Logo nas primeiras apresentações que fizeram juntos, o violonista gaúcho (de Passo Fundo) Yamandu Costa, de 45 anos, e o cantor e compositor português (de Beja, no Baixo Alentejo) António Zambujo, de 49, ganharam a alcunha que os viria a perseguir anos afora: a de “aqueles dois meninos do Sul”.

— De alguma forma, somos dois gaúchos, estamos perto da fronteira. E temos essa influência fronteiriça do meu lado, da parte do Uruguai e da Argentina e, ele, da Espanha. É mais uma coincidência do que outra coisa, mas a gente se encontra nisso — arrisca Yamandu. — Por isso, o nome desse nosso segundo álbum (juntos) ser “Sur”. A gente tenta trazer as pessoas para o nosso convívio familiar, como se estivesse na beira da lareira, tomando vinho e deixando todo mundo muito à vontade.

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O clima que eles transplantam para o Brasil em uma turnê de 11 datas — restam as de terça-feira em São Paulo (dia 25, no Tokio Marine Hall), a de quarta em Campinas (dia 26, Teatro Oficina), a de sexta no Rio (dia 28, no Circo Voador), a de sábado em Fortaleza (dia 29, Teatro Rio Mar) e a de domingo em Olinda (dia 30, Teatro Guararapes) — é bem coisa de quem convive muito fora do palco (há alguns anos, Yamandu reside em Portugal).

— A gente se reúne lá em casa e faz churrasco de lareira… e é uma lareira espanhola, tradicional, incrível, feita para cozinhar. A carne fica maravilhosa! E aí o António traz os vinhos que ele faz com os amigos dele, a gente fica em volta daquele fogo, aproveitando a vida, chamando amigos argentinos que temos lá, amigos portugueses. É uma farra! E sempre tocando, é a música que nos alimenta! — conta o violonista.

O violonista brasileiro Yamandu Costa (à esq.) e o cantor português António Zambujo — Foto: Divulgação/Kenton Thatcher

— A música ajuda a que a bebedeira não seja tão grande. Porque, tocando, a gente bebe menos. Então é bom!

Maior violonista brasileiro de sua geração, Yamandu tem a síntese do lance dessa parceria, cujo show anterior, o do álbum de estreia, “Prenda minha” (2024), foi apresentado com significativo sucesso no Brasil.

— A gente faz muito música de câmara mesmo, tem essa coisa de ficar se ouvindo mais do que tocando ou cantando. É um ouvindo o outro! — explica. — Eu me sinto muito livre para às vezes fazer um violão exuberante, cheio de coisa, e às vezes um violão com o mínimo possível, pequenas notas que abraçam a canção. E António, muito mais do que um cantor, é um grande músico, ele usa a voz de uma forma única. Então, a gente está fazendo música, não estou ali acompanhando um cantor numa canção.

Yamandu e Zambujo — uma das sensações da música portuguesa dos anos 2000, com sua mui pessoal reinterpretação da tradição do fado — conheceram-se no Rio de Janeiro em 2008, na primeira vez em que o português se apresentou no Brasil. Em 2014, fizeram cinco shows em duo, enquanto o país fervia com a Copa do Mundo. E depois ficaram alguns anos sem tocar juntos.

— Mas, enfim, a amizade sempre foi o principal fator dessa parceria. Desde que nos conhecemos, tivemos um carinho muito grande um pelo outro. Cada vez que o António vinha ao Brasil, a gente se via. E cada vez que eu ia a Portugal, também — conta Yamandu. — Até que, em 2022, recebemos um convite para fazer um concerto a fim de celebrar a união entre Brasil e Portugal, e aí foi que, de fato, a coisa deu liga. A gente se juntou de novo, o concerto foi gravado pela RTP (rede de rádio e TV de Portugal) e teve uma repercussão grande. Gostaram muito do nosso encontro.

Logo, gravaram o primeiro álbum da parceria, que lhes rendeu mais shows.

— De lá para cá, não parou mais, as coisas foram acontecendo. É muito gostoso estar junto com o António, temos uma forma muito natural de fazer música — diz Yamandu. — Acho que a nossa liga é não ficar enchendo o saco um do outro. E nunca ensaiar! A liga é sempre deixar a relação leve, sem muita coisa burocrática. A gente se encontra no estúdio sem saber o que vai gravar, vê o tom um pouquinho e passa as músicas uma vez ou outra, sem pretensão, usando o violão como uma pequena orquestra, abraçando a voz de uma forma fluída.

— O mais importante, e eu acho que isso passa muito para o público, é que a gente se diverte muito em cima do palco. O nosso objetivo era apenas estar junto para conversar, para falar de música, não havia um plano, uma estratégia. Mas aí começamos a receber solicitações de shows, fomos respondendo a essas solicitações e aí percebemos que o show funcionava bem. E tudo vem desse gosto enorme por essas músicas que fazemos juntos, sem pensar muito num roteiro. É sempre diferente a cada show, porque tanto eu quanto o Yamandu vivemos muito da improvisação, de pegar em músicas que já existem e tentar recriá-las, tentar trazê-las para este para esse nosso universo. Para nós, isso é muito estimulante e, pelo visto, para o público, também.

No novo show, eles trazem as músicas do “Prenda minha” (de clássicos como a faixa-título, o “Nervos de aço”, de Lupicínio Rodrigues, e a imortal guarânia “Recuerdos de Ypacaraí”) e três de “Sur”: a valsa “Nube gris” (de Eduardo Márquez Talledo), “Resposta ao tempo” (de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos) e “Volver a mi raiz” (do argentino Lúcio Yanel). Fora essas, Yamandu sempre toca um ou outro tema instrumental fora do roteiro. Há, claro, sempre o risco de eles esquecerem alguma música do set list — afinal o clima é leve.

— A ideia é fazer uma trilogia de discos. O primeiro já é uma pequena trilogia, porque, além das músicas em português, ele tem músicas originais e músicas em espanhol. Esse segundo álbum é todo cantado em espanhol, menos pela música do Aldir e do Cristóvão. O terceiro vai ter 12, 13, 14 canções originais, que a gente vai fazer o ano que vem. Estamos começando a escolher os temas — diz o violonista. — Porque a gente pensa numa discografia que nem o Spotify pensa no seu algoritmo. Futuramente, a pessoa vai botar nossos nomes lá, António Zambujo, Yamandu Costa, e esses discos vão estar ali rodando como se fossem uma coisa só.

É curioso o violonista falar em streaming, porque “Sur” não está nas plataformas, e só terá o CD quem comprar das mãos deles, nos shows (“parece que a gente está pirateando o próximo, o próprio disco”, ele brinca). Mas Zambujo explica:

— Hoje em dia já quase ninguém compra disco, então é impressionante no fim dos shows ver a satisfação que as pessoas têm em ficar à espera para que a gente assine o disco… é uma sensação fantástica!

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Yamandu Costa conta que às vezes eles chegam a ficar três horas autografando CDs:

— É mais demorado que o show! E, mais do que assinar o disco, é falar com as pessoas, essa coisa que é cansativa, mas também muito prazerosa, de escutar os comentários das pessoas, as impressões delas… e vem português, vem brasileiro, vem todo tipo de gente e pergunta coisas.

Em turnê pelo Brasil, Yamandu Costa e António Zambujo traduzem em música a amizade cultivada ao longo dos anos