Desde o nascimento de seu segundo filho, Eze, de dez meses, Lais Ribeiro tem lotado a casa com post-its. Os papeizinhos servem como lembranças para as tarefas do dia em meio aos cuidados com o bebê. “Para beber água, tomar vitamina. Já tinha esquecido como era intenso ser mãe. Foi totalmente diferente da primeira vez”, diz a top piauiense, de 34 anos, por chamada de vídeo, de Miami. Ela se mudou de Nova York para a cidade da Flórida em 2021, onde vive com o marido, o jogador de basquete da NBA Joakim Noah, de 40, e os dois filhos dele, além de Alexandre, de 17, nascido quando a modelo ainda vivia no Brasil, fruto de relacionamento anterior. “A gravidez do Alexandre foi um passeio no parque. Na de Eze, enjoei muito, meus pés e nariz incharam e não conseguia dormir. Engordei 25 quilos. No entanto, agora estou mais paciente com meu corpo e minha mente”, continua. “Eze veio para selar meu amor por Joakim.”
Aos poucos, Lais, uma das musas de Jean Paul Gaultier, estilista francês com quem já trabalhou inúmeras vezes, vem retornando às passarelas. Na última terça-feira, desfilou pela PatBo na NYFW. Em abril, escolheu a grife paulistana Misci, do designer Airon Martin, como ponto de partida. A coleção faz uma homenagem à Tieta, icônica personagem do escritor Jorge Amado. Para a top, o trabalho da etiqueta traduz o novo luxo no qual aposta suas fichas. “O couro de algumas peças é feito de caule de plantas, os materiais são reaproveitados. A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, ainda há muito desperdício”, pontua. “O mercado de luxo está perdido, ainda não entendeu, mas o futuro é sustentável. É preciso achar uma solução por esse caminho.” Para Airon, Lais é uma top icônica por entender e valorizar um Brasil do interior. “Ela traz conexão e verdade. É um orgulho tê-la na construção da Misci.”
Em sua terra natal, Miguel Alves, no Piauí, a família tem trilhado os mesmos passos; o irmão, Leonardo, está à frente de uma olaria de tijolos ecológicos. Para a fabricação do material, são usados areia, água e cimento, compactados em uma prensa, sem a queima no final. “Temos uma máquina que tritura o vidro para se tornar areia. Meu sonho é que um dia seja possível fazer isso também com roupas que são descartadas. Mais um projeto que quero colocar em prática é reflorestar a minha cidade.”
Descoberta em 2009, aos 18 anos, em um concurso da agência Joy Management, Lais, assim como tantas modelos, não tinha a pretensão de seguir na carreira moda. Desejava ser enfermeira ou professora, como a maioria das mulheres de sua família. “Eram todas inteligentíssimas. Na última vez que estive em Miguel Alves, em julho, visitei a casa que foi da minha tataravó, onde meus tios moram hoje, e nada mudou”, conta, trazendo lembranças da infância e de dias divertidos na lagoa, pescando e andando a cavalo. “Tento sempre estar próxima das minhas raízes com meus filhos. Tive uma infância humilde, mas nunca passamos necessidades.” Com 1,82 e o corpo padrão das modelos — muito magra e muito alta —, sabia que o biotipo não era sinônimo de beleza no Nordeste. “Sofria bullying. Certa vez, ao participar de um casting em Nova York, tive vergonha de mostrar as pernas. Mas, ao ver meninas parecidas comigo, entendi a minha beleza.”
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Mas o maior desafio de Lais ia muito além das curvas inexistentes ou de castings, por vezes, mal-sucedidos. Ao engravidar aos 18 anos, quando ainda estava na escola, enfrentava a saudade e a distância de Alexandre, que ficou aos cuidados da mãe dela em Miguel Alves. “Houve muito sofrimento no início, Lais viveu bastante tempo longe do filho e precisou construir uma estabilidade antes de conseguirem estar juntos. Nesse meio tempo, enfrentou grandes desafios financeiros”, diz Liliana Gomes, diretora da Joy. Para a empresária, a top ascendeu na carreira sem deixar de lado as próprias convicções. “Vivemos em um mundo no qual a modelo precisa se expressar e se posicionar em relação à sociedade, à vida. Ela conseguiu transformar as dificuldades em propósito”, destaca.
