O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acordou com o celular mais cheio de mensagens do que o habitual na manhã daquela quarta-feira, 25 de junho.
O chefe da equipe econômica já estava dormindo quando, às 23h55 da noite anterior, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciara pelas redes sociais que colocaria em votação o decreto legislativo para sustar o do governo que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Ficava claro ali para Haddad e seus colegas no Palácio do Planalto que a tentativa de se construir um acordo com os parlamentares em torno da taxação havia caído por terra e a cúpula do Congresso estava mesmo decidida a entrar em rota de colisão com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O prognóstico se confirmou dois dias depois com uma derrota humilhante para os governistas no plenário da Câmara dos Deputados, por 383 votos a 98.
Haddad estava inconformado. E, ao falar com Lula, encontrou um presidente igualmente indignado. Motta mostrara-se inconfiável aos olhos dos petistas. Em pouco tempo e sem aparente explicação, saíra de uma postura “colaborativa”, como interlocutores de Lula vinham classificando, para tornar-se o capitão de um profundo desgaste para o governo.
Horas depois de o IOF ser derrubado no Congresso, Lula decidira dar aval à estratégia sugerida por Haddad: era preciso brigar pelo IOF até o fim e levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
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O episódio é visto por integrantes do governo como um ponto de virada na crise do IOF e na relação do ministro com outros colegas de Esplanada, que dizem ver o chefe da equipe econômica saindo maior do que entrou na disputa e restabelecendo o lugar de “homem forte” de Lula.
De início, a medida do IOF foi criticada por integrantes da Casa Civil, comandada por Rui Costa, e outros auxiliares presidenciais. Parecia mais uma frente de desgastes que se somava às crises do Pix e da tributação das compras internacionais (taxa das blusinhas), todas vistas como da “lavra da Fazenda” e citados com frequência como fundamentais para o atual desgaste de Lula junto à população.
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O jogo, porém, mostrou-se diferente desta vez. Para Lula, o Congresso não estava só questionando a política econômica de Haddad, mas tentava avançar sobre as prerrogativas presidenciais. Era preciso delimitar espaços. E a melhor forma de fazê-lo era defendendo a proposta de seu ministro da Fazenda.
Além disso, Haddad, que vinha sofrendo desgaste com a pecha de “Taxad” por sua agenda de alta de impostos, conseguiu empacotar a medida numa mensagem de fácil absorção para petistas e com potencial popular: a briga contra o “andar de cima”.
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A batalha com o Legislativo e o respaldo de Lula na briga pelo IOF trouxeram um amparo à agenda de Haddad dentro do governo que o time da Fazenda ainda não havia experimentado ao longo do mandato de Lula.
— A promessa do presidente foi a de colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda. A sociedade inteira entende esse recado: o que Haddad está fazendo com a isenção no IR e a taxação dos super–ricos nada mais é do que ajudar o presidente a colocar em prática a promessa de 2022 — diz o ministro da Controladoria-geral da União, Vinicius Carvalho.
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A estratégia de subir o tom contra os “bilionários”, defender a bandeira da “justiça tributária” e judicializar o IOF fora amarrada por Haddad com o presidente em uma série de conversas, incluindo encontros a sós no Palácio da Alvorada.
Com o aval de Lula, o ministro da Fazenda já começara a subir o tom em falas públicas e entrevistas. Foi assim quando, em audiência na Câmara, no início de junho, chamou deputados bolsonaristas de “moleques” e disse que os moradores da “cobertura do prédio” deveriam passar a pagar condomínio da mesma forma que o zelador. O tom repetiu-se em entrevistas nos dias que se seguiram.
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As falas foram então testadas pelo PT, que pegou dois trechos de declarações de Haddad e impulsionou nas redes, pagando para que eles ganhassem tração. A resposta foi boa, e o partido decidiu investir numa série de peças publicitárias com o mote da defesa da justiça tributária, usando inteligência artificial e defendendo a briga contra os “BBBs”: “bilionários, bancos e bets”.
Por trás da concepção dos vídeos está Otávio Antunes, marqueteiro de Haddad na disputa presidencial de 2018 e amigo do ministro. Com longo histórico de colaboração em campanhas do PT, ele colocou o material na rua em sintonia com a direção do partido.
As peças já estavam em produção, mas a divulgação foi acelerada a partir da derrubada pelo Congresso do decreto do IOF. Cerca de 40 vídeos foram produzidos e muitos deles viralizaram, animando o partido e arrastando a equipe do ministro Sidônio Palmeira, da Secretaria de Comunicação da Presidência, para surfar na linguagem do “nós contra eles”.
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— Haddad já estava nesta toada de taxar super-ricos. E o presidente Lula, muito irritado com o negócio do IOF, comprou a ideia. Fizemos reuniões com a bancada do PT e com influencers progressistas para dizer: é o caminho. Deu coesão política ao governo. É o tom que queremos levar para 2026 — diz o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), secretário nacional de comunicação do PT.
Para um integrante da legenda, a direita tem histórico de ser bem-sucedida ao eleger “adversários” em campanhas. Aqui no Brasil, o alvo são os que querem ir contra a “família” ou a “pátria”. Lá fora, há a briga contra “imigrantes”. Agora, a esquerda conseguiu dar materialidade a uma de suas bandeiras, que é a batalha contra os privilégios de bilionários, diz.
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A vitória obtida na última semana pelo governo na ação do IOF coroou a estratégia de embate. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu manter a validade do decreto presidencial, alterando apenas um ponto que versava sobre a taxação no caso do chamado “risco sacado”.
— O ministro Haddad tem se dedicado a corrigir injustiças tributárias no Brasil, sob a liderança do presidente Lula — disse o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias.
A estratégia de Haddad, porém, não vem sem custos. Ao se pintar para a guerra, ele aglutinou apoio no governo e no PT, mas perdeu parte do ativo conquistado ao longo do terceiro mandato de Lula junto aos investidores, que seguem insatisfeitos com a política de aumento de impostos e a falta de gestos contundentes de corte de gastos.
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Antes visto pelo mercado como voz dissonante dentro do PT e único capaz de fazer as pontes entre a gestão petista e a Faria Lima, o centro financeiro de São Paulo, o ministro passou a ser alvo constante de críticas por gestores e empresários.
Interlocutores de Haddad admitem o desgaste, mas ponderam que a Faria Lima já escolheu um lado para 2026 e não é o de Lula. Diante disso, o ministro e o governo corriam o risco de ficar sem nada: criticados por empresários e sem apoio popular.
O ajuste de posicionamento de Haddad fez com que a imagem dele dentro do campo progressista melhorasse em sondagens internas do PT. Além disso, com a ajuda do embate com Donald Trump em torno do tarifaço, a popularidade de Lula deu sinais de recuperação. Tudo isso vem quando crescem as pressões dentro do PT para que Haddad saia candidato no ano que vem, algo que ele tem relutado.
A nova direção do partido tem como meta convencê-lo a disputar uma vaga no Senado por São Paulo, ajudando a impedir o bolsonarismo de fazer maioria na Casa e engrossando o palanque de Lula no principal estado do país.