Uma batalha. Assim Taís Araujo define o processo de educar filhos negros num mundo racista e de privilégios brancos. A atriz fez uma reflexão sobre criação de João Vicente, de 13 anos, e Maria Antonia, de 11, seus filhos com Lázaro Ramos, em entrevista à jornalista Maria Fortuna, no videocast do GLOBO, ‘Conversa vai, conversa vem’.
Você mora em bairro branco, seus filhos estudam numa escola onde a maioria das crianças é branca. Como faz para criar crianças pretas num mundo de gente branca, educá-las para pertencer, saber que têm o direito de estar nesses lugares, mas consciente de onde vêm e da desigualdade?
É uma batalha. A gente fez um movimento de pais de crianças negras colocarem seus filhos nessa escola. Meu filho está lendo Carolina Maria de Jesus no oitavo ano. Minha filha estava estudando as escolas de samba. Estão aprendendo sobre a cultura do país. Isso já é um acontecimento bem diferente da minha época.
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Mas a gente alerta o tempo todo: “Você não é igual ao seu amigo”. Meu filho só quer andar com roupa de futebol e chinelo. E eu falo: “O dia em que você passar um constrangimento na rua, por um trauma”… Óbvio que está querendo testar. Estava andando no condomínio de um amigo negro, e o segurança parou eles. Falei: “Quando for na rua, vai ser pior”. Ele diz que é besteira, mas sabe que não é. É duro porque te obriga a tirar a inocência de uma criança. Mas se eu não alertar, pode ser pior.
E tem mais: Outro dia, meu filho veio com um papo de nepo baby para cima de mim. Falei: “Tá maluco? Não come essa pilha, não. Porque quatro gerações antes de você as pessoas eram escravizadas. Vai ter que estudar, sim, encontrar uma profissão que ame. Você não é herdeiro, gato”.
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A polícia vai alertar, a vida, a violência urbana, o preconceito.
O tempo inteiro vou trazendo o assunto. Falo pra minha filha: “Não deixa tocar no seu cabelo. Se tocar, tu pode… depois eu resolvo com a escola”.
Viu “Adolescência”? Como vê esse lugar da machosfera, da misoginia violenta tendo um filho homem?
Tento o tempo inteiro. E o mundo vai dizendo que a gente tá errado. Passa por mim também, de não ficar reproduzindo coisas. Estou me reeducando. Às vezes, falo determinadas coisas e alguém diz: “Não pode mais falar isso”. Quando falo que algo não pode para os meus filhos, nunca é porque um é menino e a outra é menina, mas pela idade. Mas aí vem minha mãe e solta uma pérola, vem meu pai e solta outra. Mas eles já falam: “Vovô, não é assim”. Minha filha é mais combativa: “Vovô, tá errado”.
Muitas mulheres ainda crescem com o ideal do amor romântico, do casamento. Qual a importância de dizer às nossas filhas que somos o amor da nossa vida?
Fundamental. Fui criada assim. Minha mãe falava: “Não é para depender de homem nenhum”. O mais importante para ela era que fôssemos profissionais e mulheres realizadas, até por causa da vida dela, que se viu meio obrigada a ficar numa relação. Mas acabou que estou casada há 21 anos, e minha irmã está desde os 17 com meu cunhado. Mas falo para a minha filha o tempo inteiro: “Tem que valorizar quem te valoriza”. Até as amigas, sabe? É um mantra para ela, mas quando a gente repete, é para a gente também. Precisa acreditar que somos o amor da nossa vida. É aquela história da (cantora) Cher, que disse: “Mãe, eu sou o homem rico na minha vida”.