O mais importante naquele primeiro momento, relembra Lais, era trazer Alexandre para debaixo das asas. Após uma temporada no Brasil, mudou-se para Nova York e trabalhou quatro intensos anos, incluindo os desfiles para a Victoria’s Secret, grife de lingerie e cosméticos famosa por seus shows e “angels”. “Feito louca! Comprei um apartamento e consegui me estruturar.” Enquanto isso, também lidava com a dor de saber que o menino, em razão da ausência, já chamava a avó de mãe. “Doía, mas ela era minha heroína cuidando do meu tesouro. Coloquei uma armadura para não pensar nisso e arregacei as mangas. Foi dificílimo. Chorava e passava muitas noites em claro”, comenta.
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Quando a família chegou aos Estados Unidos, a top percebeu comportamentos atípicos em Alexandre, então com 5 anos, como dificuldades de socialização e brigas na escola. “A princípio, por causa da língua, ninguém conseguia entendê-lo. Mas ele tem hiperfocos, gosta de ficar no próprio mundinho. Eu o levei para uma avaliação e recebi o diagnóstico de autismo. O grau dele é leve, mas foi um choque porque não tinha conhecimento”, explica Lais. “A imaginação dele era muito fértil, e sua realidade, diferente da nossa. Fui atrás de todas as ferramentas para que pudesse ser bem-sucedido.”
Com a ajuda de uma maquiadora da Victoria’s Secret, também mãe de uma criança autista, encontrou apoio e entendimento, além de ser direcionada a médicos e terapeutas. “Ela me ajudou a escolher uma escola. Hoje ele estuda, aqui em Miami, na mesma instituição que havia em Nova York, muito bem equipada, com ótimos professores.” Prestes a tirar a carteira de motorista, Alexandre já pensa em ir para a universidade no ano que vem. “São objetivos que colocamos, e estou muito orgulhosa dele.” Falar publicamente pela primeira vez sobre o assunto, dez anos atrás, afirma Laís, ajudou a reduzir o preconceito e a trazer representatividade para mães e crianças atípicas. “É delicado, mas todas as pessoas que têm alguma desconfiança sobre uma doença ou condição devem procurar ajuda e não se autodiagnosticar. É difícil aceitar, mas não dá para viver em estado de negação.”
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Outras convicções de Lais envolvem a defesa da diversidade na moda. Embora não acredite que a onda da magreza tenha voltado a dominar as passarelas, está cansada da pressão estética e do escrutínio público sofrido pelas colegas de profissão. “Fiquei indignada com o que aconteceu com a Candice Swanepoel e a Adriana Lima quando tiveram filhos”, desabafa. “Pessoalmente, nunca me importei com opiniões alheias, se estou muito magra ou muito gorda. Mas as críticas a elas foram tão duras e intensas, as pessoas são impacientes e maldosas”, aponta.
Em 2020 e 2024, apresentou o reality “Born to fashion”, do canal E!, em que pessoas trans competiam por uma chance como modelo. “É um mercado que vem abrindo portas, mas a brecha ainda é bem pequena. Percebo que elas precisam ser multitalentosas, fazer sucesso em diversas áreas, se desdobrar e lidar com a ignorância alheia”, opina. A estilista Isa Silva, uma das juradas da atração, confirma a piauiense como uma aliada das causas LGBTQIAPN+. “Amo o axé dela. Lais é uma grande modelo, amiga, esposa e mãe. Preza pela diversidade e mostra como uma mulher cisgênera (pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao sexo biológico) abraça mesmo as pessoas trans.”
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Posicionar-se sem medo e enfrentar figuras aparentemente mais fortes e poderosas na indústria da moda nunca intimidou a top. Anos atrás, denunciou por assédio o fotógrafo francês David Bellemere, colaborador da Victoria’s Secret, que tentou agarrá-la e forçar um beijo durante um trabalho. “Na primeira oportunidade, contei para a minha agente. Aprendi com a minha família que temos que fazer o que acreditamos ser o certo. Mas ele foi crescendo lá dentro, e perdi alguns trabalhos.” Sem hesitar, levou a informação para Ed Razek, então diretor de marketing da marca. Bellemere foi demitido na hora. “Ainda existe essa mentalidade: ‘Se eu falar, quem vai se ferrar sou eu’. Mas sou curta e grossa. Comigo nunca mais aconteceu isso.”
Afinal, como escreveu Guimarães Rosa, “o que a vida quer da gente é coragem”.