Após a proposta de emenda constitucional (PEC) que discute o fim da jornada 6×1 ser protocolada na Câmara dos Deputados, um novo estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) calcula o impacto econômico da medida, que representaria na prática a redução da escala de trabalho para 40 horas semanais.
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O levantamento conclui que a mudança poderia comprometer de 14,2% a 16% do PIB, com aumento no desemprego e queda na massa salarial.
A federação levou em conta dois cenários ao traçar prognósticos. Na primeira hipótese, o país teria redução de jornada sem aumento da produtividade — indicador que avançou no país apenas 0,9% ao ano, entre 1990 e 2024. O resultado seria uma perda de até R$ 2,9 trilhões no faturamento das empresas, com fechamento de 18 milhões de postos de trabalho e impacto negativo de 16% no PIB.
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A segunda hipótese considera a redução de jornada acompanhada de um aumento de 1% ao ano da produtividade, ou seja, acima da média anual das últimas décadas. Ainda assim, o efeito seria uma perda de R$ 2,6 trilhões no faturamento, com menos 16 milhões de empregos e retração de 14,2% no PIB.
Para a Fiemg, sem ganho substancial de produtividade a adoção de jornada mais curta tende a elevar o custo do trabalho e a reduzir a competitividade da indústria nacional. Para pequenas e médias empresas, a mudança levaria a contratações informais ou redução de atividades. O estudo se baseou na metodologia de Insumo e Produto, a partir do Sistema de Contas Nacionais, do IBGE.
O principal projeto no Congresso que aborda a redução de jornada foi protocolado pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). A PEC propõe reduzir o limite semanal de horas para permitir a adoção do modelo de quatro dias de trabalho. A parlamentar já reconheceu, porém, que deve buscar um meio termo, com a escala de cinco dias de trabalho semanais.
A proposta menciona argumentos como a necessidade de adotar modelos de trabalho mais flexíveis, adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida.
O criador do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), vereador Rick Azevedo (PSOL-RJ), viralizou em 2023 com um vídeo no TikTok com críticas à jornada 6×1. “É escravidão moderna, ultrapassada. Eu fico pensando: eu que não tenho filho, não tenho nada, sou sozinho, não dá para fazer as coisas. Imagina quem tem filho, tem marido, tem casa para cuidar?”, disse ele na época.
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O estudo da Fiemg associa o debate a respeito da jornada de trabalho à discussão sobre produtividade, classificada como um grande desafio para o país. A produtividade do trabalhador brasileiro equivale a 23% da do trabalhador americano. A produtividade na Argentina é mais alta e corresponde a 40% da de um trabalhador americano.
O resultado do indicador no país, pondera o estudo, reflete aspectos como infraestrutura logística deficitária, alta carga tributária, menor nível de educação e qualificação profissional e baixa intensidade tecnológica.
João Gabriel Pio, economista-chefe da Fiemg, destaca ainda que a carga horária efetivamente trabalhada no país — o tempo dedicado, excluindo férias e feriados — é de 39 horas semanais, abaixo da média global de 39,9 horas.
— O Brasil tem carga horária muito menor comparado a países de renda parecida. Países desenvolvidos têm carga horária menor, e a produtividade explica isso. Esses países possuem grande eficiência. Com a mesma quantidade de recursos, capital e trabalho, conseguem produzir muito mais — diz.
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— (Com a proposta) Você vai precisar de mais pessoas para produzir a mesma coisa. É evidente que muitas empresas têm margem para amortecer esse aumento, mas uma parcela significativa não tem. Se cai a produção de veículos, você usa menos vidro, menos plástico. Há efeito indireto.
Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), diz que a redução de jornada é uma bandeira antiga das centrais sindicais. Ele pondera que o modelo tradicional de jornada 6×1 tem enfrentado resistência crescente entre os que ingressam no mercado de trabalho e cita como exemplo a dificuldade do setor de supermercados para preencher vagas:
— São salários baixos e um trabalho tão extenuante que o jovem não quer mais perder os fins de semana e feriados.
Já o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, avalia que, ao reduzir a carga horária sem diminuir salários, há aumento imediato no custo do trabalho, o que tende a pressionar a inflação e corroer o poder de compra da população.
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O estudo cita como consequências aumento de preços, com repasse da alta de custo do trabalho, mais automação, limitação na contratação formal, pressão sobre pequenas e médias empresas e sobre setores intensivos em mão de obra (construção civil, comércio e serviços).
Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria de negócios Gouvêa Malls, observa uma dicotomia: embora a produtividade no Brasil seja baixa, a demanda por profissionais mais qualificados é crescente.
— O nível de qualificação de quem trabalha em pé muitas horas, quase todos os fins de semana, tende a ser mais baixo, o que vai de encontro à necessidade de atrair mão de obra capaz de entregar mais por meio de um relacionamento com cliente.