O gesto de aproximação ao Brasil feito durante o discurso na Assembleia Geral da ONU não significa necessariamente que o país sairá da mira do presidente dos EUA, Donald Trump, diz Roger Fisk, estrategista global de comunicação que atuou na campanha e no primeiro governo de Barack Obama, além de ser consultor da gestão de Joe Biden.
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Fisk afirma que um erro comum é tentar enquadrar as ações de Trump em alguma estratégia política ou visão de mundo, quando suas atitudes são guiadas por questões pessoais e circunstâncias específicas. Nesse contexto, Fisk diz que a defesa da liberdade de expressão nas redes sociais é uma “camada superficial” em cima da dinâmica pessoal que move Trump.
O estrategista, no entanto, avalia que estamos em um ponto de virada, em que as tarifas aplicadas a outros países começarão a ser sentidas pelos varejistas dos EUA, o que deve causar impactos diretos para a população. Fisk vem ao Brasil para participar do evento Repcom, da FSB Holding, focado em comunicação pública, no dia 1º de outubro, em Brasília.
O aceno de Trump a Lula ao discursar na ONU muda algo na postura em relação ao Brasil?
O presidente Trump atua em um nível puramente pessoal, livre de restrições políticas ou preocupações diplomáticas. Isso pode se desdobrar de maneira muito favorável em um dia e, com a mesma facilidade, tornar-se difícil no seguinte.
O elemento pessoal é de enorme importância entre líderes mundiais, e já vi de perto como uma boa química pode ajudar dois países a cooperar, colaborar e até negociar. O presidente Trump dá ênfase um pouco excessiva ao aspecto pessoal e não o suficiente à política e à diplomacia que, combinadas, resultariam em um desfecho muito mais sustentável.
A pressão dos EUA sobre o Brasil deve continuar?
Um dos primeiros erros que as pessoas cometem é presumir que existe algum tipo de estrutura política ou visão filosófica sobre como o presidente (Trump) analisa diferentes países e atribui níveis de tarifas a eles, porque tudo é completamente episódico e circunstancial. Tudo isso é muito pessoal e específico, baseado nas relações dele com líderes mundiais.
Não há uma política fixa, uma estrela-guia. O fato de que o ex-presidente (Bolsonaro) é alguém com quem ele está filosoficamente alinhado, e em quem ele vê muito de si mesmo, já é, por si só, mais do que motivo suficiente para ele agir de forma unilateral e independente ao aumentar as tarifas.
Quais podem ser as consequências?
A trajetória atual do comportamento de Trump vai continuar como está, ou seja, ele vai exercer sua relação pessoal com Bolsonaro e usar isso para guiar sua visão sobre questões tarifárias e comerciais com o Brasil.
O Judiciário, na forma da Suprema Corte, pode impor alguns obstáculos, ou ao menos tornar mais difícil para ele continuar agindo nesse contexto muito pessoal, em relação a algo que é essencialmente uma questão política e diplomática.
E como o público americano percebe as tensões comerciais em andamento?
O que está ocorrendo com o americano médio, quando se trata do consumo de notícias e informações, é que há muita coisa acontecendo. O governo Trump está em batalhas com universidades, com a ciência sobre vacinas, e há conflitos não resolvidos ao redor do mundo.
Há tanta informação que não sei se alguém realmente foca na dinâmica comercial com um país específico, exceto talvez a China.
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Mas a guerra comercial não causou prejuízo à população?
Estamos em um ponto de virada agora. Por exemplo, alguns dos grandes varejistas que produzem bens domésticos, que são a conexão mais imediata que os americanos têm com as flutuações da economia, estão começando a dizer: “Não vamos mais absorver os custos das tarifas”.
Isso sinaliza muito claramente que esses custos serão repassados ao consumidor. Quando isso acontecer, muito rapidamente veremos o nível de conscientização do povo americano aumentar. E há os números de empregos no verão, que não apenas foram fracos desde o início, mas foram revisados para baixo.
Outro tópico que parece colocar o Brasil em situação delicada com Trump é a iniciativa do governo Lula de regulamentar as redes sociais. Isso poderia tensionar ainda mais as relações?
Há muitos exemplos de países ao redor do mundo que têm regras diferentes quando se trata de redes sociais. E a alegação de que essa dinâmica se deve ao Brasil censurar redes sociais é, na verdade, muito mais uma camada superficial sobre a dinâmica pessoal que mencionei no início da conversa.
Não há alguém no governo Trump que acorde de manhã e diga: “Meu Deus, há uma plataforma de rede social sendo censurada em algum lugar do mundo e eu preciso resolver isso”. É muito mais que o presidente atual é filosoficamente muito próximo do ex-presidente do Brasil, e então tudo mais se organiza em torno disso.
Os indicadores econômicos no Brasil, como desemprego e PIB, estão em um bom momento. Mas Lula enfrenta dificuldades em sua popularidade. Há dificuldade dos governos, sobretudo de esquerda, de se comunicarem?
As equipes de comunicação pública nem sempre explicam qual é o problema que uma política está tentando resolver, ou por que um programa está sendo proposto. É muito fácil para essas equipes falarem sobre bilhões de reais, milhões de pessoas, prazos de cinco ou dez anos. Mas Steve Jobs, o criador da Apple, sempre insistia que suas equipes pensassem: “Por que isso importa?”
Então as equipes de comunicação pública precisam humanizar muitas dessas questões políticas. Por que alguns desses sucessos em relação ao desemprego ou aos indicadores econômicos importam? As equipes de comunicação pública ficam tão imersas na política que acabam falando sobre essas coisas apenas no contexto da legislação. E isso simplesmente passa despercebido pelas pessoas e elas não entendem.
Qual é o papel que a inteligência artificial (IA) terá na comunicação política e no engajamento dos eleitores?
Já estamos vendo nos EUA a “influência automatizada”, a capacidade da IA de gerar milhares, dezenas de milhares de comentários em postagens nas redes sociais, ou e-mails para autoridades eleitas, o que cria, inicialmente, a ideia de que dezenas de milhares de pessoas estão preocupadas com determinado assunto, quando, na verdade, é apenas um programa de IA. Isso vai aumentar o ruído e a fragmentação do discurso.
O nível de compreensão que está surgindo da IA em dados e análise é impressionante. As equipes precisam ser muito ágeis, e os recursos humanos que terão de ser dedicados à resposta rápida vão dobrar ou triplicar a cada trimestre, se não, a cada ano. Por causa da quantidade de vídeos falsos (deepfakes).