O bordão é usado há anos sem parcimônia. Sai naturalmente, pronunciado de forma ágil, com a voz firme: “Alô, alô!” Inconfundível. Foi assim que Ricardo Amaral chamou Anderson Carvalho, maître do Esch Café, no Leblon, ao fim de uma conversa no início da noite de uma quinta-feira. “Quantas vezes por semana eu venho aqui?”, perguntou. A resposta foi rápida e arrancou risadas satisfeitas do cliente: “Eu tenho folga, o senhor não tem”. Aos 84 anos e prestes a ver sua trajetória ganhar as telas de cinema no documentário “Rei da noite”, que estreia esta semana no Festival do Rio, o homem que por décadas comandou — haverá quem diga que inventou — boa parte da diversão noturna no Rio segue frequentando as melhores rodas, atento ao que rola e interessado no que está por vir.
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— Tenho um entusiasmo pela cidade hoje que eu nunca tive antes. Embora tenha vivido um Rio maravilhoso, acho que a cidade de depois de amanhã vai ser ainda melhor. O que eu percebo é que agora existe uma consciência mais madura sobre a importância do entretenimento, do turismo, da cultura. No fundo esses três itens estão interligados e são fundamentais — analisa Ricardo Amaral.
Em uma hora e 25 minutos, o filme — dirigido por Cassu, Lucas Weglinski e Pedro Dumans — passeia pelo vertiginoso tobogã de empreendimentos imaginados e realizados por Amaral desde a década de 1950. Do começo, em São Paulo, organizando bailes e shows, passando pela atuação como colunista social, até o sucesso de casas icônicas como Hippopotamus, Gattopardo, Papagaio Disco Club e outros bichos. No meio do caminho, histórias de ascensão e queda em empreitadas que marcaram época em Paris e Nova York, com direito a treta das boas com a máfia da Big Apple.
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O ritmo já não é frenético, mas ele garante que a agenda segue cheia. Avesso a queixumes, Amaral confessa que o sono intermitente tem incomodado. O dia do Rei da Noite tem começado na hora do almoço.
— Meu dia a dia é simples, começa geralmente com o almoço. Lamentavelmente, estou com problema de sono. Não é que eu troque o dia pela noite, mas acordo e durmo diversas vezes. Estou tentando ver se consigo interferir nesse assunto que me chateia profundamente — explica.
As refeições têm papel importante na rotina de Ricardo Amaral. Comer bem — e bem acompanhado — sempre fez parte do show.
— Como fora praticamente todos os dias. Eu tenho uma carta (de opções de restaurantes) variada, mas se você quiser saber… a minha sala de jantar é o Chez Claude. É um dos melhores restaurantes do Rio de Janeiro. É um lugar ao mesmo tempo simples e com uma comida espetacular — diz, referindo-se à casa comandada pelo amigo Claude Troisgros.
O chef, aliás, é um dos muitos entrevistados em “Rei da noite”. A lista tem Haroldo Costa, Narcisa Tamborindeguy, Nelson Motta, Luiza Brunet… Sem querer estragar a sessão de ninguém com spoilers, um momento especial do documentário é o tocante depoimento de Troisgros sobre Gisella Amaral (1941-2019), companheira da vida toda de Ricardo Amaral.
— A minha vida mudou muito depois da morte da Gisella. E o mundo mudou muito também com a pandemia. Então teve uma série de eventos… quer dizer, a morte da minha mulher foi um marco muito significativo para mim, tá certo? — resume.
Amaral cita outros restaurantes que frequenta, sempre com amigos de longa data.
— Nós temos uma roda de almoço cujo comandante é o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-diretor-geral da TV Globo). Almoçamos praticamente toda semana juntos. A gente tem um circuito que inclui Nido, Gajos D’Ouro, Satyricon. Temos ido ao Rufino, vamos amanhã na Roberta Sudbrack — enumera.
Quando não está em restaurantes, a roda se reúne na casa de Boni mesmo:
— É um grupo simpático de amigos que o Boni convida. Ele é o capitão ali e nós temos o prazer de tomar, nesses almoços, vinhos espetaculares da adega dele, sobretudo, encontrar amigos da vida toda e falar a respeito de coisas sérias e coisas não tão sérias. O humor é fundamental — diz, mantendo a discrição em relação a quem são os convivas.
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Enquanto degusta um charuto da marca Trinidad — cubano dos bons, por supuesto — e beberica lentamente um drinque à base de Aperol, Ricardo lembra dos botecos cariocas que fazem a sua cabeça:
— Adoro boteco. Nem sempre tenho companhia, mas descobri que meus amigos paulistas são apaixonados pelos botecos cariocas — diz, citando a Adega Pérola, o Bar da Portuguesa, o Momo, o Bar da Frente, o Galeto Sat’s e o Cachambeer.
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Comida e bebida não faltam. E para equilibrar tudo isso?
— Caminho pela orla do Leblon, sabe? Mas menos do que eu deveria — diz.
Nas caminhadas ou nos restaurantes, difícil é passar despercebido:
— Muita gente que não tenho a menor ideia de quem seja vem falar comigo. Tenho prazer, adoro o ser humano. Não é, absolutamente, um sacrifício. As pessoas chegam com histórias do tipo: “Meu pai conheceu minha mãe numa casa sua”. É um barato.
E como anda a noite no Rio?
— A noite não mudou só no Rio de Janeiro, mudou no mundo. Tem alguns lugares que ainda preservam um pouco mais das tradições, mas o Rio de hoje é totalmente diferente do que era. Não quero fazer nenhuma consideração se é melhor, se é pior, se é mais ou menos. As coisas são dinâmicas, tudo muda. É isso — reflete enquanto elogia a realização de grandes eventos como os megashows em Copacabana. — O caminho é esse, mas não dá para ser mega sempre, tem que ter pequenas e médias atrações sempre, o ano todo.
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Planos para o futuro incluem um festival de bossa nova e um encontro nacional de influenciadores digitais. Tudo em fase de planejamento.
— Eu sou fomentador. Uma boa palavra, né? — analisa.
“Rei da noite” será exibido no dia 10 em sessões simultâneas nas salas 1 e 2 do Estação NET Gávea. Ainda no Festival do Rio, passa dia 11 no Cinesystem Belas Artes 5 e dia 12 no Cine Santa Teresa.