O filho Nizo Neto já disse que o número exato era 209. Pode ser que algum se tenha perdido no tempo e a quantidade até aumente. Mas é certo que Chico Anysio, tema da série documental “Chico Anysio: Um homem à procura de um personagem”, que estreia nesta quinta-feira (25), no Globoplay, criou mais de 200 personagens em sua carreira no rádio e na televisão — alguns ganharam vida em um meio de comunicação e continuaram a fazer muito sucesso no outro, como o seu primeiro, o Professor Raimundo. Juntos, formaram um mosaico de problemas, hábitos e comportamentos dos brasileiros, sempre apoiados por bordões que permaneceram muito tempo depois dos quadros onde surgiram desapareceram. Como a expressão “não, Pedro Bó”, usada para ironizar alguma declaração pouco inteligente, muito tempo depois de Chico ter deixado de fazer o Coronel Pantaleão, uma versão sertaneja do Barão de Munchausen que contava casos mentirosos inspirado em Alexandre, personagem de contos de Graciliano Ramos. Abaixo, uma seleção de alguns dos tipos encarnados por Chico que ficaram na memória e no vocaculário da população, pela força da interpretação do humorista.
A reclamação do professor Raimundo no final de suas aulas encerrava um quadro que provavelmente foi a maior reunião de comediantes brasileiros num só cenário — a escolinha em que pontificavam nomes como Zezé Macedo (“só pensa… naquilo”), Rogério Cardoso (“amado mestre”) e Lug de Paula (“que horas é a merenda?”)
Nenhum político da vida real seria tão sincericida como o senador Justo Veríssimo. É por isso que o personagem corrupto, aporofóbico e sempre acompanhado do improvável capanga magricela Castor (Ataíde Arcoverde) caiu no gosto do povo: os espectadores intuíam que ele expunha o que políticos só admitem nos bastidores.
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Coalhada desistia nunca. O jogador de futebol estrábico acreditava que conseguiria o sucesso como centroavante, apesar de mostrar mais habilidade na defesa verbal: dizia que jogava melhor sem bola para desconcertar o adversário. Pena que os cronistas esportivos não caíssem nessa. Daí, como reclamava, “depois dizem que Coalhada é isso, Coalhada é aquilo”.
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Talvez hoje, com maior rejeição pública a estereótipos relacionados a homossexuais e religiões de matriz africana, não haveria espaço fácil para um pai de santo efeminado e ansioso por demonstrar status (“Gal ligou?”) como o Painho vivido por Chico nos anos 1980. Mas não deixava de ser uma homenagem à Bahia e à sua influência na cultura nacional.
‘Eu trabalho na Globo, tá, tá, tá legal?’
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Bozó fingia ser um executivo da Globo para tentar seduzir candidatas a atriz, enquanto desprezava a estagiária Maria Angélica (Alcione Mazzeo). Antes de a expressão começar a circular, o humorista já castigava o name droping, fazendo o gago ridículo mencionar nomes de diretores da emissora para tentar convencer sua vítima.
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A ofensa de Popó tornou-se um pronome de tratamento de Albamerindo (João Batista, o Jomba), personagem que servia de escada para Chico interpretar um tipo que talvez não resistisse à sensibilidade contemporânea em relação ao etarismo: um idoso que adotava o mau humor para disfarçar sua vulnerabilidade.
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De redinha para proteger o cabelo, bigodinho que ficaria melhor em Clark Gable 30 anos antes, Alberto Roberto era uma sátira aos atores narcisistas que levava à loucura seu diretor, Da Júlia, interpretado por Lúcio Mauro, que fez outro personagem emblemático na carreira de Chico: o bajulador Aldemar Vigário, da Escolinha do Professor Raimundo.
‘Ou faço a cabeça do João Batista ou não me chamo Salomé’
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Ao telefone, a senhora de Passo Fundo comentava em uma conversa imaginária com o presidente João Figueiredo fatos do último governo da ditadura — em que nunca faltava uma menção aos olhos verdes do então ministro do Interior, Mário Andreazza.