A crise desencadeada pelos protestos corre em paralelo a um outro e igualmente grave desafio para o Equador: a violência das organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas, que parecem se aproveitar do estado de tensão entre governo e manifestantes. Na terça-feira, um carro-bomba foi detonado do lado de fora de um shopping da maior cidade do Equador, Guayaquil, matando uma pessoa e deixando 26 feridos. Um dia depois, houve explosões em pontes em outras duas províncias, deixando uma pessoa ferida e causando danos às estruturas.
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Mesmo diante do crescente número de mortos, no entanto, Noboa não está disposto a recuar. Na segunda-feira, anunciou o envio de um segundo comboio de 100 veículos do Exército a Imbabura, e o emprego de 5 mil militares para desobstruir os bloqueios.
O ponto central na nova crise equatoriana foi o anúncio, no dia 12 de setembro, do fim do subsídio oficial aos preços dos combustíveis: nas bombas, o litro do diesel passou de US$ 1,80 (R$ 9,83) para US$ 2,80 (R$ 15,29 — o dólar é a moeda usada no Equador). O governo aponta para uma economia de US$ 1,1 bilhão (R$ 6 bilhões) aos cofres públicos, mas críticos destacam o impacto sobre os orçamentos das famílias, especialmente as mais pobres.
A reação nas ruas foi quase imediata. Uma semana depois, já em meio a protestos, a Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), uma das principais forças políticas do Equador, convocou uma greve geral, aliada a protestos, enfrentamentos com forças de segurança e bloqueios de rodovias. Noboa, que até agora se recusa a ceder sobre o subsídio, declarou estado de exceção em sete das 24 províncias equatorianas. O mecanismo suspende alguns direitos e é voltado a suprimir situações de crise, e tem sido usado com relativa frequência no país, diante da infindável sequência de turbulências internas.
Os bloqueios nas estradas continuaram, assim como os protestos em várias cidades, especialmente na região andina, base da Conaie. No dia 28 de setembro, uma pessoa morreu e 12 soldados ficaram feridos em um violento confronto em Otavalo, na província de Imbabura — a Conaie acusa os militares de terem efetuado o disparo que matou Efraín Fuerez, um líder comunitário, mas as autoridades negam. Ao mesmo tempo, as Forças Armadas afirmam que as manifestações foram “infiltradas por grupos terroristas”, e ao menos 13 pessoas detidas enfrentam acusações de terrorismo.
Em comunicado, a Conaie afirma que o governo “transformou nossas comunidades em zonas de guerra”, repetindo acusações de uso de munição letal contra manifestantes desarmados. Até agora, três pessoas morreram e mais de 50 ficaram feridas, algumas em estado grave. A ONG equatoriana Periodistas Sin Cadenas relata ainda que 55 profissionais da imprensa foram agredidos.
“A repressão aos protestos, os ataques ao Tribunal Constitucional e a persistência de uma estratégia de segurança militarizada, apesar das graves violações de direitos humanos, colocam o Equador na lista de países da região que vivenciam um aumento preocupante de práticas autoritárias”, afirmou a diretora para as Américas da Anistia Internacional, Ana Piquer, em comunicado divulgado pela organização.
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No dia 4 de outubro, Noboa expandiu o estado de exceção para dez províncias, suspendendo por 60 dias o direito de reunião, efetivamente proibindo manifestações. Na ocasião, Edgar Lama, presidente do Conselho de Previdência Social, afirmou: “Não há nada a discutir com uma minoria que busca impor sua vontade por meio da violência”. na rede social X, Noboa foi além, afirmando que “aqueles que optarem pela violência enfrentarão a lei. Aqueles que agirem como criminosos serão tratados como criminosos”.
Em outro grave incidente, no dia 7, Noboa foi alvo do que as autoridades chamam de tentativa de assassinato. Durante uma visita a uma localidade em uma região andina, o carro de sua comitiva foi atacado por pedras, paus e, de acordo com a ministra de Meio Ambiente e Energia, Inés Manzano, por disparos de arma de fogo.
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O presidente saiu ileso, cinco pessoas foram presas e o ministro da Defesa, Gian Carlo Loffredo, disse que se tratou de “um ato de terrorismo”. A Conaie, por sua vez, afirmou que Noboa foi a uma área onde sabia que seria hostilizado “para justificar a sua política de guerra”. Yaku Pérez, ativista e ex-candidato à Presidência, disse que não há nada que ligue os detidos ao ataque, condenado pela comunidade internacional.
— Se houver repressão em Imbabura, os povos e nacionalidades não ficarão insensíveis. Nós nos levantaremos, não por solidariedade, mas por responsabilidade, porque o que eles estão fazendo em Imbabura está sendo feito com o resto do país — afirmou Yaku Pérez, em entrevista ao jornal La Hora.
Até o momento, não há sinal de diálogo entre o governo e a Conaie. Para Juan Fernando Páez, da Pontifícia Universidade Católica do Equador, hoje Noboa tem a mão mais forte à mesa, e mostra o ímpeto para usar a força para resolver a crise. Contudo, ele aponta que o presidente precisará fazer concessões em algum momento. No mês que vem, o país vai às urnas em um referendo que inclui, dentre outras medidas, a convocação de uma Assembleia Constituinte.
— Muitas das reivindicações deles (da Conaie) são legítimas e contam com o apoio da população — afirmou em entrevista ao site Cuenca High Life. — Pode haver espaço limitado para concessões sobre o diesel, mas é preciso haver uma discussão sobre saúde pública, educação e outros temas. Uma maneira de resolver esta greve é o presidente e o governo admitirem que muitos dos argumentos da Conaie são válidos.
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Antes considerada uma nação segura, o território equatoriano passou a ser usado por cartéis para o transporte de narcotráficos para os EUA e Europa, e se tornou cenário de confrontos sangrentos, inclusive dentro das penitenciárias.
Não há ligação comprovada entre as explosões de terça e quarta-feira, mas o ministro do Interior, John Reimberg, afirmou que a organização criminal Los Lobos, uma das maiores do país, era a principal suspeita: segundo ele, seriam represálias a um ataque recente contra áreas de mineração ilegal, controladas pelo grupo, em Imbabura.
Para o ministro da Infraestrutura, Roberto Luque, o narcotráfico também tenta se aproveitar das turbulências sociais para causar distúrbios e afetar a vida dos cidadãos. Já o governador da província de Guayas, Humberto Plaza, onde fica Guayaquil, tentou ligar a explosão ao movimento indígena, algo rejeitado pela Conaie.
“Repudiamos as acusações irresponsáveis e sem fundamento do governador de Guayas, Humberto Plaza, que quer vincular os povos indígenas à explosão”, afirma a organização, em publicação no X. “Este discurso bélico das autoridades do regime, como o de John Reimberg, só evidencia a violência estatal contra nossos povos.”