Com iluminação artificial, que simula um dia com pelo menos 16 horas de claridade, o Brasil começa a avançar na produção de uma planta que consome muito e colhe quase nada: o lúpulo. Esse truque é essencial para um cultivo que só é possível no Hemisfério Norte ou mais ao sul do planeta, onde os dias são mais longos no verão.
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A luz artificial sobre a lavoura dá uma tapeada nas plantas e permite ampliar a safra do que os produtores dizem ser a “alma da cerveja”, conferindo aroma e sabor à bebida. Cervejarias artesanais já começam a utilizar o lúpulo nacional para sua produção e dizem que a qualidade é superior à do importado devido ao seu frescor.
— Aqui temos calor praticamente o ano todo, o que é bom para a planta. O problema é que o lúpulo precisa de dias longos, com 15 a 16 horas de luz. No Brasil, essa questão foi resolvida com a iluminação artificial. Com isso, é possível “enganar” a planta — conta Felipe Francisco, engenheiro agrônomo e secretário técnico da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), entidade que reúne produtores no país desde 2018 e oferece consultoria àqueles que querem plantar.
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A luz, explica Francisco, inibe a floração antecipada da planta, permitindo que ela cresça mais e seja mais produtiva, dando mais flores. É a flor do lúpulo que é utilizada na fabricação da cerveja. No mundo, há centenas de variedades de lúpulo, mas o Brasil tem se concentrado em dez delas, especialmente a comet.
— Desde 2022, temos usado o lúpulo nacional em rótulos especiais, e a percepção é que ele entrega aroma e sabor de qualidade superior ao do produto importado. Principalmente porque chega mais fresco — conta Leonardo Caires, gerente de marketing da Prússia, uma cervejaria artesanal do interior de Minas Gerais.
O investimento, por hectare, para iniciar o plantio pode variar entre R$ 150 mil e R$ 250 mil. O custo de produção anual pode variar entre R$ 80 mil e R$ 90 mil. Francisco, da Aprolúpulo, observa que ainda há gargalos na cadeia, especialmente na logística de distribuição (ainda voltada ao lúpulo importado) e na falta de máquinas para beneficiamento, o que começa a ser suprido com a importação de equipamentos de segunda mão.
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O desafio dos plantadores do lúpulo brasileiro agora é escalar a produção. Embora o número de produtores tenha crescido 40% entre 2022 e 2023, chegando a 114 pessoas dedicadas à matéria-prima, atualmente o país colhe apenas 1% do lúpulo que consome e importa o restante de países como EUA e Alemanha.
O cultivo soma atualmente cerca de 112 hectares no país (um crescimento de quase 140% nos últimos anos), resultando em 100 toneladas anuais dessas flores. A importação do lúpulo movimenta cerca de US$ 58 milhões anualmente (R$ 330,6 milhões).
Com o câmbio nada favorável, as próprias cervejarias artesanais apoiaram a pesquisa para desenvolver o lúpulo nacional, oferecendo áreas para plantar e testar o produto nacional, diz Francisco, da Aprolúpulo.
A entidade elaborou inclusive um mapa da produção pelo país. Ele mostra que 13 estados brasileiros já têm o cultivo, em 99 cidades. Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais lideram a ainda pequena produção. Já são mais de 232 mil plantas espalhadas nessas regiões.
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Uma das vantagens dos brasileiros em relação a americanos e europeus é que, sem inverno rigoroso e com luz artificial, o país pode colher até três safras de lúpulo num ano. Na Europa e na América do Norte, há apenas uma anual.
O pesquisador Gustavo Ribeiro Xavier, da Embrapa Agrobiologia, afirma que os estudos para desenvolver o lúpulo no Brasil começaram por volta de 2015. Portanto, trata-se de uma lavoura relativamente nova no país, que ainda precisa de muitas informações, já que está sendo feita a “tropicalização da cultura”.
