Cartas com “poderes” especiais, dados lançados para definir o número de jogadores em campo e presidentes de times batendo pênaltis. Essas regras podem parecer a descrição de um jogo de videogame, mas fazem parte da Kings League. O novo formato de futebol criado pelo multicampeão e lenda do Barcelona e da seleção espanhola, Gerard Piqué, em 2022, chegou ao Brasil neste ano após rodar por países como Estados Unidos, Espanha, México e Itália, unindo a experiência de nomes conhecidos do futebol tradicional com a atração da audiência jovem de influenciadores. Em sua primeira edição, a liga brasileira é presidida pelo ex-jogador Kaká e conta com personalidades como Neymar, Ludmilla e o streamer Gaules à frente dos times.
— A motivação para trazer a Kings League para o Brasil vem do desejo de aumentar o entretenimento através do futebol de uma maneira que conecte ainda mais com as novas gerações. Nosso país respira futebol e também é um dos maiores consumidores de conteúdo digital no mundo. Misturamos o esporte que amamos com o entretenimento que move as redes sociais — explica Kaká.
— Para essa geração, tudo deve ser intenso e dinâmico. O jogo precisa mudar a cada dois ou três minutos, ação mais rápida, para manter a atenção deles. Mais uma vez isso acaba sendo bem parecido com os games, que estão cada vez mais frenéticos — explica a organização da liga.
A competição segue os moldes do tradicional futebol 7, mas com dinâmicas semelhantes às de games e participação ativa de influenciadores do ramo, numa espécie de “gameficação” do jogo real.
O formato já atraiu grandes estrelas do futebol mundial, como Ronaldinho Gaúcho, Pirlo, Totti e Hazard. Na liga brasileira, o principal nome é Zé Roberto. Com passagens por clubes gigantes dentro e fora do Brasil — Real Madrid, Bayern de Munique, Grêmio, Flamengo, Santos e Palmeiras —, o ex-jogador havia pendurado as chuteiras em 2017, mas criou um fascínio pelo fut7 ao atuar no Mundial em 2021. Recentemente, foi convidado para montar um dos clubes da nova liga, o Fluxo FC, presidido pelos streamers Cerol e Nobru, nomes de peso do universo dos games de tiro. O ex-jogador diz que “não pensou duas vezes” em participar, mesmo atuando como reserva de “luxo”.
— Eu já tinha ouvido falar da liga, o formato dela, as regras. É muito chamativa. Atrai tanto o atleta quanto a torcida — conta Zé Roberto: — Eu entrei como um dos wildcards (uma das cartas extras permite um “jogador estrela” entrar no time). Fico mais no suporte. Pretendo iluminar caminhos desses atletas mostrando que é uma visibilidade no Brasil e no mundo, possibilita mudar a vida deles.
Kelvin Oliveira: destaque mundial
Um exemplo dessa mudança aconteceu na carreira do atacante Kelvin Oliveira, de 29 anos. Ex-promessa das bases de Cruzeiro e Milan, ele não conseguiu se firmar no futebol de campo e migrou para o fut7, onde se tornou o melhor do mundo em 2021. Chegou a fazer testes no Grêmio em 2023, mas não atuou. O fim de um sonho abriu portas para outro. Kelvin foi o melhor jogador e artilheiro de dois torneios internacionais da Kings League: o Mundial de Clubes, no ano passado, e o Mundial de Seleções, em janeiro. Nem mesmo um convite de Neymar para defender o Santos o fez mudar de ideia.
— Meu tempo no futebol de campo passou. Já tive muitas decepções. Não queria mais isso. Estou num momento tão bom da minha vida que não queria voltar para mais um desafio diferente, onde seria tratado como mais um ou até com certo preconceito por ser jogador de outra modalidade. Ficar na Kings League, com o prestígio que tenho e com a proposta de ser presidente, foi algo muito mais vantajoso para mim — explica Kelvin.
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Dez times participam do torneio (formato no gráfico abaixo). A última rodada da 1ª fase será disputada amanhã, na Oreo Arena, em Guarulhos (SP). Brigam pela liderança a Fúria, presidida por Neymar e pelo empresário Cris Guedes, seguida pela G3X. A grande final será dia 18, no Allianz Parque, estádio do Palmeiras.
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Desde o pontapé inicial, o jogo já mostra que é diferente. Um jogador de cada lado entra em campo para disputar a primeira bola, lançada de uma jaula suspensa no teto da arena. A cada minuto, mais um atleta de cada equipe entra em campo, até que os times fiquem completos, com sete jogadores.
