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Na semana passada, o Copom manteve a Selic em 15% ao ano pela segunda vez consecutiva. É a maior taxa desde julho de 2006. O atual ciclo de alta de juros começou em setembro de 2024. Desde então, a Selic aumentou em 4,5 pontos percentuais.
No documento, o Banco Central (BC) destacou que os dados recentes de atividade trazem “mais convicção” de que a desaceleração da economia acontece conforme o cenário delineado e disse que as últimas leituras de inflação mostram um quadro mais benigno, mas ainda em níveis incompatíveis com a meta. E apontou os sinais da conjuntura que justificam a convicção dos diretores do BC para adotarem cautela.
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Na ata, o Copom sinaliza que o ciclo de juros agora entra uma nova fase, de manutenção por “período bastante prolongado” — expressão repetida diversas vezes ao longo do texto. Nesse meio tempo, o BC continuará a avaliar se a estratégia é suficiente para alcançar a meta. Três fatores principais pesaram na decisão do Copom:
- Inflação
- Câmbio
- Incerteza internacional
A inflação é a principal preocupação do BC, apesar dos sinais de freio recentes. A projeção atual é que o IPCA recue a 3,4% no primeiro trimestre de 2027, período que o Copom mira para levar a inflação à meta de 3%.
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No comunicado divulgado após a reunião da semana passada, chamou a atenção de economistas o fato de o BC manter um discurso muito duro, apesar de algumas evoluções favoráveis no cenário de inflação.
Na ata, o Copom reconhece que há uma moderação gradual da atividade, certa diminuição da inflação corrente e alguma redução nas expectativas de inflação. Mas ressaltou que se manterá “vigilante” e “não hesitará em retomar o ciclo de alta se julgar apropriado”, reafirmando o “firme compromisso” de levar a inflação à meta.
O documento aponta que “a desancoragem das expectativas de inflação é um fator de desconforto” para todos os membros do Copom.
O que pensam os analistas?
Para o economista-chefe da G5 Partners, Luis OtavioLeal, o BC foi enfático sobre manter os juros altos por “período bastante prolongado” para evitar uma possível aposta na antecipação do ciclo de queda da Selic.
Ele prevê que o primeiro corte acontecerá em janeiro, mas afirma que, se estiver errado, é porque a flexibilização começará mais tarde. Em relação ao temor do governo, Leal não vê sinais de que a economia pode entrar em processo recessivo, pois o mercado de trabalho está bastante aquecido:
— Não vejo em horizonte previsível risco de recessão, não se tem recessão com menor desemprego da história e ainda com aumento da renda.
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Segundo Leal, se a dose de juros for superior ao necessário, o risco maior é elevar o custo financeiro das empresas.
O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, faz coro. Em nota, ele afirma que “a ata sugere que um ciclo de corte de juros é bastante improvável neste ano. Acreditamos que o cenário de melhora inflacionária deve se consolidar à frente, permitindo uma política monetária menos restritiva no ano que vem.”
A XP espera que o corte dos juros comece em janeiro, com a Taxa Selic terminando 2026 em 12%. “Um início mais tardio (em março ou depois) parece mais provável do que um mais cedo (dezembro).”
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O economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, por sua vez, mantém a expectativa de que o BC comece a reduzir a Selic em dezembro, pois até lá a desaceleração da economia já deve aparecer nos preços. Ele reconhece que há risco de o Copom pecar pelo excesso ao manter os juros altos por muito tempo, mas avalia que o BC tem instrumentos para evitar esse cenário.
Oliveira admite, no entanto, que o cenário de queda da arrecadação gera preocupação com a meta fiscal de 2026:
— Se o BC ajudar cortando o excesso de juro real mais cedo, é melhor, só que a inflação esperada tem que estar mais próxima do centro da meta.
Câmbio ajuda, serviços atrapalham
Ao analisar o cenário recente de inflação, o Copom considerou que os dados mostraram uma dinâmica mais benigna do que se esperava no início deste ano, graças à combinação do dólar mais baixo com preços de commodities mais favoráveis. Essa combinação contribuiu para a redução dos preços de alimentos e de bens industriais.
Mas a ata destaca que a inflação de serviços “tem se mantido mais resiliente, respondendo a um mercado de trabalho que segue dinâmico e a uma atividade que tem apresentado moderação gradual.” O BC destaca ainda que os núcleos de inflação — que costumam apontar a tendência à frente — há meses se mantêm acima do compatível com o atingimento da meta.
Para o Copom, esse quadro corrobora a “interpretação de uma inflação pressionada pela demanda e que requer uma política monetária contracionista por um período bastante prolongado.”
Em relação à atividade econômica, o Copom avalia haver “certa moderação” no crescimento, o que traz “maior convicção de que o cenário delineado pelo Comitê está, até agora, se concretizando”. Para o BC, o arrefecimento da demanda é um “elemento essencial” para a convergência da inflação à meta.
O texto observa ainda que medidas do governo, como estímulos fiscais ou de crédito, “que poderiam levar a uma discrepância em relação ao cenário delineado”, “não provocaram, até agora, divergências relevantes em relação ao que se esperava. As pesquisas setoriais mensais e os dados mais tempestivos de consumo corroboram, em geral, o prosseguimento de uma redução gradual de crescimento.”
No cenário externo, o Copom avalia que a incerteza persiste, daí a necessidade de “preservar uma postura de cautela”. O BC ressalta que a trajetória dos juros nos Estados Unidos tem forte impacto no mercado global. Na semana passada, no mesmo dia da reunião do Copom, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deu início a um ciclo de corte de juros.
A ata ainda repete que as políticas fiscal e monetária precisam ser harmoniosas. “Uma política fiscal que atue de forma contracíclica e contribua para a redução do prêmio de risco favorece a convergência da inflação à meta.”