Muitos estudantes de ensino básico já usaram os tradicionais modelos de bolas e varetas para entender estruturas de moléculas orgânicas nas aulas de química. Esses kits de montagem físicos, que mais parecem brinquedos, têm sido dispensados hoje por alguns professores (trocados por aplicativos de celular), mas foi com eles que Richard Robson teve a ideia genial que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Química de 2025.
Quando era um jovem professor de química na Universidade de Melbourne (Austrália), em 1974, o cientista foi incumbido de uma tarefa aparentemente entediante. Naquele ano, o diretor do departamento o pediu que ele fosse à oficina de marcenaria da universidade para perfurar as bolas de madeira que seriam usadas nos modelos dos estudantes de primeiro ano.
Os marceneiros não podiam fazer o serviço sozinhos. Robson tinha que fazer as marcações dos furos porque cada átomo (esfera) representado no modelo tinha tendência a formar ligações químicas (hastes) em ângulos específicos.
— O que eu tinha que fazer era calcular os ângulos, o que para mim era algo totalmente novo — contou o cientista, em depoimento em 2019 à sua universidade. — A oficina tinha que fazer furos nas bolas de madeira nesses ângulos para poder montar os modelos, e eu usava tabelas de trigonometria para esse trabalho.
Os modelos em questão mostravam aos estudantes as estruturas de cristais como o cloreto de sódio e a fluorita, mas Robson começou a imaginar como seria possível misturá-las aos elementos orgânicos classicamente representadas por bolas e varetas, como hidrocarbonetos e anéis de carbono. A ideia era usar duas classes diferentes de elementos para conectar estruturas a estruturas, mais do que para conectar átomos a átomos.
— Ficou claro para mim na época que as bolas já possuíam uma informação prévia, e estavam predispostas a produzir estruturas que queríamos produzir — contou.
Nos anos 1980, Robson decidiu então tentar criar sua primeira estrutura metalorgânica sintética, intercalando átomos de cobre com nitrogênio e pequenas pirâmides de carbono em estrutura de diamante. Colegas, porém, disseram para não se empolgar com experimentos.
— Naquela época, qualquer químico sensato e razoável teria dito que nossas chances de criar um cristal assim eram zero, e que tudo o que conseguiríamos seria uma estrutura caótica, com ninhos de pássaros emaranhados — contou. — Acontece que funcionou maravilhosamente bem. E nós obtivemos os cristais.
A estrutura do material foi confirmada pelo cientista Bernard Hoskins, que trabalhava com cristalografia, uma técnica para investigar formas de moléculas. Ele manifestou, porém, uma preocupação ao colega.
Esses cristais tinham um “defeito”. Em meio a sua estrutura se intercalavam grandes cavidades, que poderiam torná-la instável e difícil de manusear, pois as aberturas eram propensas ser penetradas por outras moléculas menores.
Esse “problema”, no final das contas, veio se revelar como o grande diferencial do material que o cientista acabara de sintetizar. As cavidades eram excelentes lugares para capturar moléculas indesejadas ou estimular (catalisar) reações químicas de outras moléculas.
Num experimento que partiu de uma curiosidade, e até mesmo de teimosia, surgia então o campo de estudo das “estruturas metalorgânicas” (MOFs). Hoje elas existem em uma infinidade de estruturas diferentes, que são usadas nas mais diferentes aplicações, como extrair água do ar no deserto, capturar CO2 ou remover poluentes.
— Esses materiais, com a porosidade e com as funções químicas que exibem, conseguem ter uma vasta aplicação na química — conta Severino Alves Júnior, professor da UFPE e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). — Quando elas iniciaram, a principal aplicação era a dissolução de gás, mas hoje já têm aplicações na física, na engenharia, no meio ambiente, na saúde e até na segurança pública, com marcadores de munição em resíduos de tiros.
Antes de ganharem todos esses usos, porém, as estruturas criadas inicialmente por Robson passaram por grandes aprimoramentos feitos pelos cientistas Susumu Kitagawa e Omar Yaghi, que compartilham o com ele o Nobel de Química anunciado hoje.
O australiano diz que não pensava em ganhar o prêmio, e que só em 2018 começou a se dar conta da dimensão que seu trabalho tinha adquirido na química. Naquele ano ele foi aplaudido no primeiro congresso internacional de química realizado especificamente sobre MOFs.
Mesmo tendo sido o cientista que criou toda uma área nova de pesquisa, Robson afirma que se sente coadjuvante nos trabalhos pioneiros, e já atribuiu ao cristalógrafo Hoskins (que não recebeu Nobel agora), o mérito pelo sucesso inicial da pesquisa. No depoimento à sua universidade, disse que não considerava nem que seu papel no trabalho tenha sido científico.
— Minha contribuição para tudo isso foi mais como artista ou como arquiteto — afirmou.