O volume de obras de infraestrutura e mobilidade para a COP 30, que modificou a rotina dos habitantes de Belém (PA), na mais recente das muitas intervenções urbanísticas pelas quais a capital passou em seus 409 anos. Desde sua fundação no século XVII, com a construção do Forte do Presépio (atual Forte do Castelo) por Portugal para defender de invasores a recém-conquistada posição na Amazônia, Belém se transformou em um dos principais centros urbanos do Norte do país, alçada, no século XVIII, à capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão.
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O estilo colonial dos anos iniciais, com ruas estreitas e construções voltadas para a Baía do Guajará, ganha uma importante marca com a chegada do arquiteto italiano Antônio José Landi em 1753, enviado pela metrópole para mudar as características mais simples das primeiras edificações, feitas de taipa e de barro. São desta época patrimônios históricos presentes na Cidade Velha, como Colégio de Santo Alexandre, onde atualmente funciona o Museu de Arte Sacra (MAS), e a Casa das Onze Janelas, outro dos mais importantes equipamentos culturais do Estado, além de igrejas como a Sé, a de São João Batista, e a de Nossa Senhora do Carmo.
Com o ciclo da borracha, que trouxe prosperidade à região e o possibilitou o surgimento de uma poderosa burguesia local, no século XIX, o estilo colonial passa a ceder espaço a outros modelos europeus, especialmente o francês, quando Belém chega a ser chamada de “Paris Tropical”. Um dos símbolos da chamada Belle Époque Amazônica, o Theatro da Paz, inaugurado em 1878, se destaca pela adoção de elementos neoclássicos.
O chamado neoclássico tardio, introduzido no Brasil pela missão artística francesa, em 1816, pode ser visto ainda hoje na capital paraense, como o Palácio Antônio Lemos, onde atualmente funciona o Museu de Arte de Belém, e o Mercado de São Brás. Além da opulência das novas construções, com o uso de material importado, como o ferro fundido das sacadas e o ladrilho hidráulico, a cidade também passou por uma importante mudança urbanística, sob a gestão de Antônio Lemos, intendente local entre 1897 e 1911, e comandada pelo engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro e o arquiteto José Sidrim, entre 1883 e 1886, com avanços no saneamento, instalação de praças públicas e abertura de avenidas.
— Ali foi desenhada uma cidade moderna, de aspiração europeia, mas que não é plenamente cumprida. Há um processo higienista na reforma urbana, com o deslocamento da população que ocupava bairros que passam a sofrer maior especulação — aponta o historiador e professor Michel Pinho, ex-presidente do do conselho do Patrimônio de Belém. — Após o fim do ciclo da borracha há o fenômeno da verticalização da cidade, especialmente no eixo da Avenida Presidente Vargas, nos anos 1930, com o avanço do comércio e dos serviços, de forma muito semelhante ao que aconteceu no Rio.
Pinho ressalta que, embora as transformações históricas na cidade sejam sempre mais destacadas em bairros como a Cidade Velha, Campina, Umarizal e Nazaré, há mudanças significativas também nas localidades mais populares, com construções adaptadas às condições locais.
— Os impactos urbanísticos são sempre mais lembrados nas chamadas terras altas, que concentram mais patrimônio históricos. Mas existe uma arquitetura vernacular, criada pela população, nas baixadas, que já estão ao nível do rio — detalha Pinho. — São bairros como Guamá, Terra Firme, Pedreira, que ainda são muito populares 150 anos depois. Há uma série de construções ribeirinhas, de madeira, que responde ao movimento das águas, mas também criam marcas arquitetônicas.
Outra marca da arquitetura de origem popular na capital e cidades próximas é o chamado estilo “raio-que-o-parta”, uma vertente do modernismo paraense na qual as fachadas de casas tem as fachadas revistidas por mosaicos feitos de cacos de pisos e azulejos. Surgido nos anos 1940, o movimento promoveu o aproveitamento dos revestimentos quebrados na travessia da Rodovia Belém-Brasília, e se popularizou a partir das criações de engenheiros, mestres de obras e dos próprios moradores.
Hoje consideradas também parte do patrimônio histórico de Belém, as “casas-raio” são tema do livro “Raio que o parta: Uma arquitetura marcante no Pará” (2024, editora Blucher), da professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Cybelle Miranda. Ela explica que o termo surgiu de forma pejorativa quando o curso de arquitetura foi fundado na cidade, nos anos 1960, e os professores de fora tacharam de “brega” a tradição local, mas posteriormente a nomenclatura foi incorporada.
— Nos anos 2000 há uma valorização do “raio-que-o-parta”, pelas expressões estéticas de cada local, em Belém e em várias cidades do interior do estado. O estilo passa a ser uma marca do modernismo local, por estar combinado às fachadas construídas no século XX e elementos como o cogobó — comenta a arquiteta, que pesquisa o tema há 16 anos. — Ele se disseminou por toda a capital. Ainda que seja mais associado a bairros populares, está presente em todas as regiões, desde a Cidade Velha.
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Uma das questões de atenção em relação ao “raio-que-o-parta” é a preservação, uma vez que a maioria das construções são particulares, de moradores que muitas vezes não têm condições de arcar com os reparos dos mosaicos, ou sujeitas às atualizações das fachadas e a troca dos revestimentos.
— Há um mapeamento dessas casas, que são unifamiliares. Fazemos um trabalho de educação patrimonial, e, em um dos nossos projetos de extensão, elaboramos uma cartilha, a partir de debates com os moradores das “casas-raio”, com dicas simples de como preservar os mosaicos — conta Cybelle. — Um dos desafios é que o mais representativo desse patrimônio é o conjunto, não dá para ter um destaque de uma casa em relação às outras. Por isso é importante a valorização do estilo, hoje os moradores já se sentem cuidando de um patrimônio por tudo o que sai nos meios de comunicação, nas redes sociais. Eles sabem que vivem em locais que contam parte da história e da arquitetura local.

