Diariamente, analistas políticos venezuelanos discutem em reuniões informais e grupos de WhatsApp possíveis cenários sobre um eventual conflito armado entre os Estados Unidos e seu país. Nesses debates, ninguém chega a conclusões sobre o objetivo do assédio militar americano à ditadura de Nicolás Maduro. A sensação que predomina, comentou ao GLOBO um importante analista local que participa dos debates, é a de que o presidente americano, Donald Trump, ainda não decidiu o que fazer com a Venezuela. E essa indecisão, acrescenta a fonte, estaria relacionada à divisão que existe dentro do governo americano sobre o tema. Nele convivem uma ala dura liderada pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio, e uma ala considerada diplomática, comandada pelo enviado de Trump à Venezuela, Richard Grenell, integrante do Maga (sigla em inglês para o movimento de direita Faça os EUA Grandes Novamente).
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Enquanto os EUA exibem seu poder militar no Caribe, onde já foram destruídas quatro embarcações em operações apresentadas oficialmente como parte de um plano de combate ao narcotráfico — movimento que teria por trás o Departamento de Estado — Grenell confirma a meios de comunicação americanos, entre eles o canal de TV CBS, que continua “dialogando com Maduro, seguindo instruções do presidente Trump”.
Na visão do Maga, explicam analistas venezuelanos, o importante não é mudar o regime venezuelano, e, sim, conseguir da Venezuela questões importantes para os EUA, principalmente a colaboração nas operações de deportações de imigrantes ilegais e o acesso ao petróleo venezuelano. Toda segunda-feira, chega um avião ao Aeroporto Internacional de Maiquetía, sinal de que as gestões de Grenell estão rendendo bons frutos. Paralelamente, acaba de ser renovada uma licença concedida à companhia petroleira Chevron, presente há mais de 100 anos na Venezuela.
— O governo venezuelano sabe que existe uma divisão no governo americano e trabalha para fortalecer a parte diplomática [com Grenell]. Maduro está disposto a ampliar a cooperação com os EUA, prova disso é que foram libertados todos os presos americanos que estavam no país — aponta a analista Ana Maria San Juan, que afirma que Maduro envia emissários para conversar com o governo Trump. — A grande incerteza é o que o presidente americano quer fazer com a Venezuela. Existem duas posições contraditórias, e a situação muda diariamente.
Na linha da diplomacia, Maduro enviou recentemente uma carta ao presidente americano, na qual se diz disposto a trabalhar para melhorar a relação bilateral. Diante das provocações militares dos EUA, a ditadura venezuelana diz que vai resistir, mas não ameaça contra-atacar. Em Caracas, comenta-se que o chavismo está assustado, mas coeso. E que existe consenso sobre dois elementos centrais: não pisar em cascas de banana e, em caso de ataque, reagir com rapidez.
Quando se fala em chavismo, é preciso entender que não se trata de um movimento piramidal. Maduro está no poder desde o final de 2012, quando o então chefe de Estado Hugo Chávez, à época enfrentando a fase final de um câncer terminal, escolheu-o como sucessor. Mas, diferentemente de Chávez, o presidente venezuelano compartilha a liderança do chavismo com outras quatro pessoas: a vice-presidente Delcy Rodríguez; o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez (irmão da vice); o ministro do Interior e da Justiça, Diosdado Cabello; e o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López.
Tirar Maduro do poder e acreditar que assim o chavismo será derrubado — a linha de pensamento de Rubio — poderia ser um tiro no pé. O líder venezuelano se apoia numa cúpula cívico-militar que tem, ainda, o respaldo de vários grupos armados. Vários cenários continuam sendo cogitados.
— Ninguém imagina uma invasão como aconteceu com o Panamá, em 1989. Mas poderia haver um ataque a algum laboratório de drogas. Poderia haver, também, a extração de algum membro do regime, inclusive um assassinato — diz Elias Ferrer, diretor da Orinoco Research.
Segundo ele, em Washington há uma visão de que a Venezuela não é um problema que “pode ser totalmente resolvido”.
— Por isso, algumas pessoas acham que Trump usa o país como uma ferramenta de política interna. Todos sabem que Rubio quer uma mudança de regime na Venezuela, mas isso parece difícil de ser alcançado. Até agora, o que vemos é uma exibição de poder, que serve a Trump como um recurso para se fortalecer internamente — frisa Ferrer.
Para o analista espanhol baseado em Caracas, “os venezuelanos parecem dispostos ao confronto, mas, ao mesmo tempo, tentam evitá-lo através das conversas com Grenell”.
Nos últimos dias, Maduro anunciou que seu governo está analisando a possibilidade de decretar um estado de exceção. Na prática, não mudaria muita coisa num país no qual a violência contra críticos e opositores é exercida diariamente. Enquanto isso, civis são treinados em cerca de 5.300 circuitos comunais cívico- militares, informam analistas locais. São pessoas que, de acordo com os especialistas, poderiam atuar em confrontos corpo a corpo. Para operações mais sofisticadas, a ditadura venezuelana conta com uma deteriorada Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb), e com diversos grupos armados informais.
A oposição venezuelana, por sua vez, continua dividida. A ala radical, liderada por María Corina Machado, apoia uma eventual intervenção americana, mas a grande maioria dos opositores a Maduro discorda de qualquer tipo de ação dos EUA. O ex-candidato presidencial Henrique Capriles afirmou que “a maioria das pessoas que defende uma intervenção estrangeira não vive na Venezuela”.