Há mais particularidades. A dois minutos do fim do 1º tempo, um dado gigante é lançado para determinar quantos jogadores permanecerão em cada equipe até o intervalo. No segundo tempo, entra em cena um novo elemento típico dos games: as cartas secretas, que podem variar de “gol dobrado” até a exclusão de um jogador adversário.
Ambas as equipes escolhem, antes do início da partida, uma carta secreta dentre um montante de dez, que se dividem em seis “armas secretas”. Elas servem para mudar as regras do jogo em favor da equipe que as ativar, acionando o botão verde localizado ao lado da comissão técnica de cada time.
Além da possibilidade de fazer o gol valer o dobro por quatro minutos, as cartas também se dividem entre: o pênalti; o shootout (um jogador cara a cara com o goleiro); a carta “jogador profissional ou estrela”, que faz o gol do capitão da equipe valer dois; a suspensão, que permite retirar um jogador adversário por quatro minutos; e a carta coringa, que pode emular quaisquer regras ou “roubar” a carta do time adversário.
Não há empate: vitória decidida nos shootouts
Os dois minutos finais da partida também são diferentes: se uma equipe estiver em vantagem, qualquer gol passa a valer o dobro. Se a partida ainda estiver empatada, entra em vigor o “gol de ouro”: a equipe que fizer o primeiro gol vence. Caso permaneça empatado, a decisão será por shootout, uma espécie de “pênalti” onde o atacante parte do meio de campo, consagrado pela MLS, liga de futebol dos Estados Unidos.
A pontuação também difere na classificação. O vencedor no tempo normal leva três pontos, enquanto o perdedor nesse caso não leva nada. Já os vencedores e perdedores no shootout levam dois e um ponto, respectivamente.
Ryan Lima é escolhido por Neymar no draft
Diferentemente de Kelvin, o jogador do clube paulista Mogi Futsal, Ryan Lima, de 23 anos, ainda busca seu espaço na competição. Até o início do ano, ele trabalhava como funcionário de uma indústria de roupas íntimas, enquanto atuava com a bola de salão à noite. Agora, pôde se demitir para seguir o sonho de ser jogador em dois períodos — tanto no futsal quanto na Kings League —, sendo um dos escolhidos pela equipe de Neymar nos drafts, em que os presidentes dos clubes selecionaram 10 dos 13 integrantes das equipes (os outros três são convidados).
— Fizemos alguns trabalhos em novembro, os chamados “try outs”. Nos testaram na disputa X-1, defendendo, atacando, driblando, e depois fizeram uma carta pontuando nossas habilidades. No dia do draft, eles escolheram a gente com base nessas cartinhas e nos vídeos dos nossos treinos — diz Lima. — Quando falaram meu nome, não consegui reagir. Quando vi que era o time do Neymar, eu não acreditei. Depois, quando reunimos os times, ele disse que era a chance de mudarmos nossas vidas.
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Outros rostos conhecidos do futebol de campo, como o lateral-esquerdo Dôdô — que teve passagem por Corinthians, Santos, Cruzeiro e Atlético-MG —, além de Matheus “Dedo”, que atuou no América Carioca no ano passado, também buscam uma sobrevida na competição. O primeiro entrou como wildcard, e o segundo, pelo draft.
Além de nomes das quatro linhas e dos e-sports, outros rostos pensados para atrair o público jovem vêm da música. Ludmilla (Real Elite), MC Hariel e KondZilla (Funkbol) também são presidentes de suas equipes. E, no cargo, além das questões administrativas, eles podem atuar dentro de campo também.
Pênalti cobrado por presidente
E a máxima de que “pênalti é tão importante que o presidente deveria bater” é colocada em prática na liga. Cada time pode acionar um botão vermelho que permite a um de seus presidentes cobrar uma penalidade. Caso ele não queira, pode escolher um jogador — nesse caso, a cobrança é alterada para um shootout.
— Quando você tem um presidente que não bate a penalidade tão bem, os clubes usam a estratégia de deixar o jogador cobrar o shootout. Claro que o meu caso chamou mais atenção por eu ser uma das únicas mulheres na competição. Por isso, optamos por só bater quando estivéssemos com um placar mais confortável. Eu treino com eles justamente para conseguir chutar bem. Infelizmente, errei, mas não fez falta — diz a apresentadora de e-sports Nyvi Stephan.
A estratégia usada pela maioria dos clubes não é seguida pela Fúria, de Neymar. O craque santista abdicou do posto de batedor para deixar a função com o “parça” Cris Guedes.
Com clubes na Espanha, Estados Unidos, Itália, França e Alemanha, o próximo passo é um novo mundial de clubes no próximo mês, na França. Desta vez, no entanto, o Brasil poderá participar com quatro clubes — no ano passado, somente duas equipes convidadas disputaram a liga.
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