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Por enquanto, o lúpulo plantado aqui é importado, mas começam a ser desenvolvidos cultivares nacionais, que ainda devem levar tempo para serem desenvolvidos.
— A tropicalização da cultura inclui aspectos de adubação, nutricionais e iluminação, já que a planta não está no meridiano onde normalmente é cultivada. E o desafio é manter a qualidade — diz Xavier.
O que chama a atenção entre os produtores nacionais é que muitos não eram nem da agropecuária. Começaram produzindo sua própria cerveja artesanal e depois partiram para o plantio da matéria-prima. Entre eles está o ator Thiago Lacerda, que passou a investir em lúpulo em 2022 em seu sítio em Petrópolis, na região serrana do Rio.
“O lúpulo nasce dentro do nosso sítio como um projeto familiar: investir em agricultura de forma responsável e sustentável. Somos apaixonados pela natureza e trazer pra nossa vida a lida no campo era uma vontade antiga. Praticamos um manejo cuidadoso e produzimos aqui mesmo biofertilizantes, adubos naturais e defensivos orgânicos que usamos em nossa plantação”, escreveu o ator ao apresentar o seu trabalho de plantio recentemente no evento Rota Cervejeira, no Rio.
A ideia de plantar a matéria-prima da cerveja veio na pandemia, quando ele e a mulher se mudaram para o sítio e queriam tornar o terreno produtivo. Fizeram uma parceria com um mestre cervejeiro para desenvolver uma cerveja própria com o lúpulo colhido.
O médico Daniel Pedroso, de 44 anos, chegou ao cultivo depois de ver uma reportagem sobre plantação de lúpulo no programa de TV Globo Rural, em 2016. Como não havia produção no Brasil, ele viu ali uma oportunidade de negócio, já que as cervejarias usavam insumo 100% importado. Estudou sobre o assunto e trouxe mudas da Argentina. Mas foi um desafio ser pioneiro.
— Coloquei lâmpadas de LED para simular os dias longos do Norte e do Sul do planeta, no verão, e a planta cresceu até o teto da minha garagem — conta Pedroso, que hoje cultiva o lúpulo numa fazenda na divisa de São Paulo e Paraná.
O médico convenceu inicialmente o pai a ceder uma área de mil metros da propriedade da família para esse tipo de cultivo. Seu trabalho era praticamente artesanal: ele colhia a flor, secava, embalava a vácuo e ia vender a cervejarias pequenas, mas ainda não havia muito interesse na planta nacional. Mas, a partir de 2020, passou a beneficiar o lúpulo num centro de processamento, secar e embalar a nitrogênio, e então as vendas deslancharam.
— Hoje o cultivo ocupa 3,6 hectares, onde tenho 8,5 mil plantas e produzo três toneladas por ano — conta o médico, que por enquanto vem colhendo duas safras e meia a cada ano e tem três cervejarias fixas como clientes, além de usar seu lúpulo numa produção própria de cerveja.
O preço de seus produtos varia: pode chegar a quase R$ 300 o quilo, quando é vendido em pouca quantidade. Mas quando a compra é acima de 200 quilos, fica em R$ 180. O médico investiu cerca de R$ 2 milhões ao longo de oito anos até chegar ao atual estágio de produção, mas só nos últimos seis meses “deixou de colocar dinheiro, embora ainda não tenha tirado um tostão de lucro”.
Bárbara Andrade, mestre cervejeira da Luci, fabricante de cervejas artesanais, é uma adepta do lúpulo nacional:
— Temos uma proposta de utilizar insumos brasileiros, agroecológicos e buscar saudabilidade em nossos produtos, por isso, nos especializamos em produzir cerveja sem álcool. O lúpulo nacional tem toque de frutas tropicais, é superfresco e aromático. Além disso, tem custo menor porque não tem imposto de importação. Para nós, sai de R$ 200 a R$ 225 o quilo do comet, enquanto o do lúpulo americano custa R$ 300. É uma boa diferença.