cuja proposta é levar os corredores do Brasil a conhecer o próprio país, está na décima edição e já passou por Jalapão (TO), Alter do Chão (PA), Morretes (PR), Chapada dos Veadeiros (GO), Costa do Conde (PB), entre outros locais. A próxima parada será em Cumbuco (CE), em novembro.
Ela explica, porém, que não baste ter boas ideias. Elas precisam ser críveis. As corridas do Bota Pra Correr acontecem em locais de acesso facilitado, com aeroporto a cerca de 2h de distância, com infraestrutura para receber corredores e equipe técnica (em Cipó tinham 600 corredores no total). Mas precisam estar em cidades “diferentes”, com bom asfalto e local atraente para trilha.
— É um quebra cabeça. Gostaria de levar o Bota Pra Correr para vários lugares como o Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí. Mas o aeroporto mais próximo está a mais de 6 horas de distância — lamenta ela, que também tem vontade de chegar ao Rio de Janeiro — Sonho mesmo seria uma corrida no Parque Estadual do Desengano, no norte do Rio de Janeiro. Visto do espaço, à noite, é uma mancha escura. Não tem iluminação artificial (primeiro e único Dark Sky Park, um “parque escuro” da América Latina). Já imaginou uma corrida noturna, com lanternas?
Para chegar neste lugar, Shubi se aventurou não só pelo Brasil. Disputou as mais importantes corridas de aventura e ultramaratonas do planeta. No final dos anos 90, criou a primeira equipe feminina de corrida de aventura do mundo, a Atenah. Elas ganhavam tudo.
Em 1998, aos 19 anos, Shubi disputou a primeira corrida de aventura realizada no Brasil, o EMA (Expedição Mata Atlântica), com largada em Paraibuna e chegada na Ilha Bela (230 quilômetros). Em 2001 esteve na lendária edição do EMA na Amazônia, com 550 quilômetros. Correu na Suécia, Croácia, Quirquistão, Malásia, nas icônicas Eco-Challenge das Ilhas Fiji (considerada a mais difícil da história) e os 1.000k do Vietnã, entre outras.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/X/5/RsZXbWQUm4wCrv2Tjz6w/img-4720.jpg)
— De mundial na neve aos desafios dos vulcões, com equipe brasileira ou estrangeira, fiz muita coisa bacana — relembra ela, que se diz moldada na corrida de aventura. — Nesse tipo de corrida, o vencedor não é o mais forte nem o mais rápido. É muito sobre tomada de decisão, aceitação das diferenças, conseguir tirar o melhor do outro, ser adaptável, positivo, saber pedir ajuda, ser resiliente… Os planos sempre sofriam mudanças, algo dava errado, mas a gente sempre corria na direção da linha de chegada. Aprendi a ser pragmática.
E foi “do nada” que tudo começou. Shubi resolveu participar de uma corrida de aventura e o namorado duvidou da sua capacidade. O relacionamento acabou e em dois meses ela partiu para a lendária Expedição Mata Atlântica (EMA).
Shubi diz que sempre foi habilidosa. Quando pequena, ela nadou, fez sapateado, nado sincronizado, triatlon (aos 24, disputou o primeiro ironman), jogou vôlei, basquete e handebol. Há 1,5 ano começou a fazer kite surfe. Hoje faz funcional, bike, corrida e remo. Ri quando perguntada se há algum esporte que não pratica: “Beach tênis”.
Ainda hoje, é chamada para desafios distintos. Nos últimos anos, competiu de canoa havaina, MTB, rafting e ultramaratonas de montanha.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/0/k/uRUfUwQBGKF5fqV0ICUg/vt-chapada-dos-veadeiros-3882.jpg)
Segundo ela, a paixão pelo esporte e o respeito pela natureza vêm da infância. O fato dos pais terem casa na praia e sítio, foi um incentivo à vida ao ar livre. E a lição é passada adiante: além de levar o filho para a corrida, é sua a ideia ecológica do Bota Pra Correr.
Desde a primeira edição, não há copos, nem garrafas plásticas nos pontos de hidratação. No kit, o atleta recebe um copo reutilizável para ser enchido durante a prova — mesmo na trilha, na qual os corredores precisam também levar a comida aberta em saco zip.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/d/A/ZS1uWySOy9k4kaAWVVxQ/whatsapp-image-2025-03-06-at-10.42.07.jpeg)
— Já havia participado de corrida assim, mas sem que o atleta recebesse o copo reutilizável. E desde o ano passado, há ainda regra para as embalagens de gel. Faço checagem no funil de largada. Não dá para encontrar pontinha de plástico no meio da natureza.
*A repórter viajou a convite da Olympikus