Na região onde a floresta temperada encontra o Oceano Pacífico, perto de Bella Bella, na Colúmbia Britânica, os Heiltsuk, uma Primeira Nação canadense cujo nome é frequentemente grafado como Haíɫzaqv, têm trabalhado para conter um problema com o caranguejo-verde europeu em seu território.
Em 2021, o programa Guardian, responsável pela gestão das terras e águas tradicionais do país, começou a instalar armadilhas para remover essa espécie invasora. Mas as armadilhas — estruturas circulares simples com redes e iscas de copos de plástico contendo arenque ou pedaços de leão-marinho — estavam sendo repetidamente e inexplicavelmente destruídas.
Algumas armadilhas quebradas eram encontradas em águas profundas, nunca expostas na maré baixa.
Lobo na Colúmbia Britânica surpreende pesquisadores ao manipular armadilha de caranguejo
“Talvez sejam lontras, talvez sejam visons, talvez sejam focas, mas não sabíamos”, disse Kyle Artelle, ecologista da Faculdade de Ciências Ambientais e Florestais da Universidade Estadual de Nova York, que trabalha com a Nação Heiltsuk.
Para identificar o responsável, Milène Wiebe, estudante de pós-graduação da Universidade de Alberta, e Richard Cody Reid, um Guardião Heiltsuk, instalaram uma câmera remota em maio de 2024. O que eles registraram no vídeo no dia seguinte não era um mamífero marinho nem um mustelídeo. Era um lobo.
Nas imagens, o canídeo nada da água profunda até a parte rasa, puxando a bóia vermelha e branca presa à armadilha com a boca. Em seguida, recua em direção à margem, erguendo a corda até a superfície da água. Depois de soltar a bóia e se sacudir parcialmente para se secar, retorna à água, pega outro pedaço de corda e puxa novamente. Na terceira tentativa, a armadilha sobe para uma área rasa, permitindo que o animal a agarre.
Rasgando a rede para alcançar o copo de isca laranja, ele o carrega até a praia, coloca-o sobre os seixos, lambe as tiras de carne de leão-marinho, procura por restos, engole-os e sai trotando despreocupadamente.
Os pesquisadores descrevem a breve filmagem, publicada na segunda-feira no periódico Ecology and Evolution, como o primeiro caso documentado de um lobo usando uma ferramenta. O uso de ferramentas é definido como o emprego de um objeto externo para atingir um objetivo específico com intenção, afirmaram Artelle e Paul Paquet, ecologista de predadores da Universidade de Victoria, na Colúmbia Britânica, e coautor do estudo.
Alguns especialistas argumentam que puxar a corda deveria ser excluído da categoria de “uso de ferramenta”, já que foram os humanos, e não os lobos, que colocaram a corda. Mas, independentemente da classificação, o comportamento do lobo é “incrível”, disse Artelle. “Mesmo que não queiramos chamar isso de uso de ferramentas, o fato de a armadilha estar completamente submersa e fora de vista mostra que ele compreendia a conexão entre todas as etapas. Ele completou a sequência em menos de três minutos, o que significa que não foi apenas uma tentativa aleatória. O comportamento foi inequívocamente intencional”, acrescentou.
O uso de ferramentas por animais não humanos tem sido alvo de debate por décadas. “Durante muito tempo, acreditou-se que éramos as únicas criaturas na Terra que usavam e fabricavam ferramentas”, disse a falecida Jane Goodall, que em 1960 observou chimpanzés selvagens manipulando gravetos para se alimentar de cupins. Desde então, evidências de polvos, corvos, peixes, elefantes, crocodilos e insetos ampliaram a compreensão do fenômeno.
Para Sabina Nowak, ecologista especializada em lobos da Universidade de Varsóvia, que não participou do estudo, a descoberta não é surpreendente. “Eles são tão inteligentes”, afirmou. Susana Carvalho, primatóloga e paleoantropóloga do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, acrescentou que o estudo reforça que o uso de ferramentas por animais é mais disseminado do que se pensava. “Outra espécie com sociabilidade complexa é capaz de inovação e resolução de problemas”, disse.
Ela também destacou, como os autores do estudo, que o comportamento foi registrado em território Heiltsuk, onde os lobos enfrentam pouca perseguição humana e têm mais liberdade para explorar novas estratégias. Se esse lobo é um inovador solitário ou representa um padrão cultural mais amplo, ainda é um mistério. Mas William Housty, diretor do departamento de gestão integrada de recursos Heiltsuk, suspeita da participação de vários indivíduos. “Nossa equipe encontra caixas de isca arrombadas diariamente”, disse.
Descendente do clã dos lobos do país, Housty tem grande respeito pela espécie e não se surpreende com sua inteligência. “Às vezes nos esquecemos de que as espécies ao nosso redor são tão inteligentes quanto nós”, afirmou.
