Aqueles que viram o dólar chegar a R$ 6,26 em 18 de dezembro — até hoje o maior valor nominal já registrado na era do real —, os juros futuros precificarem uma Selic a 17% e o Ibovespa abaixo dos 120 mil pontos no fim do ano passado talvez se surpreendam com o estado destes mesmos ativos seis meses depois. A moeda americana fechou o primeiro semestre de 2025 com queda de 12,08%, a R$ 5,433, enquanto o principal índice de ações da Bolsa brasileira se recuperou e voltou a renovar máximas históricas.

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Diante de um cenário externo instável com o retorno do furacão Donald Trump à presidência dos EUA e novos conflitos no Oriente Médio, os ativos brasileiros conseguiram se restabelecer. O Ibovespa teve o melhor primeiro semestre desde 2016, segundo levantamento da consultoria Elyas Ayta. Além disso, os investidores reajustaram a curva de juros, com a taxa para dezembro de 2025 passando de 17% em dezembro do ano passado para cerca de 14,93%.

No entanto, especialistas apontam que a questão fiscal segue como uma pedra no sapato para os investidores.

O comportamento do mercado financeiro em 2025 pode ser dividido entre um antes e depois de 20 de janeiro, dia da posse de Donald Trump. Em toda sua campanha no fim do ano passado, o republicano aproveitou para renovar as ameaças de impor tarifas contra todos os parceiros comerciais dos EUA e reforçar suas políticas anti-imigração, trazendo grande instabilidade e levando a uma escalada do dólar.

O dólar escalou frente a todas moedas mais negociadas do mundo com a perspectiva de que as posições defendidas por Trump pudessem aumentar a inflação americana, o que faria com que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) tivesse de aumentar as taxas de juros dos EUA. Isso, por sua vez, tende a aumentar a atratividade da renda fixa americana e beneficiar o dólar.

Políticas instáveis de Trump levaram a uma realocação de recursos no primeiro semestre — Foto: Bloomberg

No entanto, quando o dia da posse de Trump finalmente chegou, o republicano adotou uma postura mais contida sobre as tarifas, o que levou o dólar a devolver boa parte dos ganhos do fim do ano nas primeiras semanas de mandato.

Em fevereiro, todavia, o presidente americano intensificou seu protecionismo anunciando tarifas contra México, Canadá e China. O que se deu início, então, foi uma série de vaivéns comerciais entre os EUA e quase todos países do mundo, culminando no “tarifaço”, em abril, que foi posto em pausa poucos dias depois. Além disso, uma escalada particular nas taxas entre Washington e Pequim também foi interrompida em maio.

Para Luan Aral, especialista em câmbio da Genial Investimentos, essa imprevisibilidade trazida por Trump levou a um aumento na desconfiança com os ativos americanos. Embora isso não signifique uma debandada do dólar, ele explica que fez com que muitos investidores estrangeiros realocassem seus recursos para outros países, incluindo o Brasil, o que beneficiou nossa moeda.

— Se tem uma coisa que o investidor preza é previsibilidade, e, nesse momento ,o investidor não consegue prever os próximos meses (nos EUA) — afirma.

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Outro aspecto que resultou na saída de capital dos EUA foi a crescente relevante na dívida americana, aponta Aral. Um projeto de lei abrangente, apelidado de “Grande e Bonito” por Trump, e considerado de suma importância para a agenda do republicano, se aprovado, deve acrescentar ao menos US$ 3,3 trilhões (cerca de R$ 18,1 trilhões no câmbio atual) à dívida nacional na próxima década, o que tem preocupado investidores.

Além do aspecto internacional, a política monetária interna restritiva também atraiu capital estrangeiro para o Brasil, sinaliza Eduardo Grübler, analista da AMW Investimentos. A Selic saltou de 12,25% no início do ano para 15%, intensificando nosso diferencial de juros com o resto do mundo e tornando nossa renda fixa mais atrativa.

— A gente vê esse fluxo estrangeiro bem forte. E o fluxo domina muita coisa, especialmente nesse curto prazo — disse o especialista.

Não foi só o real que testemunhou um salto durante os primeiros meses do ano. O Ibovespa acumulou alta de 15,44% e já devolveu todas as perdas do ano passado.

Jerson Zanlorenzi, responsável pela mesa de ações do BTG Pactual, afirma que o aumento de investimentos em mercados emergentes, diante da saída parcial de investidores dos EUA, também beneficiou a Bolsa brasileira.

— O Brasil aproveitou do movimento de enfraquecimento dos ativos americanos — aponta.

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Entre os destaques, a Cogna foi a grande vencedora do primeiro semestre no Ibovespa, com aumento de 162,9% em relação ao início do ano.

Veja as maiores altas do Ibovespa no primeiro semestre:

  • Cogna (COGN3): +162,9%, a R$ 2,80;
  • Assaí (ASAI3): +99,16%, a R$ 10,17;
  • Yduqs (YDUQ3): +96,94%, a R$ 16,49;
  • Direcional (DIRR3): +75,85%, a R$ 40,82 e
  • CVC (CVCB3): +70,29%, a R$ 2,40.

Marcel Andrade, chefe da área de soluções de investimento da SulAmérica Investimentos, explica que, mesmo com a escalada da Selic, ações ligadas à economia doméstica — sensíveis ao movimento dos juros — conseguiram se recuperar, diante também da perspectiva de fim do ciclo de alta promovido pelo Banco Central.

Além desse setor, as ações ligadas à energia elétrica e as de bancos também foram destaque, aponta.

Zanlorenzi, do BTG, pontua que o universo microeconômico também tem ajudado a Bolsa, detalhando que as empresas e seus indicadores têm sido resilientes mesmo diante do ambiente mais restritivo.

Apesar do começo de semestre estrelar para os ativos brasileiros, todos os especialistas citam que isso ocorreu apesar do cenário interno ainda instável.

No fim do ano passado, apesar de um movimento generalizado de alta do dólar, o real foi uma das moedas que mais sofreu frente à divisa americana, diante da perspectiva deteriorada dos agentes do mercado sobre a dívida pública brasileira.

— A gente já via no ano passado diversos problemas fiscais. (…) Os desafios fiscais que a gente está falando não são de agora. E os nossos questionamentos fiscais eles basicamente continuaram este ano — disse Grübler, da AWM.

O anúncio do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo governo em maio — que trouxe instabilidade para os ativos locais — mostrou que ainda há uma desconfiança muito grande entre os operadores sobre o cenário fiscal.

Na visão de Grübler, o mercado não enxerga a possibilidade deste problema ser resolvido em um curto prazo, em especial, com os embates entre governo e Congresso sobre o assunto. Caso a incerteza siga, ele sinaliza que pode haver uma dispersão nos investimentos em ativos de risco no Brasil, embora o peso internacional possa limitar isto.

— A gente precisa que eles (os poderes) conversem mais e cheguem às mesmas conclusões — conclui.

Dólar cai mais de 12% e Ibovespa tem melhor desempenho desde 2016 no primeiro semestre deste ano